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terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Xadrez das organizações que dominam o Rio de Janeiro, por Luis Nassif

SEG, 25/12/2017 - 11:51
ATUALIZADO EM 26/12/2017 - 16:28




Vítima do clima persecutório que tomou conta da Justiça, após a manipulação política da Lava Jato, paradoxalmente o ex-governador fluminense Anthony Garotinho é o exemplo mais contundente da relevância da justiça federal – e do Ministério Público Federal – contra o crime organizado incrustado nos poderes de alguns estados.
O desabafo que fez nas redes sociais, na tarde de sábado, é a manifestação mais completa, até agora, sobre a tomada do Rio de Janeiro por uma aliança política que junta todos os poderes e a mídia.
Vídeo: https://www.facebook.com/garotinhooficial/videos/1562903360424851/
Pelo retrato traçado por Garotinho, o crime organizado se instalou no Executivo estadual através do ex-governador Sérgio Cabral; espalhou-se pelo Legislativo, pelas mãos de Jorge Picciani; foi blindado no Judiciário, pela influência do desembargador Luiz Zveitter e pela prevaricação do Ministério Público Estadual; tudo isso sob a proteção incondicional das Organizações Globo.
Trata-se de um depoimento essencial por dois motivos.
Primeiro, pelo fato de Garotinho ter começado a denunciar o esquema em 2012, não sendo levado a sério. Todas suas denúncias revelaram-se corretas.
Depois, porque Garotinho diz possuir provas documentais do que fala. Partindo de quem está sendo alvo de uma pesadíssima campanha persecutória, movida pelos poderes estaduais, é duvidoso que esteja blefando.
Suas denúncias atingem os seguintes personagens:

Sérgio Cabral

Em 2012, na CPMI de Carlinhos Cachoeira, Garotinho tentou incluir Sérgio Cabral, apontando-o como beneficiário das propinas da construtora Delta, de Fernando Cavendish. Não logrou êxito, nem quando entrou com uma queixa-crime contra Cabral.
Instalada no Rio de Janeiro, as Organizações Globo passaram todo o período desqualificando a CPMI, para proteger Roberto Civita, o dono da Abril que se meteu em parcerias criminosas com o bicheiro Cachoeira, e o próprio Cabral. Tanto que, na época, seu nome pouco aparece.
A blindagem a Cabral só caiu quando houve um acidente de helicóptero. E, no celular de uma das vítimas, estavam as fotos da chamada “gang dos guardanapos” celebrando em um restaurante fino de Paris a compra das Olimpíadas. As fotos se constituíram no documento mais expressivo desses tempos de corrupção.

Luiz Zveitter e o Tribunal de Justiça


Em 2012, ainda, foi divulgado um áudio de conversa de Cavendish, jactando-se de comprar políticos, senadores e magistrados. Afirmava que nunca seria preso porque pagava propinas em todas as obras, inclusive nas obras do Tribunal de Justiça do Rio.
Garotinho conta ter ido atrás do contrato da obra. Assinaram, pela Delta Dionisio Gonzaga, e pelo TJ o presidente Luiz Zveitter, o poderoso desembargador considerado unha e carne com a Globo.
Garotinho teria solicitado, então, ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) um relatório sobre a obra. Recebeu com conclusões contundentes. Apontava superfaturamento, anotava que o edital não passou pelo crivo da assessoria jurídica do Tribunal, havia indícios de fraude fiscal e tributária. E – principalmente – sinais claros de que a licitação era dirigida para a Delta.
O edital foi aprovado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE), antes de cinco dos conselheiros serem afastados por suspeita de corrupção. Mas técnicos do Tribunal apresentaram voto divergente apontando:
·      Pagamento de R$ 33 milhões a mais do que o que havia sido contratado;
·      Vários itens pagos não haviam sido realizados.
-   Alguns itens foram atestados como concluídos sem estarem.
As obras foram bancadas por dinheiro do fundo do TJ do Rio, implantado pelo próprio Garotinho em sua gestão.
As represálias teriam ocorrido imediatamente. Temendo que protocolasse a denúncia, uma pessoa procurou Garotinho, em nome de Zveitter. Teria sido recebida, segundo Garotinho, para preservar imagem de pessoas que poderiam ser inocentes, já que Cavendish citava Ministros, desembargadores e juízes.
Posteriormente, Cavendish reiterou as denúncias, mas desta vez em delação premiada. Até hoje não houve um desdobramento sequer delas.
Como represália, por duas vezes a Justiça do Rio tentou cassar sua esposa Rosinha, prefeita de Campos. A primeira tentativa foi derrubada por liminar do Ministro Og Fernandes; a segunda, por liminar de Herman Benjamin.
Não é coincidência que, após ter denunciado o esquema de Campos, na primeira ação julgada pelo Tribunal do Rio de Janeiro, eu tenha sido condenado pelo desembargador Cleber Ghelfenstein por difamação contra... Eduardo Cunha. Segundo o magistrado, eu teria equiparado Cunha a sonegadores.
Montaram, então, um esquema pesado em Campos – já descrito pelo GGN em reportagens do ano passado. Dois juízes de direito, um delegado da Polícia Federal e um policial civil aposentado seriam os integrantes da organização acionada por Zveitter. Sobre eles, se falará mais abaixo.

A Operação Chequinho


Primeiro, deflagram a Operação Chequinho, visando encontrar irregularidades na distribuição do cheque – um programa para famílias pobres que antecedeu a própria Bolsa Família. Resultou na prisão de Garotinho. A violência com que ocorreu a prisão, com Garotinho sendo arrancado à força de um hospital, chamou atenção para o juiz Glaucenir Silva de Oliveira, uma dessas bestas-feras que o punitivismo deixou à solta. E não apenas para ele, mas para a crueldade ímpar com que a Globo e alguns de seus jornalistas – como Arthur Xexéo - fuzilaram a família Garotinho, não poupando sequer as lágrimas da filha.
Segundo narrou Garotinho, na operação Chequinho o delegado Cassiano entrava da casa de beneficiários do programa, de bermudas, fazendo por lá mesmo as oitivas. Não permitia à pessoa entrar em contato com advogado, em ficar calada. Segundo ele, quando o processo saiu das mãos do juiz Ralph Manhães, várias dessas testemunhas, cidadãos humildes, declararam ter sido coagidas, muitas delas assinando os depoimentos sem terem lido. O delegado saia da casa das pessoas, ia à lan houve, imprimia os documentos e as constrangia a assinar.
A alegação do juiz Glaucenir, para a truculência contra Garotinho, foi a de que um emissário dele o teria procurado com uma proposta de suborno. Garotinho abriu um processo contra o juiz, que não conseguiu provar o ocorrido.
Mesmo processando e sendo processado por Garotinho, Glaucenir não se deu por impedido de julgá-lo novamente.

A operação Caixa Dágua

A segunda investida foi na chamada Operação Caixa D´Agua, um monumento à arbitrariedade.
A operação nasceu de uma delação, acusando Garotinho de receber R$ 3 milhões da JBS, através do caixa 2. A denúncia foi feita pelo promotor eleitoral. Nela, ignorou completamente o fato de que foi doação oficial para o PR, registrada no site do Tribunal Regional Eleitoral, com dados sobre o número do cheque e o valor – no vídeo, Garotinho mostra os dados oficiais. Depois, a doação foi repassada para Garotinho, tudo de modo oficial.
O promotor fez uma falsa denúncia, desconsiderando as informações oficiais do TRE, encaminhou ao mesmo juiz Glaucenir, que endossou a acusação. Não havia uma informação sobre contrapartidas, indícios de crime algum. Apenas um delator e uma falsa denúncia. E levou à prisão de Garotinho e da esposa Rosinha.
Segundo Garotinho, o delator tinha negócios com a prefeitura, na gestão do seu adversário político, prefeito Rafael Diniz.
Na delação, acusou Garotinho de ter recebido doações não declaradas nas eleições de 2010, 2012 e 2016. Segundo Garotinho, na mesma delação ele informava não se lembrar dos doadores nem dos valores. Nem tinha documentos para embasar as acusações.
Mesmo assim, Garotinho foi arrancado do programa que mantem na rádio Tupi Pelo delegado federal Paulo Cassiano.

Os personagens do jogo


Após o episódio traumático da prisão de Garotinho, sendo retirado à força de um hospital onde tratava de problemas cardíacos, sob cobertura total da Globo, com Xexeo ridicularizando até o choro da filha, o GGN resolveu investigar o caso.
Em um conjunto de matérias (clique aqui) levantamos os antecedentes e desdobramentos daquela operação destrambelhada. E encontramos um jogo complexo, de estruturas políticas controlando a prefeitura de Campos, envolvendo o prefeito, dois juízes de direito, um promotor de Justiça, um delegado da Polícia Federal e um policial civil aposentado, todos de valendo das prerrogativas do cargo, sem serem submetidos a nenhuma espécie de controle das instâncias superiores – comprovando uma ofensiva verticalizada contra Garotinho, iniciando nas autoridades municipais e se desdobrando nos órgãos superiores do estado até bater no guarda-chuva maior das Organizações Globo.
O jogo começava com o procurador eleitoral que fazia a denúncia, que era aceita pelo juiz Glaucenir. Este tomava a decisão de mandar prender Garotinho e, depois, passava o caso para o juiz estadual Ralph Manhães, acompanhado do promotor Leandro Manhães.
Como era supostamente crime eleitoral, de âmbito federal, as investigações eram realizadas pelo delegado federal Paulo Cassiano.
Segundo informações apresentadas por Garotinho nas redes sociais:
1.     O delegado Cassiano tem irmão e irmã em cargos de confiança na gestão atual de Campos, do prefeito Rafael Diniz. Foi denunciado à corregedoria da PF, sem que nenhuma medida tenha sido tomada.
2.     A delação que o incriminou foi homologada no dia 17 de novembro. A sentença saiu no mesmo dia. No dia 14 de novembro, a empresa do delator teria obtido da prefeitura o quinto aditivo a um contrato, no valor de R$ 2,7 milhões. Ao longo do ano, recebeu mais de R$ 5 milhões a título de reformas de escola e creche.
3.     Desde 2015, o promotor Leandro Manhães responde a procedimento de investigação criminal no âmbito do MPE – sem que nenhuma medida tenha sido tomada até agora.  Segundo Garotinho, relatório do serviço de inteligência da Polícia Civil o teria apontado como verdadeiro dono do Patio Norte, empresa responsável pela remoção de veículos acidentados e por leilões judiciais da cidade. Na gestão Rosinha, a empresa foi devolvida ao município. Com Rafael Diniz, entregue novamente ao esquema. Em 2015 Garotinho informou o MPE das irregularidades. Nenhuma providência foi tomada, sequer gerando impedimento da atuação de Leandro contra a pessoa que o denunciou.

Ex-prefeito Eduardo Paes

A metralhadora giratória de Garotinho não se deteve apenas no grupo que o ataca. Segundo ele, dispõe de documentação mostrando conta do ex-prefeito Eduardo Paes no Panamá, tendo o pai como laranja. A conta teria saldo de US$ 8 milhões.
A corrupção de Paes teria ocorrido através das organizações sociais da saúde e dos gastos com as Olimpíadas – muito maiores do que os gastos do estado.

O PF José Mariano Beltrame

Não escapa da denúncia nem o ex-Secretário de Segurança de Cabral, José Mariano Beltrame, ex-integrante da inteligência da Polícia Federal. Garotinho o acusa de uma compra de veículos para a Polícia Militar, modelo Gol, cada qual saindo por R$ 150 mil. No mesmo período, caminhonete top de linha custava R$ 120 mil.
A compra foi feita contra parecer jurídico da própria Secretaria de Segurança.

Organizações Globo

Garotinho diz que, quando o deteve, a PF o conduziu em um carro não caracterizado, com policiais com roupas comuns. E eles teriam retido vários pen drives que ele trazia consigo.
Um dos pen drives conteria a íntegra da delação premiada de J. Hawila ao FBI. Segundo Garotinho, haveria vários documentos comprovando o envolvimento direto da família Marinho com o suborno de dirigentes esportivos.

A Globo e as armas do deboche



Em 2004, uma jovem procuradora   entrou com uma ação contra a Globo, obrigando-a a assinar um Termo de Ajustamento de Conduta, por informações distorcidas sobre crianças com deficiência em suas novelas.
Foi alvo de duas colunas de Xexéo tentando desmoralizá-la. A procuradora reagiu, e ameaçou processar Xexéo. De dentro da própria Globo, recebeu o recado de seu porta-voz:
- Cuidado que Xexéo tem espaço no jornal e se especializou em transformar pessoas em personagens grotescos, como fez com Rosinha Garotinho.
Foi o que fez com a filha do casal Garotinho, Larissa, zombando das lágrimas de uma filha pela situação a que estava exposto o pai.

As lições do caso

A Lava Jato e o movimento do impeachment colocaram nas mãos da Globo um poder absoluto. Com o mero controle das manchetes e da cobertura do Jornal Nacional, com a capacidade de retaliar ou de premiar, a Globo se tornou uma influência decisiva junto ao Poder Judiciário e, especialmente, junto ao Ministério Público Federal.
Só avança inquérito que recebe o aval da Globo. E aparecer em um dos jornais da emissora é a aspiração máxima de um grupo de procuradores ativistas de Twitter.
Os Zveitter mantêm seu poder, porque a Globo quer. Uma reportagem da Globo tiraria o TCE do comodismo atual, mas a Globo não quer. Uma organização criminosa viceja em Campos de Goytacazes. E a Globo fecha os olhos, porque inimigos dos meus inimigos são meus amigos.
O papel central de um grande veículo de mídia, em países civilizados, é o de combater as disfunções dos demais poderes. A denúncia séria de veículos sérios é peça central nos processos de auto-regulação de um país. São os batedores que farejam o mal feito, alertam a opinião pública e, através dela, acionam-se os demais poderes.
A bandeira anticorrupção da Globo tem lado. E ela usa de acordo com critérios comerciais, não critérios cidadãos. É o que explica o arrefecimento da campanha contra Temer, coincidindo com aumento da publicidade oficial. Ou os rios de dinheiro despejados nela pela suspeitíssima Confederação Nacional do Comércio – que coopta não apenas o grupo, mas seus jornalistas.
É o que explica, igualmente, que, no estado sede do maior grupo de comunicação da América Latina, tenha vicejado o mais nefasto esquema de corrupção do país.
Hoje em dia, a corrupção fluminense é o maior argumento em favor da federalização dos crimes estaduais, do papel do MPF e da PF. Mas toda essa ação tem limites: o Executivo e o Legislativo. Acima disso, entra-se no território protegido da Globo.
E mostra que um dos pontos centrais de legitimação da mídia – o de, através do “furo”, não esconder sujeira debaixo do tapete – é exercido, atualmente, só pela imprensa alternativa. Combate à corrupção que tem lado, é briga de quadrilha.
https://jornalggn.com.br/noticia/xadrez-das-organizacoes-que-dominam-o-rio-de-janeiro-por-luis-nassif

domingo, 17 de dezembro de 2017

Num momento da história, o centro de tudo está numa mulher



17/12/2017
A festa do Natal está toda concentrada na figura da Divina Criança (Puer aeternus), Jesus, o Filho de Deus que decidiu morar entre nós. A celebração do Natal vai além deste fato. Restringindo-se somente a ele, caimos no erro teológico do cristomonismo (só Cristo conta) olvidando que existe ainda o Espírito e o Pai que sempre atuam conjuntamente..
Cabe realçar a figura de sua mãe, Miriam de Nazaré. Se ela não tivesse dito o seu “sim”, Jesus não teria nascido. E não haveria o Natal.
Como ainda somos reféns da era do patriarcado, este nos impede de comprender e valorizar o que diz o evangelho de Lucas a respeito de Maria:”O Espírito Santo virá sobre ti e a energia (dínamis) do Altíssimo armará sua tenda sobre ti e é por isso que o Santo gerado será chamado Filho de Deus”(Lc 1,35).
As traduções comuns, dependentes de uma leitura masculinista, dizem “a virtude do Altíssimo te cobrirá com sua sombra”. Lendo o original grego não é isso que se diz. Literalmente se afirma: “a energia (dínamis) do Altíssimo armará sua tenda sobre ti (episkiásei soi). Trata-se de um modismo linguístico hebraico para significar “morar não passageira mas definitivamente” sobre ti, Maria. A palavra que se usa é skené que significa tenda. Armar a tenda sobre alguem (epi-skiásei), como afirma o texto, significa: a partir de agora Maria de Nazaré será a portadora permanente do Espírito. Ela foi “espiritualizada”, quer dizer, o Espírito faz parte dela.
Curiosamente a mesma palavra skené (tenda) o evangelista São João aplica à encarnação do Verbo. “E o Verbo se fez carne e armou sua tenda entre nós (eskénosen, é o mesmo verbo de base)”, quer dizer, morou definitivamente entre nós.
Qual a conclusão que tiramos disso? Que a primeira Pessoa divina enviada ao mundo não foi o Filho, a segunda Pessoa da Santíssima Trindade. Foi o Espírito Santo. Quem é terceiro na ordem da Trindade é primeiro na ordem da Criação, isto é, o Espírito Santo. O receptáculo desta vinda foi uma mulher do povo, simples e piedosa como todas as mulheres camponesas da Galiléia, de nome Miriam ou Maria.
Ao acolher a vinda do Espírito, ela foi elevada à altura da divindade do Espírito. Por isso, com razão diz o evangelista Lucas:”por isso (dià óti) ou por causa disso o Santo gerado será chamado Filho de Deus”(Lc 1,35). Somente alguém que está na altura de Deus pode gerar um Filho de Deus. Maria, por esta razão, será divinizada semelhantemente ao homem Jesus de Nazaré que foi assumido pelo Filho eterno e assim foi divinizado. É o Filho eterno encarnado em nossa  humanidade que celebramos no Natal.
Eis que num momento da história, o centro é ocupado por uma mulher, Miriam de Nazaré. Nela está atuando o Espírito Santo que nela habita e que está criando a santa humanidade do Filho de Deus. Nela estão presentes duas Pessoas divinas: o Espírito Santo e o Filho eterno do Pai. Ela é o templo que alberga a ambos.
Nossa Senhora de Guadalupe, tão venerada pelo povo mexicano, com traços mestiços, aparece como uma mulher grávida com todos os símbolos da gravidez da cultura nauatl (dos aztecas). Sempre que vou ao México me misturo às multidões que lá acorrem e visito a bela imagem de pano da Guadalupe. Vestido de frade, várias vezes perguntei a um peregrino anônimo: “hermanito, tu adoras a la Virgen de Guadalupe”? E recebia sempre a mesma resposta: “Si, frailecido, como no voy adorar a la Virgen de Guadalupe? Si que la adoro”.
O devoto respondia com toda razão, pois nessa mulher se escondem as duas Pessoas divinas, o Filho que crescia em suas entranhas pela energia do Espírito que morava nela. E ambas, sendo Deus, podem e devem ser adoradas. E Maria é inseparável deles, por isso merece a mesma adoração. Daí nasceu a inspiração para o meu livro, dos mais lidos, “O Rosto materno de Deus”.
Sempre lamentei que a maioria das mulheres, mesmo teólogas, não tenham assumido ainda sua porção divina, presente em Maria, por obra do Espírito Santo. Ficam com só com o Cristo, o homem divinizado.
O Natal será mais completo se junto ao Menino que tirita de frio na manjedoura, incluirmos sua Mãe que o acalenta, amparada por seu esposo o bom José. Ele também mereceria uma reflexão especial, coisa que já fiz nestas páginas do Jornal do Brasil: sua relação com o Pai celeste.
No meio da crise de nosso país há ainda uma Estrela como a de Belém a nos dar esperança e uma Mulher, portadora do Espírito e nos inspirar uma saída salvadora.
Leonardo Boff é articulista do JB online e escreveu O rosto materno de Deus, Vozes.11.edição 2012.
https://leonardoboff.wordpress.com/2017/12/17/num-momento-da-historia-o-centro-de-tudo-esta-numa-mulher/

sábado, 16 de dezembro de 2017

Xadrez da grande bacanal pós-impeachment, por Luís Nassif

Esta semana dei uma palestra no encontro da ANDIFES (Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior). No encontro, a mesma dúvida: qual o prazo de validade do modelo econômico e social que está sendo implementado com a tomada do poder pela organização criminosa liderada por Eduardo Cunha?
Ouso dizer que é curto.
Acompanhe o raciocínio.
Peça 1 - a legitimação de Collor e FHC
Fernando Collor ganhou a presidência por mérito próprio, por ter entendido, antes dos demais candidatos, os novos ventos que surgiam.
No plano interno, a enorme ojeriza à centralização brasiliense, remanescente do regime militar; e a desconfiança em relação aos quadros políticos que se apossaram do poder, no governo José Sarney.
No plano internacional, estava em pleno vapor a onda liberal inaugurada por Margareth Thatcher e Ronald Reagan.
Em todos os períodos da historia, os movimentos políticos internacionalistas sempre necessitaram do endosso das grandes ondas globais. Foi assim no fim da Monarquia até a Primeira Guerra. E no período pós ditadura, com as eras Collor e FHC.
A onda anti-centralização, anti-mordomia, anti-Brasília, junto com o discurso thatcheriano era tão forte que permitiu a Collor cometer enormes erros, desmanchar políticas públicas bem-sucedidas, montar maracutaias com a privatização, mediante o uso das moedas podres. Mas trazer ganhos na abertura da economia.
Já a legitimação de Fernando Henrique Cardoso decorreu exclusivamente do Plano Real. Qualquer crítica a política implementadas era respondida com a mesma frase padrão: você quer a volta da inflação?
Esse jogo permitiu que os erros de FHC, especialmente com o câmbio, levassem o país à bancarrota logo após as eleições de 1998. Com o apoio decisivo da mídia, saliente-se.
Assim, a legitimação durou um mandato. O segundo foi um governo fantasma.
Ou seja, duas experiências internacionalistas, uma que não durou um mandato sequer, outra que durou apenas um mandato, mesmo tendo o enorme handicap do fim da inflação.
Peça 2 - os fatores de (des)legitimação de Temer
O primeiro  fator de deslegitimação é o mais óbvio: Temer é o segundo homem na hierarquia de uma organização criminosa presidida por Eduardo Cunha. Ponto. Seria o mesmo que pretender modernização com um Fulgêncio Batista na Cuba pré-Fidel, um Rafael Trujillo na República Dominicana, um Noriega, no Panamá.
Pode-se conseguir a modernização com um déspota esclarecido. Com um bandido, nunca.
A razão é simples.
·       Toda organização criminosa quer roubar.
·       Processos de mudança abrem enorme espaço para negócios.
·       Subordinando as mudanças ao roubo, perde-se a perspectiva de qualquer projeto estruturante ou legitimador.
Portanto, cortem essa história de que a disputa é entre dois projetos de país: um suposto projeto petista e um suposto projeto liberal da Ponte para o Futuro. É entre a modernidade e o banditismo, que é inerente ao modelo de implementação das medidas previstas na tal Ponte.
Pretender mudanças no ambiente político atual significa abrir o cofre do banco e dispensar  a segurança. É o que está sendo feito, aliás.
Peça 3 - os templários do liberalismo
O segundo fator é a visão extremamente tecnocrática e amadora dos templários do liberalismo.
Há uma estratégia para a guerra e outra para a vitória. A guerra permite toda sorte de radicalização do pensamento, a criação de utopias, o pretíssimo no branquíssimo, a exploração da figura do inimigo, como acontece com todos os arautos das guerrilhas ideológicas.
Já o exercício do poder exige discernimento e avaliação correta sobre os limites da realidade, conhecimento das engrenagens políticas, sociais  e econômicas de um país complexo, o ritmo de implementação etc.
Por aqui, os liberais lançaram diversos esquadrões armados de slogans e, no poder, não colocaram um maestro com conhecimento da posologia, do ritmo de implementação de mudanças, dos limites, das restrições impostas pela realidade. São os slogans se tornando políticas de Estado.
Desde o Cruzado o país é vítima desses cabeções, que julgam que quanto mais radical, mais virtuosa a política. Só ganham sabedoria depois que são expulsos do poder pelos excessos cometidos.
Em toda essa balbúrdia, nenhum aceno social, nenhuma palavra em direção aos direitos de minorias, nenhuma tentativa de legitimação.
Toda a estratégia é de curtíssimo prazo, de olho exclusivo no mercado e de acordo com a visão dos GPS, 3Gs e o escambau do mercado. Consiste em adquirir um ativo, rentabilizá-lo no curto prazo e passá-lo adiante, ganhando na sua valorização imediata.
Está aí o desastre da Estácio de Sá para comprovar os efeitos do padrão GP de rentabilidade máxima.
Hoje, o ativo é o Brasil.
Peça 4 – a economia em 2018
2018 entrará com o seguinte ritmo:
1. PEC do Teto: não passará do primeiro ano
A menos que se aceite como inócuo o desmantelamento de todos os serviços públicos, a PEC do Teto é inviável. Quando as multidões, abraçadas com prefeitos e governadores, entidades sindicais, associações saírem às ruas exigindo remédios, saúde, educação, segurança, o que o Planalto irá fazer? Colocar na frente do lago o Marcos Lisboa e o Monsueto de Almeida com uma calculadora, para explicar a lógica do plano?  Terá as mesmas explicações que o inacreditável Paulo Hartung no Espírito Santo.
2. Os efeitos da lei trabalhista ficarão claros
Uma legislação que precisaria, de fato, ser modernizada, é empurrada goela abaixo, sem garantia de continuidade. O efeito imediato é esse massacre, do qual o caso Estácio de Sá se tornou o exemplo maior.
3. Vôo de galinha da economia
Não adianta os comentaristas da Globo celebrarem 0,1% de crescimento como se fosse recuperação. É a mesma coisa que comemorar o fato de ter parado de cair a popularidade de Temer, quando chega próxima de zero. Trata-se apenas de um processo cíclico, que sucede às grandes quedas. A economia continuará amarrada aos enormes passivos do período de crise, a uma política fiscal e monetária pró-cíclica (isto é, que acentua o ciclo de recessão) sem nenhuma alavanca capaz de relançá-la.
4. A humilhação do país nas mãos de uma quadrilha
A cada dia que passa, mais vai caindo a ficha geral de que o país está nas mãos de uma quadrilha. E, agora, uma quadrilha avalizada pelo único candidato do continuísmo com alguma possibilidade, Geraldo Alckmin.
Peça 5 - as eleições de 2018
O golpe foi uma aliança dos seguintes setores:
PSDB-mídia + Judiciário + Ministério Público + evangélicos + quadrilha de Temer-Cunha
O amálgama que junta juízes, procuradores e deputados é o moralismo pré-histórico da ultra-direita, seu discurso contra direitos das minorias, contra o casamento homoafetivo e todos os avanços das modernas democracias.
Não é por outro motivo que, na CPI da JBS, celebrou-se o acordo dos governistas, poupando a Lava Jato das denúncias de Tacla Duran.  Foi a constatação óbvia de que a Lava Jato é essencial para a manutenção do continuísmo.
A noite do terror não terá vida longa por várias razões:
A implosão do núcleo do golpe
A construção institucional de um país depende da Constituição e de de um conjunto de leis, de práticas. A institucionalidade impõe limites, não apenas legais, mas de conduta a todos os poderes.
Quando se atravessa o Rubicão, como no caso do impeachment, todo esse edifício rui. Se se pode derrubar uma presidente ao arrepio da Constituição, tudo o mais será permitido. Que o diga o excelso Ministro Luís Roberto Barroso, principal padrinho do estado de exceção e da flexibilização  da Constituição.
E aí vira a suruba portuguesa, com procuradores desmoralizando Ministros do STF pelo Twitter, Ministros do STF sendo desmoralizados sem necessidade de ajuda externa, negociatas à luz do dia, na forma de venda de estatais, venda de projetos de lei, venda de proteção, Judiciário colocando adversários em cana (como no caso do ex-governador Garotinho), Conselho Nacional de Justiça (CNJ) punindo juízes legalistas. E cada um tentando puxar a brasa para a sua sardinha e vivendo intensamente como se não houvesse amanhã, não houvesse feios a essa orgia de poderes individuais.
Quando o golpe é conduzido por um poder central - um ditador ou uma corporação, como foi o caso de 64 -, ele se impõe sobre a balbúrdia geral. Quando o golpe é a balbúrdia, se esgota em suas próprias contradições.
O núcleo do impeachment virou de tal modo uma casa da mãe Joana que o presidente quer continuar, o Ministro da Fazenda quer o lugar do presidente, o maior aliado, PSDB, quer lançar candidato, mas não sabe se fica ou se sai, os jornais multiplicam-se em seminários de pouca relevância e alto patrocínio de estatais e, ao mesmo tempo, fingem que criticam o governo, para não se desmoralizar de vez perante os leitores.
Esse é um quadro sintético do que está acontecendo com os vitoriosos do golpe. Completa-se o quadro com a incapacidade de gerar sequer um candidato competitivo para 2018.
A impossibilidade do Estado de Exceção
Se não podem manter o poder pelo voto, manteriam pelo estado de exceção.
No curto prazo, a Lava Jato e o TRF4 dão conta. No médio, não.
A Constituinte de 1988 mostrou o avanço das organizações civis, invisibilizados pela mídia. De repente, como que do nada, surgiram grupos organizados indígenas, negros, de camponeses, de direitos humanos, de quilombolas etc.
Hoje em dia, com o advento das redes sociais, e com o próprio desenvolvimento nacional com as grandes conferências, os grupos de interesse multiplicaram-se. Há organizações de defesa dos deficientes, da Amazônia, dos LBTGs, das mulheres, da educação, da saúde, da assistência social, da ética nas empresas. Cada estado tem seu coletivo, suas organizações próprias, sem contar o sistema tradicional dos sindicatos e associações.
Hoje em dia, mesmo em setores empoderados pela direita - como Polícia Federal e Ministérios Públicos - existem os coletivos democráticos. Mais: todos os movimentos sociais apostam na democracia, esvaziando a tese do golpe preventivo.
Esses avanços, por sua vez, desenvolveram um mercado de opinião publicada – por tal, entenda-se o público classe média midiática -, menos estridente que os MBLs da vida, mas que gradativamente vai se tomando de enjoo com o discurso da indignação vazia e com os preconceitos da ultradireita.
Como já previsto em outros artigos, cada vez mais o primeiro time da imprensa brasileira tenta vestir o figurino do conservador inglês, conservador na economia, liberal nos costumes e discreto no linguajar.
É um movimento lento, que tende inicialmente a poupar o principal aríete da ultra-direita – os abusos da PF e do MPF no padrão Lava Jato -, mas que é irreversível no sentido de combater os excessos radicais.
Tudo isso demonstra uma musculatura e uma vitalidade que torna impossível qualquer veleidade de ditadura de médio ou longo prazo.
A inviabilidade Eleitoral da Ponte
Por outro lado, a Ponte para o Futuro não resiste a um teste de urna. É inviável eleitoralmente.
Não foi o petismo que deu a vitória a Dilma Rousseff em 2014, mas divisão do país entre o anacrônico e o moderno. A cada dia que passa, mais a face do golpe se confunde com as práticas mais anacrônicas.
Ontem, foi a vez do Congresso trazer de volta os manicômios. E há razões para isso. Em outros tempos, os manicômios eram fonte de enriquecimento de diversos coronéis políticos, como o ex-deputado Inocêncio de Oliveira. Sempre foram uma fonte inesgotável para sugar recursos do INSS.
Peça 6 – o fruto da árvore proibida
Com o início da era FHC, o PSDB abriu mão definitivamente das teses modernizantes. Tornou-se um partido rancoroso, sem identificação maior com os avanços sociais e morais. E negociando cada vez mais com lobbies externos, das incursões pioneiras de Pedro Malan no Banco Mundial, e de José Serra com a Nordisk, no episódio rumoroso de licitação de insulina, quando era Ministro da Saúde aos jogos atuais com a lei do petróleo.
Com todos seus defeitos, com todos os erros cometidos, com a falta de visão de Nação, com os erros econômicos da era Dilma, com a leniência da era Lula com mercado e mídia, o PT continua sendo o desaguadouro dos movimentos modernizadores apartidários.
Se num passe da mágica, a Lava Jato, com Temer, PSDB, Gilmar, mídia e a rapa conseguissem eliminar o partido, ainda assim toda essa frente social se manteria unida em torno do partido ou candidato que exprimisse esses valores.
Tudo isso porque deixaram o país provar o fruto da árvore proibida.
Durante algum tempo, o Brasil aprendeu que é possível erradicar a pobreza com políticas bem concebidas, que a redução da pobreza aumenta o mercado interno, produzindo um circulo virtuoso. Aprendeu que é possível desenvolver uma indústria da saúde, avançar na educação, participar dos jogos diplomáticos internacionais, criar uma indústria de defesa, remontar a indústria naval.
Podem destruir enquanto tem tempo.
Mas no fundo da memória nacional já foi plantada a palavra de ordem: nós podemos!

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quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

A ânsia do TRF 4 em julgar Lula prova a falta de vocação democrática da direita brasileira. Por Eugênio Aragão



POR EUGÊNIO ARAGÃO, ex-ministro da Justiça
Ouvem-se de ontem para hoje vozes de atores políticos a se regozijarem com a iniciativa malandra do Tribunal Regional Federal da 4ª Região de marcar o julgamento das apelações contra a sentença condenatória de Lula no caso do Triplex do Guarujá para o dia 24 de janeiro. Festejam a matreirice como quem festeja a anunciada condenação do ex-presidente, já certa e uma garantia de sua exclusão das eleições de 2018.
Ao mesmo tempo, abundam os editoriais do mau jornalismo desinformações e deformador de O Globo, Folha de S.Paulo et caterva, todos elogiando o tribunal por sua incomum “celeridade”.
E, claro, last but not least, há o “mercado”, aquele que comemora a perda de direitos de brasileiras e brasileiros como um sinal de “modernidade”: a subida vigorosa do índice Bovespa com o anúncio não consegue disfarçar a felicidade com aquilo que enxerga como desgraça alheia e sorte sua.
O que os três, atores políticos exultantes, jornais deformadores e bolsa de valores têm em comum? São todos maus perdedores da direita política que não conseguem e não sabem ganhar uma eleição de forma limpa. Têm a certeza da agressão de suas propostas significam para a sociedade brasileira, têm consciência de sua impopularidade e do caráter fraudulento de seu discurso de redenção e “modernidade”. Por isso, Lula é um perigo a ser eliminado não nas urnas, mas num processo armado para exclui-lo da cena política.
Sempre agiram assim ao longo da história do Brasil. De trapaça em trapaça, levaram-nos a sermos governados por gângsters que sabem se aproveitar das debilidades das instituições do país.
Entre os atores, alguns se exibem descaradamente interesseiros, como Fernando Henrique Cardoso, aquele do “espelho, espelho meu…”, que preside sem honra um partido bem partido, como outrora foi o PDS de sustentação da ditadura, antes de formar o PFL; outros com psicótica bipolaridade, como Ciro Gomes, que há poucos dias se solidarizava com Lula e, nesta semana, manda rojões de festa pela “rapidez” do processo contra o ex-presidente. E, sim, tem a cara-de-pau do sempre Gilmar Mendes, que já anuncia aos quatro ventos a decisão sobre a inelegibilidade de Lula, antes mesmo que os argumentos da defesa lhe sejam apresentados. Por isso, não é um juiz. É um ator político partidário que veste a toga por distração.
Entre os jornais, pertencem todos às oligarquias familiares que cresceram à sombra do toma lá – dá cá do patrimonialismo tupiniquim e não vêm perspectiva de sustentabilidade de seu modelo empresarial bandido numa democracia inclusiva. Aos Marinhos, Mesquitas ou Frias, a informação é o que menos interessa. Jogam na arena política de forma traiçoeira, como beligerantes que recusam o uso de uniformes e insígnias e carregam armas escondidas, na mais sórdida perfídia contra as regras da guerra.
Enfim, os brokers e seus Bloombergs da vida são croupiers do cassino de especuladores que incentivam a jogatina com a riqueza social sem preocupação com seu impacto na vida das pessoas comuns, aquelas que não fazem parte de sua tribo de adictos em dinheiro. Quando um prospectivo candidato fala em governar para essas pessoas comuns, vêem-se na contingência de ficarem sem seu brinquedinho perversamente lucrativo.
Postos os festeiros de abadá, vamos aos fatos. Por que a iniciativa do TRF da 4ª Região é uma chicana que não deve e nem pode ser festejada pelos verdadeiros democratas, os sem-abadá, os da “pipoca”?
Tem aí, antes de mais nada, a sentença do Moro, o juizinho da província que, com o mui laborioso apoio de uns garotos deslumbrados do ministério público, conseguiu seus três anos de glória a massacrar reputações e a distruir o patrimônio social que representa a indústria de construção civil, de construção naval e de produção de combustíveis.
Moro que, em mais de trezentas laudas duma sentença sem lastro probatório, usa mais de oitenta para se justificar. Moro que viaja mundo afora para se vangloriar de seus malfeitos às custas do contribuinte. Moro que defende seu “brother” Zucolotto, envolvido em controvérsia sobre a venda milionária “por fora” de delação premiada na vara do amigão. Moro que diz que não debate com condenados por ele mesmo e só sabe falar de público quando manda na audiência.
Pois é. Esse Moro condenou Lula por ter sido supostamente beneficiado, não se sabe em troca do quê, com a reforma de um apartamento que nunca lhe pertenceu. Dezenas de testemunhas de acusação e de defesa lhe atestaram a inocência, mas o tal Moro nem se deu ao trabalho de examinar as provas exculpantes, perdendo-se em suposições e ginásticas argumentativas sem qualquer elemento empírico. A verdade provada cede ao voluntarismo corporativo mesclado com a agenda eleitoral. Juízes e procuradores querem-se prestigiados e escolheram lado para se alavancarem no serviço público.
Lula não pede que acreditem nele. Pede que leiam os autos antes de acusá-lo disso ou daquilo. Tem a certeza de sua inocência. Mas isso é o que menos interessa neste momento em que as pesquisas de opinião mostram seu crescimento na preferência do eleitorado, a torná-lo imbatível em qualquer eleição de que venha participar. Isso é que incomoda e por isso levam para o judiciário o que deveria ser resolvido na política. Desautorizam a soberania popular para reforçar o poder de burocratas inescrupulosos.
Depois, o comportamento de magistrados do TRF da 4ª Região a coonestarem o aventureirismo exibicionista do juiz de piso. O presidente do tribunal teve o desplante de declarar ser a sentença condenatória “irretocável”, mesmo sem tê-la lido. Não interessa que não é ele chamado a julgar e que a lei lhe proíbe tecer comentários públicos sobre os atos de colegas de jurisdição, nem interessam o que está nos autos e o que defesa alega, para o presidente o “brother” Moro sempre estará certo e que se dane o duplo grau de jurisdição! A pergunta que não quer calar: para o que existe então esse tribunal que ele preside?
Temos então também o tal do juiz Gebran.  Outro “brother” do Moro. Não disfarça seu absoluto partidarismo em defesa cega do juiz de piso, de quem, diz-se, seria compadre. Gebran nega, mas que ele e Moro são muito mais do que colegas de toga até as pedras sabem. Claro, ser amigo do juiz de piso, formalmente, não é causa nem de impedimento e nem de suspeição do juiz de instância maior. Mas quando a suspeição do Moro é colocada em mesa, claro que essa suspeição acaba por se estender a quem emocionalmente o apoia em tudo. E julgar Gebran a suspeição de Moro é julgar sua própria suspeição.
Gebran gosta de seu papel de ferrabrás. É do tipo durão e moralista. Esses são os piores. Não têm isenção nem aqui é nem na China. Enche a boca em apoio incondicional à tal Operação Lava Jato. Não tem capacidade de crítica. E já deu sinais que quer acelerar a guilhotina. Anunciou a todas e todos que seu voto estava pronto, alegrando a torcida dos que querem Lula fora da corrida presidencial.
Depois tem o tal juiz Paulsen, o revisor que, a despeito de precisar em média de setenta dias para fazer seu voto em situações que tal, conseguiu a proeza de fazê-lo em seis dias no caso complexo de Lula. A conclusão só pode ser uma: ou faz corpo-mole nos outros casos, ou tem uma pressa desmedida neste.
Enfim, tem toda a turma do TRF, que resolveu pautar o processo atropelando a ordem cronológica contra a letra da lei sem qualquer motivação. Passou por cima de outros jurisdicionados, que viram a fila ser furada em detrimento da celeridade de seus feitos. Por que será? Por que essa ânsia toda em julgar Lula? E logo esses personagens que se desfazem em elogios a Moro, o carrasco do primeiro grau cuja sentença deverão rever?
Promover ou deixar de promover ato de ofício para atender interesse ou sentimento próprio ou de terceiro tem nome. Responde por “prevaricação”.
Esperemos que não seja este o caso, mas sempre é bom lembrar aos magistrados que, como a mulher de César, não devem se bastar em ser honestos, mas, mais do que isso, devem parecer honestos também. Marcar dia 24 de janeiro, a toda às pressas como data do julgamento de Lula, a um ano da acidente vascular cerebral que afetou Dona Mariza e quando Supremo Tribunal Federal é Superior Tribunal de Justiça ainda estão de recesso, não é digno da mulher de César.
Nunca é demais dizer, ainda, que a disputa política se resolve na arena política, que é a ágora democrática, e não no judiciário que não tem voto e nem legitimidade para disputar com a soberania popular. O aviso fica não só para Fernando Henrique Cardoso, Ciro Gomes, irmãos Marinho, famílias Mesquita e Frias e os brokers da bolsa de valores, mas também para Moros, Gebrans e Gilmares da vida, que, quando se manifestam de público, parecem não demonstrar estima pela vontade popular.
http://www.diariodocentrodomundo.com.br/a-ansia-do-trf-4-em-julgar-lula-prova-a-falta-de-vocacao-democratica-da-direita-brasileira-por-eugenio-aragao/