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domingo, 30 de julho de 2017

Em defesa da Venezuela

Estou chocado com a parcialidade da comunicação social europeia, incluindo a portuguesa, sobre a crise da Venezuela.

Nicolás Maduro em um ato político em Caracas.
A Venezuela vive um dos momentos mais críticos da sua história. Acompanho crítica e solidariamente a revolução bolivariana desde o início. As conquistas sociais das últimas duas décadas são indiscutíveis. Para o provar basta consultar o relatório da ONU de 2016 sobre a evolução do índice de desenvolvimento humano. Diz o relatório: “O índice de desenvolvimento humano (IDH) da Venezuela em 2015 foi de 0.767 — o que colocou o país na categoria de elevado desenvolvimento humano —, posicionando-o em 71.º de entre 188 países e territórios. Tal classificação é partilhada com a Turquia.” De 1990 a 2015, o IDH da Venezuela aumentou de 0.634 para 0.767, um aumento de 20.9%. Entre 1990 e 2015, a esperança de vida ao nascer subiu 4,6 anos, o período médio de escolaridade aumentou 4,8 anos e os anos de escolaridade média geral aumentaram 3,8 anos. O rendimento nacional bruto (RNB) per capita aumentou cerca de 5,4% entre 1990 e 2015. De notar que estes progressos foram obtidos em democracia, apenas momentaneamente interrompida pela tentativa de golpe de Estado em 2002 protagonizada pela oposição com o apoio ativo dos EUA.
A morte prematura de Hugo Chávez em 2013 e a queda do preço do petróleo em 2014 causou um abalo profundo nos processos de transformação social então em curso. A liderança carismática de Chávez não tinha sucessor, a vitória de Nicolás Maduro nas eleições que se seguiram foi por escassa margem, o novo Presidente não estava preparado para tão complexas tarefas de governo e a oposição (internamente muito dividida) sentiu que o seu momento tinha chegado, no que foi, mais uma vez, apoiada pelos EUA, sobretudo quando em 2015 e de novo em 2017 o Presidente Obama considerou a Venezuela como uma "ameaça à segurança nacional dos EUA", uma declaração que muita gente considerou exagerada, se não mesmo ridícula, mas que, como explico adiante, tinha toda a lógica (do ponto de vista dos EUA, claro). A situação foi-se deteriorando até que, em dezembro de 2015, a oposição conquistou a maioria na Assembleia Nacional. O Tribunal Supremo suspendeu quatro deputados por alegada fraude eleitoral, a Assembleia Nacional desobedeceu, e a partir daí a confrontação institucional agravou-se e foi progressivamente alastrando para a rua, alimentada também pela grave crise económica e de abastecimentos que entretanto explodiu. Mais de cem mortos, uma situação caótica. Entretanto, o Presidente Maduro tomou a iniciativa de convocar uma Assembleia Constituinte (AC) para o dia 30 de Julho e os EUA ameaçam com mais sanções se as eleições ocorrerem. É sabido que esta iniciativa visa ultrapassar a obstrução da Assembleia Nacional dominada pela oposição.
Em 26 de maio passado assinei um manifesto elaborado por intelectuais e políticos venezuelanos de várias tendências políticas, apelando aos partidos e grupos sociais em confronto para parar a violência nas ruas e iniciar um debate que permitisse uma saída não violenta, democrática e sem ingerência dos EUA. Decidi então não voltar a pronunciar-me sobre a crise venezuelana. Por que o faço hoje? Porque estou chocado com a parcialidade da comunicação social europeia, incluindo a portuguesa, sobre a crise da Venezuela, um enviesamento que recorre a todos os meios para demonizar um governo legitimamente eleito, atiçar o incêndio social e político e legitimar uma intervenção estrangeira de consequências incalculáveis. A imprensa espanhola vai ao ponto de embarcar na pós-verdade, difundindo notícias falsas a respeito da posição do Governo português. Pronuncio-me animado pelo bom senso e equilíbrio que o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, tem revelado sobre este tema. A história recente diz-nos que as sanções económicas afetam mais os cidadãos inocentes que os governos. Basta recordar as mais de 500.000 crianças que, segundo o relatório da ONU de 1995, morreram no Iraque em resultado das sanções impostas depois da guerra do Golfo Pérsico. Lembremos também que vive na Venezuela meio milhão de portugueses ou lusodescendentes. A história recente também nos diz que nenhuma democracia sai fortalecida de uma intervenção estrangeira.

Os desacertos de um governo democrático resolvem-se por via democrática, e ela será tanto mais consistente quanto menos interferência externa sofrer. O governo da revolução bolivariana é democraticamente legítimo e ao longo de muitas eleições nos últimos 20 anos nunca deu sinais de não respeitar os resultados destas. Perdeu várias e pode perder a próxima, e só será de criticar se não respeitar os resultados. Mas não se pode negar que o Presidente Maduro tem legitimidade constitucional para convocar a Assembleia Constituinte. Claro que os venezuelanos (incluindo muitos chavistas críticos) podem legitimamente questionar a sua oportunidade, sobretudo tendo em mente que dispõem da Constituição de 1999, promovida pelo Presidente Chávez, e têm meios democráticos para manifestar esse questionamento no próximo domingo. Mas nada disso justifica o clima insurrecional que a oposição radicalizou nas últimas semanas e que tem por objetivo, não corrigir os erros da revolução bolivariana, mas sim pôr-lhe fim e impor as receitas neoliberais (como está a acontecer no Brasil e na Argentina), com tudo o que isso significará para as maiorias pobres da Venezuela. O que deve preocupar os democratas, embora tal não preocupe os media globais que já tomaram partido pela oposição, é o modo como estão a ser selecionados os candidatos. Se, como se suspeita, os aparelhos burocráticos do partido do governo sequestrarem o impulso participativo das classes populares, o objetivo da AC de ampliar democraticamente a força política da base social de apoio à revolução terá sido frustrado.
Para compreendermos por que provavelmente não haverá saída não violenta para a crise da Venezuela temos de saber o que está em causa no plano geoestratégico global. O que está em causa são as maiores reservas de petróleo do mundo existentes na Venezuela. Para os EUA, é crucial para o seu domínio global manter o controlo das reservas de petróleo do mundo. Qualquer país, por mais democrático, que tenha este recurso estratégico e não o torne acessível às multinacionais petrolíferas, na maioria, norte-americanas, põe-se na mira de uma intervenção imperial. A ameaça à segurança nacional, de que fala o Presidente dos EUA, não está sequer apenas no acesso ao petróleo, está sobretudo no facto de o comércio mundial do petróleo ser denominado em dólares, o verdadeiro núcleo do poder dos EUA, já que nenhum outro país tem o privilégio de imprimir as notas que bem entender sem isso afetar significativamente o seu valor monetário. Foi por esta razão que o Iraque foi invadido e o Médio Oriente e a Líbia arrasados (neste último caso, com a cumplicidade ativa da França de Sarkozy). Pela mesma razão, houve ingerência, hoje documentada, na crise brasileira, pois a exploração do petróleo do pré-sal estava nas mãos dos brasileiros. Pela mesma razão, o Irão voltou a estar em perigo. Pela mesma razão, a revolução bolivariana tem de cair sem ter tido a oportunidade de corrigir democraticamente os graves erros que os seus dirigentes cometeram nos últimos anos. Sem ingerência externa, estou seguro de que a Venezuela saberia encontrar uma solução não violenta e democrática. Infelizmente, o que está no terreno é usar todos os meios para virar os pobres contra o chavismo, a base social da revolução bolivariana e os que mais beneficiaram com ela. E, concomitantemente com isso, provocar uma ruptura nas Forças Armadas e um consequente golpe militar que deponha Maduro. A política externa da Europa (se de tal se pode falar) podia ser uma força moderadora se, entretanto, não tivesse perdido a alma.
O autor escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico
https://www.publico.pt/.../em-defesa-da-venezuela-1780518
DE BECCARIA A FOUCAULT: ASPECTOS POR DETRÁS DA SENTENÇA QUE CONDENA LULA À PRISÃO

Nathaly Conceição Munarini Otero
             Analisando a fundamentação da sentença sob a ótica beccariana e foucaultiana da punição, partindo-se das estruturas normativas punitivistas dos séculos passados, sobretudo do século XVI até meados do XVIII, é possível identificar uma pessoalidade muito significativa em relação à decisão do então magistrado Sérgio Moro no processo que condenou Lula à prisão. É sabido que a ânsia por punição em nosso país é uma característica muito presente no sistema penal, sobretudo acerca de casos envolvendo pessoas públicas. A mídia completa este cenário, fomentando a necessidade de ver na prisão todos aqueles que são acusados de algum crime, ainda que tudo indique que sejam inocentes.
               Neste sentido, no que tange à imparcialidade do juiz, demonstra-se imprescindível que o mesmo evite manter contato com a mídia a respeito dos temas concernentes nos processos que atua, por assim dizer, seria um acordo de cordialidade com a própria Justiça, muito antes que com as partes no processo envolvidas. Aos magistrados não cabe o direito “[...] de prender discricionariamente os cidadãos, de tirar a liberdade ao inimigo sob pretextos frívolos, e, por conseguinte de deixar livres os que eles protegem, mau grado todos os indícios do delito.” (BECCARIA, 2015, p.30)
                A sentença proferida pelo magistrado Sérgio Moro, num primeiro momento e como bem alegou à defesa de Luís Inácio Lula da Silva, é tendenciosa. Em sede de inquérito policial, a defesa de maneira muito clara e concisa, apresentou a exceção de suspeição, instituto presente no artigo 95 do Código de Processo Penal, que foi negada, também em fase recursal.
               O Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que julgou improcedente o pedido de suspeição, entendeu razoável o envolvimento do juiz frente à operação Lava Jato e que não quebrou a imparcialidade do magistrado a ampla cobertura jornalística nas investigações, manifestações de opinião pública do magistrado (favoráveis ou contrárias), estar em pesquisas eleitorais que não tenha anuído ou ter publicado artigo em revista cientifica a respeito da Operação Mãos Limpas na Itália.
               Sob o ponto de vista jurídico, há que se falar numa deficiência argumentativa, pois resta claro que o magistrado, por diversas vezes, discursou sobre a operação em questão, além de pousar para fotos ao lado de adversários políticos do réu Luiz Inácio Lula da Silva, bem como tornou-se uma celebridade, por assim dizer, em nosso país e internacionalmente.
               É impossível não questionar o liame entre a imparcialidade de uma autoridade que se submete a tais condutas, à uma intenção pessoal de expor um acusado, no qual trata-se do ex-presidente, em que na mesma proporção possui popularidade e é bem quisto pelo povo, principalmente os mais humildes, que sofrem de uma tremenda impopularidade e ódio na classe média e rica. É impossível não pensar na família e o constrangimento destes. É impossível não lembrar que em meio ao turbulento processo sempre entregue em primeira mão à Globo, a esposa de Lula, dona Marisa Letícia vem a falecer.  É inocente pensar que o princípio da imparcialidade do juiz fora respeitado nas linhas de uma sentença judicial baseada em convicções e, nas suas entrelinhas, pautada num intenso clamor social. E é justamente sobre este clamor social o segundo ponto a ser tratado aqui.
                Na análise foucaultiana da punição, o clamor do povo, é por si só, muitas e muitas vezes a sentença antecipada de uma conduta supostamente delituosa. Por assim dizer, o povo decide antes se o acusado é culpado ou não. Aliás, o estigma que um acusado carrega, ultrapassa até mesmo uma sentença absolutória, ele é a marca eterna de uma culpa projetada por uma plateia de espectadores que julgam com o juiz. O Brasil e o mundo já sabiam a sentença de Moro, antes mesmo de ser prolatada. Não por estar repleta de provas, mas no cotidiano da vida o próprio juiz deixava escapar seu animus nas capas das revistas, manchetes e jornais, rádios, entrevistas e até como lidava com a fama, mesmo sendo um juiz e, não, um ator Global.
                  Tratando-se da punição de uma sentença à época de um sistema penal arcaico, o suplício das masmorras do século XVI era uma tortura corporal ao apenado, na qual o sofrimento por este supostamente causado a outrem, era reproduzido em seu corpo, às vistas do público. Nos rituais de suplícios, a presença do povo é requisito imprescindível. Suplício secreto, não é suplício. É preciso envolver o povo, ainda que ele pouco entenda das leis e do crime. “Procurava-se dar o exemplo não só suscitando a consciência de que a menor infração corria sério risco de punição; mas provocando um efeito de terror pelo espetáculo do poder tripudiando sobre o culpado.” (FOUCAULT, 2013, p.56).
                Passados os séculos, no presente caso podemos perceber a inquietação jurídica pautada por intenções pessoais de um magistrado parcial, na qual o suplício dá lugar a um julgamento midiático. Da apresentação da denúncia processual feita numa coletiva aberta à mídia, num hotel e com o apoio de um Power-Point ilustrado à sua sentença sendo divulgada à imprensa de forma mais célere que para o advogado da parte mostra que há algo diferente neste julgamento. Quando Lula alega perseguição e parcialidade, há uma enxurrada de argumento de que o mesmo não está acima da lei e que deve ser julgado como qualquer brasileiro, mas da celeridade à forma como o processo é apresentado à sociedade é totalmente diferente dos processos que envolvem quaisquer brasileiros. Quem dera se o judiciário fosse tão célere como os processos que trazem Luiz Inácio Lula da Silva.
              Quais às intenções em expor um réu, que apesar dos pesares, tem um amplo apoio popular? Há uma certa obscuridade quando pensamos em como certas conversas grampeadas entre Lula e seus familiares, advogados e companheiros foram divulgadas sem quaisquer respaldos jurídicos, sem falar em uma coação coercitiva assinada por um juiz na qual já havia sido informado que o réu se demonstrava solícito quanto à seus depoimentos.
              A mídia utilizada para corromper um processo é o que nos causa maior espanto. A lógica da punição amparada por uma comoção social que é alimentada por inverdades, faz parte do cenário penal há séculos. Junto ao sentenciante terá uma carga elevada de moralidade pública. “Assim que o crime for cometido, e sem perda de tempo, virá a punição, traduzindo em ações o discurso da lei e mostrando que o Código, que liga as ideias, liga também as realidades. A junção imediata no texto, deve sê-lo nos atos." (FOULCAULT, 2013, p. 106)
              Expor um acusado para que seja julgado pelo povo é uma lógica perversa que perpetua há séculos no sistema penal mundial. O interrogatório, é se não, um meio de escrachar o ser humano, muito mais do que obter verdades honrosas assinadas a termo. As audiências televisionadas que envolviam Lula e suas testemunhas, eram também dias de julgamentos em todo o Brasil. Na república que guarda como fundamento a dignidade da pessoa humana é preciso ter redobrado cuidado com o interrogatório. É um meio difícil de se aproximar do conhecimento da verdade “[...] por isso os juízes não devem recorrer a ela sem refletir. Nada é mais equívoco. Há culpados que têm firmeza suficiente para esconder um crime verdadeiro...; e outros, inocentes, a quem a força dos tormentos dez confessar crimes que não eram culpados. (FOULCAULT, 2013, p. 41).
               A masmorra moderna corre o risco de se repetir por meio da opinião pública. Conjugada por um só verbo: punir. Sem antes averiguar-se, sem antes ouvir. E ainda que o devido processo legal seja respeitado, a ânsia por condenar é o que movimenta parte dos poderes tomados por vinganças políticas. “O clamor público, a fuga, as confissões particulares, o depoimento de um cúmplice do crime, as ameaças que o acusado pode fazer, seu ódio inveterado ao ofendido, um corpo de delito existente, e outras presunções semelhantes, bastam para permitir a prisão de um cidadão. Tais indícios devem, porém, ser especificados de maneira estável pela lei, e não pelo juiz, cujas sentenças se tornam um atentado à liberdade pública quando não são simplesmente a aplicação particular de uma máxima geral emanada do código de leis.” (BECCARIA, 2015, p.31)
             A sentença, desprovida de argumentação sólida e como já falado anteriormente, recheada de convicção, é um documento que empurra mais um ser humano à punição injusta. Indo ao encontro das alegações finais, resta claro que Lula é vítima de uma perseguição política numa "guerra jurídica" ou de “lawfare", "com apoio de parcela expressiva da mídia, bem como, uma gama de direitos individuais, foram violados, por meio de uma devassa na  vida privada dele e de seus familiares.
            Em uma das capas da revista Isto é, fora colocado o Juiz Sérgio Moro em posição de adversário, “lutando” contra Lula[1]. Isso demonstra o parágrafo da defesa, de modo que, uma revista amplamente assinada no Brasil, teve total liberdade de colocar um magistrado como opositor de um réu. Para além do baixo comprometimento da mídia com a democracia, o que assusta é um juiz de primeira instância que ao julgar um ex-presidente, sabendo que sua decisão pode interferir drasticamente no cenário político do país, não toma as medidas cabíveis para evitar que sua imagem seja amplamente divulgada para, nitidamente, prejudicar o réu.
          Pergunta-se, quando um juiz pode tornar-se parte de um processo? Opinar sobre ele em canais e em redes sociais, palestrar, ainda que indiretamente, sobre uma operação tão complexa? Qual o ponto de conexão entre a parcialidade de uma autoridade, a opinião pública e uma condenação já esperada por boa parte da população?
          Na dita sentença, o presente juiz Sérgio Moro guarda parte dela para se defender das imputações da conduta de compactuar diversas vezes com a imprensa: “Em ambiente de liberdade de expressão, cabe à imprensa noticiar livremente os fatos. O sucessivo noticiário negativo em relação a determinados políticos, não somente em relação ao ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, parece, em regra, ser mais o reflexo do cumprimento pela imprensa do seu dever de noticiar os fatos do que alguma espécie de perseguição política a quem quer que seja. Não há qualquer dúvida de que deve-se tirar a política das páginas policiais, mas isso se resolve tirando o crime da política e não a liberdade da imprensa.” Este é o entendimento dele que contraria a imparcialidade posta na constituição. Como um juiz pode defender uma imprensa em um processo crime tão relevante, na qual um dos réus foi escrachado por esta mesma imprensa?
          Reflexões como estas norteiam o sistema punitivista há vários séculos. O julgamento de uma conduta, muitas vezes tem mais a dizer sobre o julgador, do que sobre o julgado. “O poder levou os juízes a julgar coisa bem diversa do que crimes: foram levados em suas sentenças a fazer coisa diferente de julgar; e o poder de julgar foi, em parte, transferido a instâncias que não são as dos juízes da infração.”(FOCAULT, 2013, p.25)
         A tríade punitiva amplamente instalada em um processo baseado em convicções, opiniões políticas e perseguições. Não é só um ser humano que perde a oportunidade de um julgamento justo, é a Justiça, que sendo obstruída do seu caminho natural de equidade acima de tudo, é colocada a postos de anseios pessoais e ardilosos.
         É na lógica beccariana de Justiça, que fica claro entender um sistema criminal injusto e covarde. A jurisprudência criminal tem afastado da ideia de justiça e aproximado da força e do poder. Como se nela residisse a solução do problema criminal. O suplício é a prisão que detém o acusado. “[...] é porque, finalmente, as forças que defendem externamente o trono e os direitos da nação estão separadas das que mantêm as leis no interior, quando deveriam estar estreitamente unidas. (BECCARIA 2015, p.31).”
         Quem perde é a Justiça. E quem ganha?


[1] FERREIRA, Wilson. A construção do super-herói amoral nas capas de “Veja” e “IstoÉ”. Disponível em: Acessado em: 29/07/2017

https://www.brasil247.com/pt/247/brasil/308980/Advogada-analisa-senten%C3%A7a-de-Moro-contra-Lula.htm

sábado, 15 de julho de 2017

Aragão a Moro: enchimento de linguiça não disfarça a falta de provas

Não fosse trágica, a sentença de Moro seria uma piada, de tão tosca

Quid iam agunt pueri? Por que agiram assim, meninos?


Eugênio José Guilherme de Aragão
É de obscura proveniência medieval o provérbio "sunt pueri pueri – pueri puerilia tractant". A aparente tautologia poderia ser traduzida por "sois meninos, seus meninos! e meninos fazem meninices!".
Outra frase, esta de Virgílio, que, neste dramático momento nacional me vem à mente é "quid legitis flores et humi nascentia fraga, frigidus, O puer fugite hinc, latet anguis in herba" (Éclogas III 93), com o sentido de - fujam, meninos pastores que colhem flores e morangos ao solo, (pois) a serpente se esconde debaixo da relva.
Ao tempo em que Moro se festeja com falsa modéstia em sua mais que previsível sentença condenatória contra Lula, propaga-se que os norte-americanos realizam manobras militares na Amazônia com os exércitos do Brasil, da Colômbia e do Peru, a tríplice aliança subcontinental da reação ao progresso, à altivez e à independência dos povos latino-americanos.
Moro, o embevecido juiz que gasta quase uma centena de páginas na sentença para se justificar e atacar a defesa que legitimamente apontou para sua suspeição ao longo de todo o processo, se comporta como o menino com suas meninices. E a serpente que o colocou lá onde está nos vigia para dar o bote final. No rastro dessa toada, já destruiu estratégicos ativos nacionais, como a indústria da construção civil e o setor pecuário. Tudo em nome de um fetichista combate seletivo à corrupção que virou fixação coletiva.
Não fosse tão trágica no momento que o Brasil do golpe vive, a sentença de Moro seria uma piada, de tão tosca. Mal instaurada a instância, ninguém tinha dúvida que o brioso magistrado pretendia construir seu currículo com a condenação do ex-presidente, ao passo que socializava abertamente com a oposição mais feroz aos governos do PT das últimas duas décadas. A foto do juiz em bem-humorada confraternização com Aécio Neves, às costas de Temer, é muito eloquente. Está ali, Moro, com toda a simpatia que contrasta com a agressividade no trato coma defesa de Lula. Um juiz no speak easy com um político de quinta categoria, acusado, com indícios mui robustos, de desvio de recursos públicos, de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa. O interlocutor risonho não é ninguém menos do que o derrotado candidato a presidente da república, que, por não assimilar sua derrota, jogou a democracia brasileira na sua pior crise desde a reinstalação do governo civil em 1985. Mas Moro mostra com suas gargalhadas que aprova integralmente o golpe dado pelas instituições deformadas do país. É visível sua ternura para com aquele que foi o estopim da derrocada dos governos populares de que Lula foi seu maior protagonista.
À sentença. Li e reli relatório e qual não foi minha surpresa ao não detectar em nenhum de seus parágrafos enumerados com meticulosidade burocrática qualquer referência às testemunhas da defesa. Já a indicação dos testemunhos de acusação mereceu cuidadosa indexação. Vou para a fundamentação. Páginas mais páginas de autodefesa do brioso juiz de piso. Ao réu, palavras de ressentimento por ter exercido em toda extensão possível seu direito de defesa. Digo "possível" porque os defensores tiveram que fazer uma dantesca viagem ao inferno para garantir a ampla defesa. O juiz tentou negociar a diminuição de suas testemunhas em troca do direito processual a prazos de manifestação. Disse que ouvir as testemunhas arroladas em número menor até do que permitido pela lei era uma manobra protelatória. Na única oportunidade em que esteve frente à frente com Lula, o corajoso magistrado fez trancar toda a redondeza da sede da justiça federal com uso de desproporcional aparato policial. E, quando o réu fazia uso da palavra em sua autodefesa, Moro foi o interrompendo, mostrando impaciência e até profunda antipatia por aquele que foi o maior estadista do Brasil no período republicano, comparável só mesmo com personagens do porte de Getúlio Vargas.
Moro, o pequeno burocrata judicial, se pretendia, porém, maior. Violando a regra do procedimento acusatório, preferiu fazer perguntas ao réu gigante, antes do representante do Ministério Público, que permaneceu calado, cúmplice da farsa que ali se encenava. Aliás, o representante era um backbencher da Lava-Jato, já que o palestrante pio Dallagnol preferiu não dar as caras, certamente com medo de ser destruído no duelo retórico com Lula.
As perguntas de Moro versaram sobre o sabor do pomo proibido degustado por Adão e Eva no Paraíso. Interpelado pela defesa, insistia na relevância do aspecto "circunstancial" do pecado original. Via-se como o próprio arcanjo que expulsava o casalzinho desnudo do Éden, com sua espada flamejante. Foram tantas perguntas fora do lugar - obscenas no sentido próprio - que já indicavam a intenção do julgador de condenar o réu por protagonizar um enredo midiatizado – o sempre lembrado “conjunto da obra” – sem qualquer objetividade e base probatória. O tal triplex do Guarujá, verdadeiro motivo da contenda, era o que menos vinha ao caso.
Moro nunca escondeu sua profunda aversão a Lula. Tornou criminosamente pública gravação de conversa telefônica do réu com a Presidenta Dilma Rousseff, interceptada ilicitamente. Fê-lo somente com intuito de destruir reputações e interferir no processo político que inaugurava o golpe parlamentar liderado pelo hoje condenado e encarcerado Eduardo Cunha. Este, em incipiente delação recente, parece querer informar sobre toda a trama do impedimento da chefe de estado, que contou com inegável apoio do brioso juiz.
Este é o Moro que condena Lula. O festejado Moro, que, a despeito de ter logrado exclusividade para o trato com os processos da Lava-Jato, supostamente porque lhe faltava tempo para lidar com outras causas da competência legal de sua vara, encontra ócio suficiente para rodar o mundo com digressões públicas sobre os feitos sob sua responsabilidade.
Mas, voltemos à sentença. Mesmo com esforçado enchimento de linguiça, o juiz de piso não consegue disfarçar a falta de prova para demonstrar o que interessa: ser ou não ser Lula proprietário, oculto dono ou promitente comprador do triplex. Só o coitado do Léo Pinheiro, em sua delação sem qualquer valor de evidência, foi, depois de meses no cárcere, obrigado a apontar para Lula como o beneficiário de um suposto esquema de suborno, não sem antes avisar que não tinha provas da acusação, porque o réu lhe teria feito destrui-las. Ninguém mais confirma essa tese esdrúxula. O fato é que o tal imóvel nunca pertenceu a Lula.
In der Kürze liegt die Würze, dizem os alemães. Na brevidade está o sabor. Em outras palavras, quem precisa de mais de duzentas paginas para explicar e julgar tão singela acusação não pode ter razão. Tudo não passa de conversa para boi dormir, para impressionar o público leigo, que adora uma novelinha das oito. Mas nada disso impressiona juristas sérios.
Ao final, temos que Lula foi condenado PORQUE não havia provas contra ele. Mais kafkiano impossível. Supôs o juiz que o réu é um caráter deformado, capaz de ocultar a propriedade de um imóvel, sem deixar qualquer vestígio dessa propriedade. Só rindo mesmo, se esse modo de agir não fosse tão desastroso para a credibilidade das instituições do país.
Mas nos resta a esperança de acreditar que ainda existem juízes em Porto Alegre. Para recuperar a moral da prestação jurisdicional e redimir o Brasil das tramas estratégicas globais dos inimigos de sua independência, de certo saberão apontar para as gritantes teratologias da sentença e não deixarão sua razão ser ofuscada pelo ódio político que tomou conta do país. Só assim os desembargadores conseguirão dar sua imprescindível contribuição à normalização institucional e à sobrevivência da democracia entre nós. Quanto aos meninos de Curitiba, se seu objetivo for apenas tornar Lula inelegível em 2018, não passarão!
https://www.conversaafiada.com.br/brasil/aragao-a-moro-enchimento-de-linguica-nao-disfarca-a-falta-de-provas

quarta-feira, 12 de julho de 2017

Sérgio Moro, perdeu, playboy!, por Luis Nassif

Até que ponto, na era da informação, uma decisão ilegítima tem condições políticas de se perpetuar?
Nos últimos meses começou um questionamento maior dos métodos da Lava Jato. Mesmo pelo filtro parcial, tosco, manipulador da mídia, ficou claro, para os leitores mais antenados, a diferença entre acusações meramente declaratórias e a apresentação de provas concretas.
Até em manifestações do Ministério Público Federal já há a admissão do óbvio: o delator fala o que o procurador ou juiz quer ouvir; por isso a delação só poderá ter valor se acompanhada de provas. Simples assim.
Em outros tempos, grandes injustiças históricas levavam anos, até décadas, para serem reparadas. As notícias caminhavam lentamente, a única alternativa às blindagens do sistema eram livros de baixa circulação, depoimentos pessoais, panfletos e jornais menores, que não influíam nos grandes circuitos de informação.
Hoje em dia, o jogo é outro. As mídias sociais vieram para ficar.
O mercado de opinião é constituído por um primeiro círculo, dos formuladores de opinião. Depois, um segundo circuito, dos disseminadores, outros formadores. Daí transborda para o terceiro círculo, das chamadas celebridades, com capacidade de massificação da opinião.
Essa cadeia de disseminação de opinião era monopólio dos grupos de mídia. Hoje em dia, não mais. No primeiro círculo, há um número crescente de jornalistas experientes entrando na guerra das redes sociais. Depois, um segundo círculo de blogueiros, comunicadores sociais, amplificando a opinião. Finalmente, o círculo das celebridades, cada qual com seu perfil no Twitter e no Facebook, cortando definitivamente o cordão umbilical em relação aos grupos de mídia.
Existe a disputa polarizada ideológica. E um  campo de mediação cada vez maior, composto por essas celebridades e subcelebridades, ocupando um espaço que, em tempos mais democráticos, a própria mídia tratava de suprir, com uma diversidade maior de opinião.
E, nesse círculo, não há a menor dúvida sobre a manipulação do julgamento de Lula.
Como esconder debaixo do tapete esse lixo jurídico, se o cantor com 3 milhões de seguidores, o ator com 5 milhões, divulga o contraponto? A presença do roqueiro ultra-direita e congêneres não compromete o meio campo. O meio campo é isso mesmo, a capacidade de captar tendências diversas e de compor uma massa crítica em favor de determinadas teses.
O tempo excessivamente longo, o uso excessivo de factoides, o trabalho pertinaz de um advogado detalhista, Cristiano Martins, desmontaram a arquitetura montada para a Lava Jato. Cada vez mais ficam nítidos os instrumentos de manipulação das sentenças, a diferença entre a delação induzida e a prova concreta.
Cada vez mais há vazamentos nos jornais, da parte de celebridades de diversos calibres, de colunistas de áreas diversas testando limites estreitos de opinião, desmascarando o jogo de cena dos tribunais de exceção da Lava Jato.
Em um país em que as absurdos são renovados diariamente, embora esperada, a sentença de Sérgio Moro é indecente, humilhante. Sua declaração inoportuna, de que não sentiu “satisfação pessoal” tem a mesma sinceridade de Jack, o Estripador, chorando em cima das vísceras da sua última vítima.
Mas o tempo dirá que você perdeu, playboy!

http://jornalggn.com.br/luisnassif