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terça-feira, 19 de março de 2019

As milícias crescem velozmente por dentro do Estado. Entrevista especial com José Cláudio Alves

Por: Patricia Facchin
prisão dos dois acusados de estarem envolvidos no assassinato da vereadora Marielle Franco e seu motorista, Anderson Gomes, “é a exceção de uma regra”, diz o sociólogo José Cláudio Alves à IHU On-Line. “A regra é que membros de milícias são intocáveis, seus negócios se ampliam e eles têm dimensões crescentes desse poder e agora expressam isso a partir do assassinato de pessoas que ocupam cargos no âmbito político e que são contrárias aos seus interesses”, menciona.
Na entrevista a seguir, concedida por WhatsApp, Alves frisa que “a estrutura política e econômica das milícias no Rio de Janeiro hoje começa a ganhar vários outros contornos, que não eram perceptíveis e que agora se manifestam”. Entre eles, o sociólogo cita a atuação da milícia na construção do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro – Comperj em Itaboraí. “Várias empresas terceirizadas estão atuando na construção da obra e a milícia está controlando quem vai trabalhar nessas empresas. Isso já é um passo à frente em relação à atuação das milícias anteriormente: a milícia detecta onde o capital está se manifestando — nesse caso é um capital público em parceria com empresas privadas — e, ao ficar a par da situação, manipula essa informação e passa a controlar de forma violenta o acesso a esse emprego, cobrando taxas e valores das pessoas que querem trabalhar nessas empresas. Assim esses empregados terão que repassar parte dos seus salários para os milicianos. Essa é uma novidade nesse campo no Rio de Janeiro”, informa.
Outra novidade no Rio de Janeiro é a atuação da milícia marinha, que, segundo Alves, atua a partir de informações de que o Ministério da Pesca e Aquicultura não está fornecendo licenças para pescadores. “Essa milícia aborda os pescadores no mar, quando eles estão pescando, exige a licença que o pescador não tem e passa a exigir valores semanais para permitir que o pescador possa continuar pescando. Então, surgiu na costa do Rio de Janeiro essa milícia marítima que passa a controlar os pescadores”, denuncia.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Que avaliação o senhor faz da investigação do assassinato de Marielle e Anderson Gomes, ao longo do último ano, que culminou com a prisão de dois suspeitos de estarem envolvidos com o crime?
José Cláudio Alves – A minha avaliação em relação às apurações e investigação da polícia no caso Marielle é que elas foram muito lentas. Essa demora acaba acarretando uma série de complicações para saber se, de fato, esses são os responsáveis. A princípio parece que os dois presos foram os responsáveis, mas a pergunta que fazemos é quantas pessoas estavam envolvidas nisso e quem são os mandantes envolvidos nesse crime. Muitas questões ficaram soltas e ao longo do tempo elas não foram investigadas nem apuradas, o que gera consequências, como a morosidade da investigação, a dificuldade de ela prosseguir, de averiguar quantos outros suspeitos poderiam ser identificados no processo mas não serão. Paira a dúvida sobre se de fato não haveria indícios mais contundentes e próximos a grupos políticos que hoje ocupam espaço no âmbito federal, se não haveria ligações mais profundas, mas que com a demora da investigação acabam sendo perdidas e apagadas.
Essa demora toda nos faz refletir, mas a prisão dos suspeitos é algo importante e acaba, de outro lado, amortecendo a busca de explicações, acaba sendo uma espécie de cala boca e subterfúgio, e também acaba sendo um alívio para esse sofrimento todo, mas não vejo o processo como algo conclusivo.
IHU On-Line – As notícias divulgadas na imprensa dizem que as investigações do caso Marielle chegaram até o chamado Escritório do Crime, um poderoso grupo miliciano de Rio das Pedras que atua sob encomenda. O senhor tem informações sobre esse grupo?
José Cláudio Alves – Não tenho detalhes sobre como o Escritório do Crime atua. Sei que Rio das Pedras é uma favela histórica, muito grande, de imigração de nordestinos, que está na área da zona Oeste do Rio de Janeiro, onde a milícia tem uma presença extremamente forte. Essa é uma das áreas mais antigas, que está na base da formação das milícias no Rio de Janeiro. As milícias dessa região têm uma forma muito peculiar de atuação no campo da venda de terrenos. Na zona Oeste existe a presença muito grande de um tipo de solo chamado turfa, que é um solo inadequado para a construção de casas porque é muito movediço e não permite a estrutura de alicerce das construções. Por conta disso, há um controle naquela região das áreas em que é possível construir, ou seja, há um limite e uma faixa específica para a compra de terrenos e construção de casas. Esse processo é controlado pela milícia, que tem informações privilegiadas, as quais são obtidas dentro do Estado, já que são os agentes do Estado que circulam nesse âmbito. Esse é um mercado que se expandiu muito naquela região, porque trata-se de uma área onde há muita procura por moradia, porque ela é vinculada a processos migratórios, principalmente de nordestinos.
Os comerciantes daquela região iniciaram o processo de financiamento das milícias para impedir que o tráfico de drogas acessasse aquela comunidade. Logo, aquela é uma área onde a atuação da milícia é muito consolidada e movimenta muitos recursos. A busca por um dos envolvidos no Escritório do CrimeAdriano de Nóbrega, revelou que a mãe e a esposa dele trabalharam como assessoras de Flávio Bolsonaro enquanto ele era deputado estadual no Rio de Janeiro. O próprio Flávio também fez várias comendas de homenagens à atuação de milicianos no estado do Rio de Janeiro. Então, há uma vinculação forte dessa milícia com a estrutura do poder político dos Bolsonaros. Tudo indica isso, haja vista a situação da esposa e da mãe do Adriano de Nóbrega, o qual parece ser uma das lideranças do Escritório do Crime.
Desde o início eu sabia que havia o “dedo da milícia” e a prática típica de execução primária de grupos de extermínio, e que isso levaria aos negócios e aos interesses econômicos de políticos que a milícia estabelece a partir daquela região, mas numa rede que é muito maior do que Rio das Pedras. Então, toda essa rede pode ter algum grau de envolvimento no assassinato de Marielle, na sua organização, na sua proteção e no seu financiamento. Demorou um ano para se dar um retorno muito pífio desse caso, que foi a prisão de duas pessoas. Essa é uma estrutura muito mais ampla e com muito mais relações, uma rede muito maior que deveria ser revelada e apresentada nesse quadro.
IHU On-Line – O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, disse que os presos pela morte de Marielle e Anderson Gomes serão convidados a fazer delação premiada na nova fase da investigação, que quer chegar aos mandantes do crime. Nos últimos anos há uma série de debates jurídicos e políticos acerca da necessidade ou não da delação premiada na investigação de crimes. Como o senhor avalia esse tipo de medida para este caso específico para se chegar aos mandantes do crime?
José Cláudio Alves – Não tenho uma reflexão muito consolidada sobre o estatuto da delação premiada. O que me impressiona é que existe uma dimensão organizada do crime a partir do Estado e, portanto, parece que facilmente seria possível ter acesso ao que esses grupos fazem, como atuam de forma organizada dentro do Estado, mas o que se vê é que os que investigam e buscam a justiça estão numa ratoeira, como se tivessem que se esconder desses grupos. Ou seja, não se tem uma atuação clara, consistente e firme da conduta das investigações, e aí se buscam subterfúgios, como delações premiadas. Me impressiona muito o poder que esses grupos têm e a fragilidade da estrutura do judiciário frente a esse poder, a ponto de ele próprio se ver encurralado, em busca de delações premiadas para algo que é escancarado, que está nas ruas.
Alega-se que é preciso ter uma delação premiada para poder avançar na investigação e isso virou uma possibilidade. Se os efeitos disso fossem reais e trouxessem à baila toda essa rede e fizessem uma atuação em rede a ponto de dar um baque significativo nessa estrutura e restringi-la… mas até agora não vi nada disso acontecer. Pelo contrário, cada baque que essa estrutura sofre é pequeno, o que permite a sua rápida recomposição muito facilmente.
IHU On-Line – Qual é o poder político das milícias que atuam no Rio de Janeiro hoje? Quem faz parte dessa estrutura?
José Cláudio Alves – O braço político tem se ampliado desde as últimas eleições no campo federal, principalmente, e estadual, com a eleição, se não de milicianos diretamente eleitos, de bancadas de partidos de ultradireitapartidos conservadores e partidos vinculados a uma lógica fundamentalista religiosa, permitindo a eleição de uma bancada fundamentalista, conservadora e voltada para a lógica de que “bandido bom é bandido morto”. Nesse sentido, a bancada da bala se ampliou muito no Rio de Janeiro, projetando figuras simplesmente insignificantes, ignoradas pela população daqueles que atuavam politicamente, que vieram numa onda extremamente conservadoraprojetadas por esse discurso do aumento da violência, aumento da execução sumária, da prática da eliminação do outro, da lógica do desarmamento, e tudo isso tem ampliado o poder político desses grupos.
Isso é visível no Rio de Janeiro, e os reflexos já estão sendo vistos pelo aumento do número de operações policiais com chacinas, com mortes de pessoas, o aumento de desaparecidos forçados. E o mais preocupante são as subnotificações: não está ocorrendo registro de homicídios e desaparecidos; eles não estão sendo registrados por conta da lógica do medo associada à lógica da violência crescente da instituição Estado e do aparato policial. Isso tem um efeito de repressão a todo e qualquer registro de atos violentos e perdas de direitos. A tendência é esse cenário piorar e fortalecer ainda mais esses grupos em termos políticos naquela região. Tenho dito que cinco décadas de grupos de extermínio se reverteram em 70 a 75% da votação que Bolsonaro e a extrema direita que se associou a ele obtiveram na última eleição na Baixada. Isso não é uma surpresa; foi algo construído ao longo das últimas cinco décadas, se contarmos tudo que aconteceu desde a ditadura empresarial militar no Brasil. É sob essa égide que vivemos ainda.

Atuação das milícias

estrutura política e econômica das milícias no Rio de Janeiro hoje começa a ganhar vários outros contornos, que não eram perceptíveis e que agora se manifestam. Vou dar alguns exemplos. Um deles é em Itaboraí, uma cidade metropolitana do Rio de Janeiro, onde está sendo construído o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro – Comperj, cujas obras do governo federal estavam paradas e foram retomadas recentemente. Várias empresas terceirizadas estão atuando na construção da obra e a milícia está controlando quem vai trabalhar nessas empresas. Isso já é um passo à frente em relação à atuação das milícias anteriormente: a milícia detecta onde o capital está se manifestando — nesse caso é um capital público em parceria com empresas privadas — e, ao ficar a par da situação, manipula essa informação e passa a controlar de forma violenta o acesso a esse emprego, cobrando taxas e valores das pessoas que querem trabalhar nessas empresas. Assim esses empregados terão que repassar parte dos seus salários para os milicianos. Essa é uma novidade nesse campo no Rio de Janeiro.
Outra novidade é a milícia marítima, que atua a partir de informações de que o Ministério da Pesca e Aquicultura não está fornecendo licenças para pescadores há três anos ou mais. Essa milícia aborda os pescadores no mar, quando eles estão pescando, exige a licença que o pescador não tem e passa a exigir valores semanais para permitir que o pescador possa continuar pescando. Então, surgiu na costa do Rio de Janeiro essa milícia marítima que passa a controlar os pescadores.
Uma terceira forma de ampliação das milícias é o controle de serviços médicos nos hospitais públicos no Rio de Janeiro. Escutei que no Hospital Geral de Bom Sucesso, um hospital federal, a milícia controla quem acessa e quem tem direito aos serviços do hospital e cobra taxas por isso. Então, isso também é uma inovação. A venda de drogas também passou a ser utilizada pela milícia como uma forma de trabalho e atuação. A milícia não só aluga pontos de drogas para facções do tráfico, mas agora faz a própria venda da droga. Então, o leque de atuação das milícias se amplia e todo esse leque de atuação tem seu braço político.
IHU On-Line – Qual é a relação das milícias com o Estado?
José Cláudio Alves – A relação das milícias com o Estado é determinante para o que ela se transformou nos dias de hoje, uma estrutura de poder absoluta, ampla, autoritária, expressiva e crescente no Rio de Janeiro. Tenho dito que a milícia atua com duas faces que são determinantes: a legal e a ilegal.
face legal da milícia é a condição de ter acesso a informações privilegiadas do Estado a respeito de terras, propriedades, monopólios de comércios, pagamentos de impostos, sobre operações policiais que blindam a milícia de prisões; tudo isso faz parte da dimensão legal. Também faz parte dessa dimensão o fato de a polícia operar o judiciário na sua ponta com investigações, repressões, ou seja, o processo jurídico inicial envolvido na dimensão do judiciário é controlado pela polícia e seus agentes e isso dá mais poder aos milicianos.
face ilegal, que é a face criminosa, assassina, torturadora, totalitária, obstrui qualquer tipo de contestação do seu poder que mata e executa quem se contrapõe a ela. A milícia só tem esse poder todo graças à dimensão legal das informações e dos postos que esses agentes ocupam dentro do Estado.
Assim, a face legal e a ilegal se complementam e se projetam uma na outra, criando uma estrutura totalitária, fechada, blindada, intocável. A prisão desses dois acusados é a exceção de uma regra. A regra é que membros de milícias são intocáveis, seus negócios se ampliam e eles têm dimensões crescentes desse poder e agora expressam isso a partir do assassinato de pessoas que ocupam cargos no âmbito político e que são contrárias aos seus interesses.
A meu ver a milícia tem dimensões mais poderosas e mais amplas do que eu poderia ter imaginado há algum tempo. As milícias crescem velozmente por dentro do Estado e se beneficiam dessa dupla face da mesma moeda, a face legal e a ilegal. O ilegal é o Estado. Por mais que o Estado se reconheça como legal e trabalhe com essa concepção para todos nós, o determinante aqui é a dimensão ilegal, que ultrapassa a dimensão do legal, ampliando os poderes do Estado e dando a ele uma face cada vez mais totalitária, absoluta, irresistível, incontornável e capaz de controlar massas e espaços geográficos ao longo do tempo, de uma forma como nós vivemos hoje. Essa face ilegal amplia o poder do Estado, não restringe o seu poder. Não é o anti-Estado, o poder paralelo, mas sim a presença multidimensional de um Estado autoritáriototalitário e ditatorial. Nós nunca saímos da ditadura; saímos da ditadura oficial para a ditadura dos grupos de extermínio e milícias, que é a forma que opera hoje nessas regiões e no Rio de Janeiro. Essa estrutura submete todos nós a esse controle e poder da tortura e da execução sumária.
IHU On-Line – Como o senhor avalia o pacote anticrime encaminhado à Câmara pelo novo governo, que aposta em três vias: combate a crimes de corrupção, combate ao tráfico de drogas e combate a crimes de violência?
José Cláudio Alves – O pacote do Moro vai na contramão de toda a minha avaliação e de tudo que venho falando ao longo dos anos. O pacote anticrime se insere na lógica totalitária, ditatorial e autoritária da estrutura policial, que é a base de alimentação do crime organizado expresso na milícia. Moro, ao defender os princípios do próprio Bolsonaro, como o excludente de ilicitude, alega que o agente de segurança, numa condição de estresse e sem controle do ambiente e do momento em que está atuando, permite a ele o uso da violência letal, do assassinato e homicídio como forma de solução daquelas questões, eximindo aquele policial de responsabilidade.
Na verdade, isso era tudo que esses grupos apoiadores dessa estrutura política ideológica da extrema direitaqueriam. Eles não vão mais precisar colocar capuz para matar; vão matar como milicianos. Agora, eles podem matar de cara limpa e vão dizer que estavam no cumprimento do seu dever, sob forte tensão. Trata-se da ampliação e explosão de um processo que já está em crescimento e expansão. É isso que nos assusta, porque irá gerar dimensões mais graves e desrespeitosas dos direitos da população. Esse pacote também aumenta a punitividade, amplia a dimensão de encarceramento, amplia as penas, o que é uma grande ilusão, porque é na dimensão penitenciária que se dá a organização dessas grandes facções.
Encarcerar e prender não vai resolver o problema. Pelo contrário, hoje as facções operam pelo sistema penitenciário. É preciso fazer o contrário: desmontar essas estruturas, esvaziá-las e tratar as drogas não como problema de polícia, mas de saúde e de educação. É preciso desmilitarizar a polícia para que o policial dialogue com a população e construa uma lógica política de proteção, para que o policial não seja o agente que mais mata e que mais morre. Então, é preciso reformular a estrutura e não reforçá-la e ampliá-la. De outro lado, é preciso investir em políticas públicas que possam proteger essa população mais frágil. Não vemos isso. Vemos a perda e a destruição dos direitos dos trabalhadores. Esse pacote do Moro avança no caminho inverso do que deveria ser. Esses grupos vão se fortalecer mais ainda com essas medidas.
IHU On-Line – Como o senhor avalia o fato do caso Marielle ter ocupado outros espaços, chegando até mesmo ao Carnaval?
José Cláudio Alves – O fato de Bolsonaro ter postado imagens quase pornográficas, se referindo ao carnaval nessas dimensões, comprovam o efeito que o carnaval trouxe para o país inteiro em termos da crítica, da afronta, da insubordinação e da resistência a essa dimensão da extrema direita no poder. Bolsonaro expressa isso tentando fazer do carnaval o mesmo discurso de mentira, de dissimulação e destruição que ele fez na época da campanha eleitoral do ano passado, como ele fez com a campanha que as mulheres iniciaram do #EleNão. Ali foi feita a mesma estratégia: foram montadas fake news com imagens de mulheres nuas e em situações diferenciadas em relação à tradição moral e familiar que esses grupos defendem, para desqualificar as manifestações. Até que ponto ele vai conseguir resultados, mantendo essa estratégia? A impressão que dá é que ele está se lixando para o que a sociedade faz; ele não quer governar. Ele quer dilapidar, quer destruir, assassinar e investir em dimensões conservadoras, em perdas de direitos, em redução do papel da mulher na sociedade, na diminuição de direitos de gays, lésbicas, travestis, quer aprofundar a dimensão do racismo contra as populações negras e indígenas. Ele é uma bomba de hidrogênio de efeito devastador que elimina as divergências e oposições. Ele é a expressão disso.
Enfim, temos a milícia no poder. Ela chegou a se consolidar numa dimensão municipal, estadual e federal, numa dimensão mais crescente. É esse meu diagnóstico. Essa dimensão do que ocorre no carnaval é a expressão da resistência, a expressão aguerrida de luta popular em espaços em que o povo está para expressar a sua inconformidade com tudo que vem acontecendo.
Espero que esses espaços se ampliem na sociedade como um todo, que a verdade vença, supere esse ódio, mentira, covardia e essas execuções sumárias de um Estado totalitário e de uma sociedade que se sujeita a esse totalitarismo. Espero o retorno à consciência, à solidariedade, à lucidez, à compaixão, aos direitos e à proteção dos mais fracos, e não esse Estado dilapidado. Isso não pode ser feito com ilusões: hoje esse Estado é algoz de toda a população brasileira e a milícia é a expressão mais brutal e violenta desse torturador que está na nossa frente. Esse é o dilema que a sociedade terá que enfrentar.
http://www.ihu.unisinos.br/587500-as-milicias-crescem-velozmente-por-dentro-do-estado-entrevista-especial-com-jose-claudio-alves
https://jornalggn.com.br/violencia/as-milicias-crescem-velozmente-por-dentro-do-estado-entrevista-especial-com-jose-claudio-alves/?fbclid=IwAR2nrX320AhrwPWpA1Gf1wjqxV_qwod0KH_t9GSw4vxDHIBFPjjT52TO6Qk

terça-feira, 5 de março de 2019

Chegou a hora de nos mobilizarmos pela soltura de Lula, único capaz de fazer frente ao besteirol da mentira e do ódio. Por Eugênio Aragão

AFP / Miguel SCHINCARIOL O ex-presidente Lula ao chegar ao funeral de seu neto Arthur, em São Bernardo do Campo, em 2 de março de 2019
Do falso segue-se qualquer coisa. Eis a bem conhecida “Lex Clavius” da lógica silogística. Quando qualquer das premissas é falsa, a conclusão poderá ser tanto falsa, quanto verdadeira. Cria-se, assim, o raciocínio indecisível. A caraminhola sem sentido, ainda que por raciocínio legítimo. Por exemplo, “todo chinês fala francês e Macron é chinês, logo, Macron fala francês.” Aqui, claramente temos duas premissas falsas levando a uma conclusão verdadeira. Mas em “todo francês fala chinês e Macron é francês, logo, Macron fala chinês” já temos uma premissa falsa e outra verdadeira levando a uma conclusão falsa. 
Com premissas falsas, o governo Bolsonaro deixa o país à deriva. Podem-se, até, por vez ou outra, extrair conclusões corretas na ação política, mas elas não desfazem os vícios dos fundamentos sobre as quais são erigidas. Tome-se, por exemplo, a decisão de negar ação militar contra a Venezuela, como seria ao gosto dos idiotas trumpistas que governam os EUA. Mesmo correta, trata-se, muito mais, de postura realista diante das debilidades de nossas forças armadas, do que de uma construção estratégica sólida. Não tenhamos dúvida de que, se tivessem condições de armamento e preparo, nossas fardas se meteriam na aventura da agressão. As premissas falsas são precisamente a avaliação da “ilegitimidade” do governo eleito de Maduro e a de que atender o interesse norte-americano na região beneficiaria o Brasil. Essas parvoíces continuam intactas, independentemente de a política externa ser conduzida pelo general Mourão ou pelo Ernesto-Terraplanista.
O estoque de besteirol do governo Bolsonaro está longe de se esgotar e não faremos bem, as brasileiras e os brasileiros com discernimento, se, a cada nesga de aparente racionalidade no meio do turbilhão das caraminholas fascistas, nos iludirmos com a possibilidade de acerto desse ou daquele ator bolsominion ou filobolsonarista. Achar que uma substituição de Bolsonaro por Mourão melhora as coisas, por este exibir um discurso menos sopinha-de-letras que o chefe e seu entourage, é uma quimera perigosa. As premissas da ação do general são as mesmas do capitão precocemente aposentado. São falsas e artificiais. Ambos foram eleitos pelo mesmo estratagema do ódio à política e da mentira deslavada. O general, tal qual o marechal Hindenburg, serviu para legitimar o Jair Messias, nosso cabo Adolf Hitler.
Posto isso, cabe-nos, sem ilusões e “wishfulthinkings”, traçar o caminho pelo qual sairemos do imbróglio em que a democracia se meteu, ao ceder às forças reacionárias do patrimonialismo multicentenário, para garantir a governabilidade. Nossas premissas têm que ser verdadeiras. Sua construção passa pela cesura necessária no tecido político para dissecar não só as alianças com o atraso, mas, também, o ódio político.
As demonstrações de solidariedade na dor com o Presidente Lula são um bom indicativo para a saída da crise. Desqualificaram-se os atores que apostaram em novas injeções de ódio. Lula foi ao velório de seu neto e saiu maior. Foi soberano. Os apoios sinceros que recebeu colocaram a nu a campanha judicial mentirosa que o encarcerou. A tranquilidade das manifestações de afeto ao seu redor mostraram civilidade e respeito à legalidade democrática, diferentemente do teatro armado pelo ministério de Sérgio Moro, que escalou um ativo militante bolsonarista para fazer a escolta do Presidente Lula. Perdeu o governo fascista e ficou ridículo, pois, em momento nenhum, se justificou o tamanho do aparato repressivo montado em torno do pacífico líder conduzido num momento tão trágico.
É chegada a hora de nos mobilizarmos pela soltura de Lula, o único personagem nacional com capacidade de fazer frente ao besteirol institucionalizado pela mentira e pelo ódio. Temos que mostrar, através de ação concreta junto ao STF, com a liderança da OAB, o apoio de juristas de peso, no Brasil todo, ao desfazimento da injustiça que vitimou Lula. Restabelecendo-se a verdade sobre a mesquinhez do golpe judiciário do então juizinho e hoje ministrinho Sérgio Moro, decompõem-se as premissas falsas que colocaram o bolsonarismo no poder e nos fará ver luz no fim do túnel para recolocar a democratização do país no seu caminho certo.
https://www.diariodocentrodomundo.com.br/chegou-a-hora-de-nos-mobilizarmos-pela-soltura-de-lula-unico-capaz-de-fazer-frente-ao-besteirol-da-mentira-e-do-odio-por-eugenio-aragao/

domingo, 3 de março de 2019


Quanta dor Lula ainda pode suportar? Por que o temem tanto os sem-caráter?

Perseguido barbaramente há três anos, nesse período ex-presidente perdeu companheira de vida, irmão, neto e amigos. Mas ainda empresta seu olhar sereno e altivo para que a esperança sobreviva

da Rede Brasil Atual

Quanta dor Lula ainda pode suportar? Por que o temem tanto os sem-caráter?

por Cláudia Motta e Paulo Donizetti de Souza

Ao se despedir do neto, o ex-presidente Lula disse a Arthur que ele agora está com dona Marisa no céu. E prometeu que quando for encontrá-los também, vai levar o diploma de sua inocência, que vai redimi-lo de todo bullying que o Arthur sofreu na escola. E vai provar que Moro e Dallagnol mentiram.
Quanta dor um homem é capaz de suportar? É impossível saber. A natureza humana é vasta, os limites, extensos. Aos 73 anos de idade, Luiz Inácio Lula da Silva parece forçado a testar esses limites.
O ex-presidente foi preso em 7 de abril passado, dia do aniversário de 67 anos de sua companheira de vida, Marisa Letícia. A mulher com quem foi casado por 43 anos morreu em 3 de fevereiro de 2017.
Familiares e amigos atribuem a morte prematura de Marisa Letícia a todo o sofrimento vivido por Lula, pelos filhos e por ela própria. A ciência comprova a relação entre tristeza, angústia, adoecimento.
Depois de 10 meses sem poder conviver com os filhos, netos, com sua bisneta, seus amigos e sem o contato permanente com o povo – vivência que dá ao ex-presidente energia e juventude –, em 29 de janeiro último Lula perdeu o irmão mais velho, Vavá. Também metalúrgico em São Bernardo do Campo, Vavá estava com 79 anos e lutava contra um tipo raro de câncer que afeta os vasos sanguíneos. Contrariando a Lei de Execuções Penais, o ex-presidente foi proibido de participar do velório até o último momento.
A jornalista Nicole Briones, do Instituto Lula, que está “ao lado” do ex-presidente na cobertura da Vigília, em Curitiba, conta que nesse quase um ano Lula só teve medo uma vez. “Era uma manhã de domingo quando os advogados entraram em sua cela e ele não entendeu.” O dia, 8 de julho, e estavam lá pra comunicar que ele estaria livre graças a um habeas corpus do TRF4. Lula não foi solto e manteve a serenidade o dia todo. “Mais tarde, contou que seu medo foi a possibilidade de terem aparecido lá pra comunicar uma notícia ruim sobre o irmão, que já não estava bem.”
Nesta sexta-feira (1º), entretanto, o pior dos medos que um ser humano pode sentir, se confirmou. Lula recebeu a morte do seu neto Arthur, de 7 anos.
“Deveria ser proibido um pai enterrar um filho e um avô enterrar um neto”, disse o ex-presidente, consternado pela dor. Arthur era o único filho de Marlene e Sandro, o mais jovem dos filhos de Lula e Marisa.
Vavá morreu saudoso do irmão ex-presidente. E pobre, como foi durante toda a vida. Como de resto toda a família Lula da Silva, sofria com a injustiça dos ataques, e com as mentiras tecidas ao longo de décadas e que hoje ajudam a alimentar um ódio que corrói a nação.
Era de Arthur, lembra o blogueiro Luiz Müller em texto postado ontem, o tablet apreendido pela força tarefa da Lava Jato há três anos. Naquele 4 de março de 2016, Sérgio Moro promoveu a ação espetaculosa da condução coercitiva de Lula – não sem antes mandar invadir e revirar ao avesso seu apartamento em São Bernardo do Campo. Tudo isso sem que o ex-presidente tivesse recebido sequer um convite para ir depor espontaneamente.
“O tablet do Arthur ainda tá com Moro”, escreve Müller. “O avô, pro Arthur, Moro não devolve mais. Dos 4 aos 7 anos, a vida de Arthur foi invadida, de forma leviana, rasteira, abusiva e violenta. Era manhã quando os netos de Lula foram acordados com as portas arrombadas, barulho e homens armados vasculhando seus brinquedos, a mando de Moro. No ano seguinte, (Arthur) perde a avó. Um ano depois, seu avô é levado preso, pra bem longe dele. Onze meses depois, Arthur entra no hospital 7h20 e falece 12h11.”
Conforme já relatou Lula, toda essa perseguição – com objetivos políticos que foram alcançados nas eleições de outubro –, resultou à família dificuldades até para conseguir trabalho. E trouxe para todos os brasileiros que não se conformam com injustiça, mais um episódio de inconformismo e dor.
O homem, que elevou o Brasil à condição de nação respeitada internacionalmente,  que retirou milhões da miséria e levou saúde, educação, luz e alegria aos rincões do país, deveria estar curtindo sua velhice e os louros de sua obra grandiosa ao lado da família, dos amigos.
No Brasil surreal, onde o ódio governa, o presidente eleito com a ajuda de Moro não sabe o que diz, direitos e povo são desprezados e os ministros desconhecem as áreas que vão administrar, Lula é o retrato de todas as injustiças.
Lula é símbolo de conquista de cada jovem pobre que chegou à universidade, cada pai e mãe que acreditaram que haveria um futuro diferente para seus filhos. O sofrimento de Lula é o sofrimento dos milhões para quem um país se faz com inclusão e justiça social, com respeito às diferenças, igualdade, cidadania.
A dor de Lula é a dor de quem treme de indignação diante das injustiças. Transformar essa dor em capacidade de resistência para recuperar o Brasil para todos os brasileiros seja talvez a única saída.
Lula pôde abraçar seus familiares e amigos e despedir-se de Arthur neste sábado cinzento de março. Na redes sociais, algumas demonstrações de selvageria fazem balançar a fé na humanidade. São pessoas que, mais que ódio, ou inveja, têm medo de Lula. Porque sua história, sua existência e suas ideias atormentam essa gente, mexem, no fundo, com a ausência de caráter.
Lula caminhou pelo cemitério Jardim da Colina, em São Bernardo do Campo para o adeus ao neto. Ainda que rodeado de policiais – “que medo vocês têm de nós”, diz a canção – acenava agradecido ao povo ao seu redor. Abatido pela perda, e submetido a uma distância forçada do convívio com a família, os amigos e o povo – de onde extrai energia e juventude –, Lula ainda carrega em si a luz da serenidade, a força da dignidade, a altivez. E também uma esperança que nos contagia a seguir em frente, em busca de uma humanidade mais justa.
https://jornalggn.com.br/artigos/quanta-dor-lula-ainda-pode-suportar-por-que-o-temem-tanto-os-sem-carater/?fbclid=IwAR0kiQUzoSJZ6lnlxQYTLGflaaswpI11CZkYFLPl2GF0RG4fA4G8gPtPMOc