MORO, EICHMAN E A BANALIDADE DO MAL
Por Roberto Ponciano, colaborador do Cafezinho
O mais assustador no que está acontecendo no Brasil não é
uma questão apenas política, e ver que em poucos meses, uma democracia que
demorou 20 anos para ser reconstruída pode se esfumar. Alain Badiou deixou
claro em sua obra, que a negligência, a omissão de quem tem o dever de atuar,
dos intelectuais e militantes políticos diante de um Evento é imperdoável. Não
é simples omissão, é cumplicidade, é criminoso.
O assustador desta história é que o juiz Sérgio Moro não é
um grande ator político, ao fim e ao cabo Moro é um Zé Ninguém (na acepção
inclusive reicheana da miséria psíquica), um juiz de visão política turva,
nenhuma envergadura intelectual, com inteligência limitada e visão zero de
sociedade.
Um mero Eichman, executor das ordens superiores.
No momento não sabemos claramente de quem, mas efetivamente
desconfiamos da cumplicidade. De certo, do próprio Janot, o Procurador Geral da
República, que deveria ser o defensor da lei, mas tendo conhecimento dos
pérfidos grampos de Moro, se não os autorizou, ratificou sua “legalidade”.
O aspecto tragicômico deste enredo é que nem um dos dois,
nem Moro, nem Janot, tem qualquer dúvida que estão perpetrando uma ilegalidade.
Os grampos nos telefones de Lula, Dilma, Jacques Wagner, Rui Falcão não tem
nada que ver com a Lava Jato. Fariam corar de vergonha ou inveja os tribunais
de exceção nazistas e o senador Joseph McCarthy. Ambos sabem que as escutas são
ilegais e imorais e claramente persecutórias de um partido.
Hannah Arendt, ao acompanhar o julgamento de Eichman, cunhou
a famosa frase, que resume toda uma teoria: “o mal é estrutural”.
O mal se torna banal quando um simples burocrata medíocre
como Eichman é capaz de, sem sentir culpa ou remorso, fazer parte da engrenagem
do mal.
Moro é Eichman, um burocrata medíocre, de passado obscuro e
de futuro tenebroso. Não entra na história como herói, mas pela porta dos
fundos, como um obscuro juiz camisa negra, cujo único objetivo é despachar os
vagões cheios de prisioneiros vermelhos. Para que o mal seja banalizado, como
nos ensinou Levinas, é fundamental que o inimigo seja desumanizado.
Em todos os julgamentos de tribunal de exceção, antes de
tudo é necessário retirar a humanidade do outro. E para que não tenham dúvida,
não estou falando só dos tribunais nazistas e fascistas. O mesmo simulacro de
tribunal foi usado nos julgamentos de Moscou e em outros tribunais
“revolucionários”, que não julgaram os indivíduos e seus crimes, mas suas
ideias.
Moro não está investigando nenhum crime. Seus atos deixaram
de ter qualquer resquício de legalidade há muito tempo, e ele não se importa em
autorizar gravações ignóbeis e as ceder (sabe-se lá em que condições) à maior
rede de conspiração do Brasil (a TV Goebbels), que precisa repetir uma mentira
mil vezes para que ela se transforme em verdade.
Assim, assassinam-se as garantias legais. Nenhum de nós é
santo, se grampeassem meu telefone, não sei se iria primeiro para a cadeia ou
primeiro para o inferno. Numa sociedade falsamente pudica (uma das
características principais do fascismo), até os palavrões ditos em confidência
são liberados para um “objetivo maior”.
Desumanizar o adversário, para que o terror fascista
prevaleça. É necessário que o adversário seja um cão, uma besta leprosa
indesejável, que deve ser chutada e cuspida na rua.
Vermelhos, socialistas, comunistas!
Mas não precisa ser socialista ou comunista. Na sanha
fascista do mal, quem estiver contra o fascismo já ganha sua adesão
incondicional às ideias deste inimigo imaginário.
E tenho bastante moral para gritar contra isto. Quando se começou
o linchamento moral de FHC, pelo suposto filho “ilegítimo”, escrevi pequenos
textos dizendo que assim nos igualávamos às idiotices do “sítio do Lula”. Como
democrata, como socialista, não me interessam as aventuras amorosas de FHC e o
que aconteceu com a vida dele. Nem mesmo se ele tem um apartamento em Paris.
Isso é cretinismo. Não se constrói um debate democrático e
ideais firmes para um embate político sério assim. Posso sim falar de FHC que
ele agora é cúmplice do golpe, quando tinha o dever de denunciá-lo, vítima de
1964 que foi. Com seu aval, o PSDB, partido fundado por ele, embarca na
aventura de um golpe de Estado.
No meio desta tragédia, há os “inocentes”. Membros da classe
média que se pretendem imparciais, mas que com sua imparcialidade, fazem coro
às indecentes violações dos direitos humanos, da privacidade, do vale-tudo. Que
correm para futricar as conversas privadas dos PeTistas (estas bestas-feras
inimigas da humanidade), fingindo não ver que estas gravações, e seu vazamento,
são criminosas. Tudo tirado do seu contexto e repetido ad nauseam para causar o
efeito que está causando.
Uma parte da classe média pede “justiça’ a quem rasgou seu
papel de defender a justiça, e outra adere à barbárie fascista, agredindo
pessoas que julgam adversárias na rua. O povo do “vai para Cuba”. São duas
faces da mesma moeda. Assim como a classe média alemã que foi cúmplice e
beneficiária do nazismo e só abandonou o sonho do “Reich de mil anos” quando os
aliados começaram a bombardear as cidades alemãs.
Não há perdão para esta cumplicidade e covardia.
Há também cumplicidade e covardia de parcela de
“esquerdistas”, que num momento de transe histórico e de risco de regressão,
sonham que estão às portas de uma Revolução e que Brasília é o Palácio de
Inverno. Quixotescos traidores da democracia, que serão os primeiros a serem
vitimados.
Vivemos um momento de terror e transe, os próximos dias
serão de confrontação de dois campos em disputa pelo futuro do país. Um dos
campos tem o juiz medíocre Moro, o conspirador geral da República, Rodrigo
Janot, Bolsonaro, Malafaia, Feliciano. A junção do que há de mais perverso é
uma ameaça de morte à inteligência.
Num momento tão grave, a maior oferta de cursos
universitários não gerou uma juventude com ideias mais avançadas, capaz de
defender a democracia e a liberdade.
No local em que eu trabalho, vejo servidores concursados
usando trágicas camisas pretas entoarem gritos de guerra pró-Moro, acompanhados
de juízes que só pensam no próprio umbigo. Os três estagiários jovens do local
em que eu trabalho admiram Bolsonaro e duas disseram que preferem votar em
Bolsonaro a votar em Lula.
A mentira dita mil vezes cria um Zeitgest de espírito do
tempo às avessas.
Jovens de classe média ou baixa, que passam a acreditar no
fascismo como redentor do nada, como redentor do caos que ele mesmo – o
fascismo – cria.
Um reles funcionário de quinta categoria, nosso Eichman dos
tempos hodiernos, Sérgio Moro, é capaz de liberar os trens para os campos de
concentração e tornar uma nação inteira refém dele.
Quando um juiz de uma vara de primeira instância consegue
poderes absolutos através da cumplicidade da PGR e da chantagem ilimitada, e se
coloca acima da Presidente eleita legitimamente, não é só o governo que se
ameaça.
A possibilidade de uma ditadura tecnocrata de burocratas
torpes, míopes e obtusos, sem pauta social, sem projeto e no meio do caos de um
país dividido, é uma ameaça a todos os democratas.
Devemos defender a democracia pela qual nossos pais sofreram
prisão, exílio, tortura e morte, e derrotar o fascismo.
Não consigo me imaginar viver num país onde qualquer Eichman
de Curitiba possa golpear uma nação inteira!
Só há um remédio. Temos que ir às ruas e vigiar.
Os fascistas não passarão!
Roberto Ponciano é Mestre em Filosofia/Ética, em Letras
Neolatinas e Especialista em Economia do Trabalho
http://www.ocafezinho.com/2016/03/21/moro-eichman-e-a-banalidade-do-mal/
Nenhum comentário:
Postar um comentário