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sexta-feira, 24 de junho de 2016

A interpelação judicial e o erro da Ministra Rosa Weber

Coluna Processo Penal em foco

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Créditos: Fellipe Sampaio / SCO/ STF (23/04/2014)

Pedido de explicações em juízo

Dispõe o art. 144 do Código Penal que “se, de referências, alusões ou frases, se infere calúnia, difamação ou injúria, quem se julga ofendido pode pedir explicações em juízo. Aquele que se recusa a dá-las ou, a critério do juiz, não as dá satisfatórias, responde pela ofensa.”
Este dispositivo da lei penal consagra em nosso ordenamento jurídico o que se convencionou chamar de “pedido de explicações em juízo” ou “interpelação judicial criminal”. Neste procedimento, o interpelado não é obrigado a comparecer em juízo, a prestar esclarecimentos, exibir documentos, fazer, deixar de fazer ou tolerar que se faça alguma coisa. O que se pretende com esta medida, de caráter meramente cautelar e preparatória, é o esclarecimento de frases ou expressões, escritas ou verbalizadas, caracterizadas por sua dubiedade, equivocidade ou ambiguidade, a fim de se verificar a prática de algum crime contra a honra do interpelante. Visa, portanto, em última análise, a instrumentalizar uma futura ação penal de natureza condenatória por um dos crimes contra a honra.
Assim, a finalidade única da interpelação judicial criminal é a de “fixar a intenção do responsável pelo escrito, no endereço da calúnia, difamação ou injúria contidas no mesmo”[1], não cabendo em absoluto “a apreciação de questão de fundo”[2], após o que os “autos serão entregues aos interessados, independentemente de traslado, abstendo-se a Corte de qualquer valoração sobre as explicações ofertadas.”[3]

O que não cabe ao Juízo

Como o Código de Processo Penal não estabelece um rito a ser seguido quando da interpelação judicial, deve ser observado o disposto no art. 726 do Código de Processo Civil, como permite o art. 3º. do Código de Processo Penal.
Como se disse acima, após, e se prestadas as explicações, não cabe ao Juízo qualquer avaliação acerca do seu respectivo conteúdo, tampouco exame da legitimidade jurídica de uma eventual recusa em prestá-las. Tais matérias devem ser enfrentadas em processo diverso, caso haja o exercício de uma ação penal imputando ao interpelado crime contra a honra do interpelante.
Igualmente, o interpelado não está compelido a responder ao pedido de explicações. Poderá ficar silente, simplesmente não responder à notificação, sequer sendo necessário comunicar ao Juízo que não irá responder. Não é preciso, portanto, dar ciência porque não o fez ou não o fará. Suas razões não interessam ao Poder Judiciário. Decididamente, não é dessa atenção que o Poder Judiciário precisa em uma República.
Pois bem.
Sabe-se que seis Deputados Federais utilizaram-se do art. 144 do Código Penal para “cobrar” explicações à Presidente Dilma Rousseff em relação ao fato de ter afirmado em discursos, eventos públicos e pronunciamentos oficiais que o processo de impeachment constituiria um suposto “golpe de estado”. Os interpelantes pedem, então, que a Presidente da República esclareça:
1) A Interpelada ratifica as afirmações – proferidas em distintos eventos – de que há um golpe em curso no Brasil? 2) Quais atos compõem o golpe denunciado pela Interpelada? 3) Quem são os responsáveis pelo citado golpe? 4) Que instituições atentam contra seu mandato, de modo a realizar um golpe de estado? 5) É parte desse golpe a aprovação, pelo Plenário da Câmara dos Deputados, da instauração de processo contra a Interpelada, por crime de responsabilidade, nos termos do parecer da Comissão Especial à Denúncia por Crime de Responsabilidade 1/2015, dos Srs. Hélio Pereira Bicudo, Miguel Reale Junior e Janaina Conceição Paschoal? 6) Se estamos na iminência de um golpe, quais as medidas que a Interpelada, na condição de Chefe de Governo e Chefe de Estado, pretende tomar para resguardar a República?

O erro

Entendemos que a interpelação sequer deveria ter sido conhecida. A Ministra Rosa Weber errou. Deveria ter negado seguimento ao pedido de explicações e determinado o seu imediato arquivamento. Senão vejamos.
A utilização da expressão “golpe” ou “golpe de Estado” vem sendo utilizada reiteradamente por diversos juristas do Brasil e do mundo, inclusive chefes de Governo e de Estado de outros Países. Vários Parlamentares brasileiros e estrangeiros também. Personalidades das mais diversas áreas das ciências. Eu próprio, membro do Ministério Público e Professor de Direito Processual Penal, já afirmei em diversos eventos que tenho participado que está em curso um golpe civil no Brasil e assim continuarei afirmando.
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O argentino Adolfo Pérez Esquivel, ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 1980, afirma que impeachment de Dilma é golpe de Estado. | Créditos: José Cruz/Agência Brasil
O significado de golpe
É preciso atentar-se para a semântica quando se utiliza a palavra “golpe” no (triste e lamentável) contexto pelo qual atravessa a História brasileira. Um dos maiores juristas do Brasil, por exemplo, o Professor Marcelo Neves, já afirmou:
“Nessas circunstâncias, o processo de impeachment atua como um equivalente funcional a um golpe de Estado. O objetivo é, na verdade, destituir a Chefa de Estado com base na distorção de um instituto constitucional legítimo. Ao falar de equivalente funcional a um golpe de Estado no sentido clássico da expressão, não descarto ser também adequado afirmar-se que se trata de um golpe parlamentar, judicial e midiático. Retomando e relendo aqui uma velha distinção de Louis Althusser e entre aparelhos repressivos e aparelhos ideológico de Estado, um tanto fora de moda, pode-se dizer que, enquanto na versão clássica do golpe, a dimensão repressiva do aparato estatal sobressai, na versão atual, “moderna” ou (se quiserem) “pós-moderna”, prevalece a dimensão ideológica de agentes estatais e atores da sociedade civil. (…) Tudo isso é a expressão de uma conspiração protagonizada por organizações empresariais midiáticas corruptamente parciais, por um parlamento dominado por uma cleptocracia, um Ministério Público ao mesmo tempo parcial e anfíbio, e um judiciário, especialmente o Supremo Tribunal Federal, não apenas acovardado, mas sobretudo politicamente capturado por um projeto golpista liderado em sua origem por um gângster, ainda solto e, portanto, capaz de liderar os seus cúmplices e manipular o processo.”[4] (grifamos).
Ora, ora… Será que o Professor Marcelo Neves desconhece significantes e significados?[5] Aliás, o sexteto indignado deveria interpelar, se tivesse coragem (e não tem, evidentemente), o Ministro Marco Aurélio que, ao ser questionado se a Presidente da República tinha razão em chamar o processo de impeachment de “golpe” afirmou:
“Acertada a premissa, ela tem toda razão. Se não houver fato jurídico que respalde o processo de impedimento, esse processo não se enquadra em figurino legal e transparece como golpe.” (grifamos).[6]
A carapuça
Ademais, uma questão que passou desapercebida pela Ministra Rosa Weber (e fez uma Chefe de Governo e de Estado passar por mais um – desnecessário – constrangimento) diz respeito à ilegitimidade (processual) dos interpelantes.
Apenas tem legitimidade para propor a interpelação judicial em matéria penal quem foi, ainda que de forma reflexa ou indireta, supostamente ofendido. Ora, a Presidente da República não citou nomes, sequer instituições. Na verdade, os interpelantes “vestiram a carapuça” e, infelizmente, tiveram o respaldo da Ministra Rosa Weber.

Um caso

A propósito (e eu nem gostaria de fazê-lo), no próprio Supremo Tribunal Federal já foi arquivada a Petição nº. 4553, ajuizada contra o ex-Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, pelo cidadão brasileiro Clóvis Victorio Mezzomo, que alegava ter se sentido pessoalmente ofendido pela declaração do ex-Presidente, feita à imprensa, de que a então crise econômica mundial era “fomentada por comportamentos irracionais de gente branca, de olhos azuis, que antes da crise pareciam que sabiam tudo, e que agora demonstra não saber nada.”
Como cidadão de ascendência italiana, branco e de olhos verdes, o interpelante afirmou que se sentia pessoalmente ofendido e pretendia processar o ex-Presidente. Ao analisar o caso, o Ministro Celso de Mello, explicou que a interpelação judicial, com pedido de explicações, só é cabível quando existe dúvida ou ambiguidade nas declarações questionadas, “ou onde inexistir qualquer incerteza a propósito dos destinatários de tais declarações”.
Onde não houver dúvida quanto ao conteúdo das afirmações questionadas, não cabe a interpelação judicial, arrematou. Segundo Celso de Mello, é exatamente isso o que aconteceu no caso. “O interpelante não revelou dúvida ou incerteza quanto às afirmações do Presidente, mas frisou que se sentiu pessoalmente ofendido pela declaração”, disse o Ministro.
Lula
Créditos: Roosewelt Pinheiro / ABr
No mesmo sentido:
“SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – PETIÇÃO 4.005-8 – A interpelação processa-se perante o órgão judiciário que seria competente, em tese, para julgar a ação penal principal em face do suposto ofensor (cf., nesse particular, ressalto o julgamento da Questão de Ordem na Petição nº 851/SE, Rel. Min. Celso de Mello, Pleno,unânime, DJ 16.9.1994).Tendo em vista que o interpelado é Senador da República, o processamento desta interpelação compete ao Supremo Tribunal Federal (STF), nos termos do art. 102, I,“b”, da Constituição Federal. Quanto à legitimidade ativa para o pedido, cabe registrar o seguinte pronunciamento unânime do Plenário desta Corte no Agravo Regimental na PET nº 1.249/DF, Rel.Min. Celso de Mello, DJ 9.4.1999:“LEGITIMIDADE ATIVA PARA O PEDIDO DE EXPLICAÇÕES EM JUÍZO. Somente quem se julga ofendido pode pedir explicações em juízo. A utilização dessa medida processual de caráter preparatório constitui providência exclusiva de quem se sente moralmente afetado pelas declarações dúbias, ambíguas ou equívocas feitas por terceiros.Tratando-se de expressões dúbias, ambíguas ou equívocas, alegadamente ofensivas, que teriam sido dirigidas aos Juízes classistas, é a estes – e não à entidade de classe que os representa – que assiste o direito de utilizar o instrumento formal da interpelação judicial. O reconhecimento da legitimidade ativa para a medida processual da interpelação judicial exige a concreta identificação daqueles (…) que se sentem ofendidos, em seu patrimônio moral (que é personalíssimo), pelas afirmações revestidas de equivocidade ou de sentido dúbio” – (AgRg na PET nº 1.249/DF, Rel.Min. Celso de Mello, Pleno, unânime, J9.4.1999 – RTJ 170/60/61).Não desconheço o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que, apesar do teor literal da parte final do art. 144 do Código Penal, no procedimento preparatório da interpelação para explicações de ofensas equívocas, não caberia ao juiz decidir sobre a significação penal da eventual recusa de prestá-las ou sobre serem elas satisfatórias.Tal assertiva não elide, contudo, o poder-dever de decidir, antes de ordenar a interpelação requerida,quanto à sua admissibilidade processual, que implica pronunciamento sobre os pressupostos do pedido da medida cautelar preparatória ou a respeito da viabilidade da prenunciada ação penal, a cuja eventual propositura vise o pedido de explicações (cf., nesse ponto, a decisão monocrática de minha lavra, na PET nº 3.556/DF, DJ18.11.2005).A interpelação judicial destina-se exclusivamente ao esclarecimento de situações alegadamente dúbias ou equívocas. Ou seja, não é cabível quando ausente a demonstração de circunstância ensejadora de ambigüidade no discurso supostamente contumelioso, à obtenção de provas penais pertinentes a definição da autoria do fato delituoso.Nesse particular, é pertinente transcrever o inteiro teor da ementa do julgamento da Questão de Ordem na PET nº 851/SE, Rel. Min. Celso de Mello, Pleno, unânime, DJ16.9.1994, verbis:“EMENTA: INTERPELAÇÃO JUDICIAL CONTRA MEMBRO DO CONGRESSO NACIONAL – LEI Nº5.250/67 (ART. 25) – PROVIDÊNCIA DE NATUREZA CAUTELAR PENAL – COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL –PRESSUPOSTOS DO PEDIDO DE EXPLICAÇÕES EM JUÍZO – INOCORRÊNCIA – DESCABIMENTO DA INTERPELAÇÃO JUDICIAL.- A interpelação judicial fundada na Lei de Imprensa (art. 25) ou no Código Penal (art. 144), desde que requerida contra membro do Congresso Nacional, deve ser formulada perante o Supremo Tribunal Federal, por constituir medida cautelar preparatória de ação penal referente aos delitos contra a honra.- O pedido de explicações em juízo acha-se instrumentalmente vinculado à necessidade de esclarecer situações, frases ou expressões, escritas ou verbais,caracterizadas por sua dubiedade,equivocidade ou ambigüidade. Ausentes esses pressupostos, a interpelação judicial,porque desnecessária, revela-se processualmente inadmissível.- A interpelação judicial, por destinar-se exclusivamente ao esclarecimento de situações dúbias ou equívocas, não se presta, quando ausente qualquer ambigüidade no discurso contumelioso, à obtenção de provas penais pertinentes à definição da autoria do fato delituoso.- O pedido de explicações em juízo não se justifica quando o interpelante não tem dúvida alguma sobre o caráter moralmente ofensivo das imputações que lhe foram dirigidas pelo suposto ofensor” – [PET (QO)nº 851/SE, Pleno, unânime, DJ 16.9.1994]. (…) Na espécie, a interpelação é incabível porque ausentes os indispensáveis pressupostos de “dubiedade, equivocidade ou ambigüidade, às expressões que dele sejam objeto” [PET (QO) nº 851/SE, Rel. Min. Celso de Mello,Pleno, unânime, DJ 16.9.1994]. Da simples leitura dos termos da inicial, a ausência de tais elementos é inequívoca, porque o requerente, dentre as indagações que pretende ver respondidas pelo requerido, em nenhum momento, coloca em dúvida a compreensão e a alegada ofensividade das declarações, procurando apenas obter sua eventual ratificação e/ou a contextualização de sua suposta divulgação pelo requerido.Ante o exposto, na linha da jurisprudência deste STF, nego seguimento a esta interpelação por se tratar de pedido manifestamente incabível, nos termos do art. 21, § 1º, do RI/STF.Após o trânsito em julgado desta decisão,arquivem-se estes autos.Publique-se.Intime-se.Brasília, 18 de junho de 2007.”
Portanto, não há dubiedade, equivocidade ou ambiguidade no uso da expressão “golpe de Estado” ou da palavra “golpe”. Aliás, pelo contrário, é de uma clareza solar! E, não as havendo, incabível seria dar seguimento à interpelação. Onde reside a dúvida em relação às afirmações da Presidente da República? Alguém as tem? Será que a Ministra Rosa Weber? Evidentemente não se pode e não se deve explicar o que já está claro. Eventual discordância com as manifestações da Presidente da República não autoriza a providência cautelar. Mais um erro de um Ministro da Suprema Corte do Brasil, coincidentemente no bojo da crise política e no contexto do golpe (sem aspas).
Notas e Referências:
[1] MIRANDA, Darcy Arruda, Comentários à Lei de Imprensa, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 3ª. ed., 1995, p. 452.
[2] TACRIMSP – AC – Rel. Silva Pinto – JUTACRIM 82/338.
[3] Superior Tribunal de Justiça, Petição – Rel. Bueno de Souza – RT 656/336.
[4] http://www.ocafezinho.com/2016/05/08/marcelo-neves-um-dos-principais-constitucionalistas-do-brasil-denuncia-o-golpe/
[5] Professor Titular de Direito Público da Universidade de Brasília – UnB. Doutor em Direito pela Universidade de Bremen, com bolsa do DAAD (1991). Obteve livre-docência pela Faculdade de Direito da Universidade de Fribourg na Suíça (2000). Foi bolsista-pesquisador da Fundação Alexander von Humboldt no Departamento de Ciências Sociais da Universidade Frankfurt am Main, Alemanha (2000). Foi Jean Monnet Fellow no Departamento de Direito do Instituto Universitário Europeu, em Florença, Itália (2000-2001).
[6] http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2016-03/marco-aurelio-diz-que-impeachment-sem-respaldo-juridico-transparece-como
 Rômulo de Andrade Moreira é Articulista do Estado de Direito – Procurador de Justiça do Ministério Público da Bahia e Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador (UNIFACS).
Disponível in: http://estadodedireito.com.br/interpelacao-judicial-e-o-erro-da-ministra-rosa-weber2/

Solidarizo-me com a Senadora Gleisi Hoffmann


Dom Orvandil
24/06/2016
Dom Orvandil é bispo anglicano do Brasil Central com sede em Goiânia. Escreveu em protesto este belo texto em solidariedade à Senadora do PT Gleisi Hoffmann pela forma ilegal que sua residência oficial de senadora foi invadida sem prévio aviso, com palavras tranquilas dos policiais mas com gestos brutais, levando até o computador de seu filho adolescente. Prestemos atenção: o atual governo interino está permitindo ações fascistas; não podendo colocar tanques na rua utiliza a polícia federal para realizar a imposição de um projeto político que não passou pelo aval das urnas. A palavra para esse tipo de política é golpe. Associo-me às palavras do bispo anglicano em solidariedade à Senadora Gleisi e em protesto contra o presidente interino, último responsável por este tipo de violência. Lboff
Caríssima Senadora Gleisi
Primeiramente “fora Temer”!
Desde a manhã desta fatídica quinta-feira, dia 23 de junho, início de um inverno da democracia, acompanho os acontecimentos de Brasília e a ocupação da casa na qual a senhora mora, apartamento funcional do Senado Federal, portanto do Estado e do povo brasileiros.
Em sua nota à imprensa a senhora, com a voz delicada mas forte da mulher brasileira,  confessa com preocupação algo de doer o nosso coração: “Hoje foi um dia muito triste na minha vida como mulher, como política e, sobretudo, como mãe”.
Seu texto narra a presença de 10 pessoas estranhas dentro do seu apartamento, num espetáculo ridículo para a mídia transmitir, num puro abuso de poder, invadiram a residência de uma Senadora da República, humilhando seus filhos e constrangendo seu pai e sua mãe.
Policiais federais prenderam seu marido e levaram objetos de seu apartamento, inclusive um computador de seu filho adolescente, certamente traumatizando-o!
É evidente que todas as pessoas de boa vontade se perguntam pelas causas de auto tão inominável e abjeto, quando a senhora não é investigada e seu marido Paulo Bernardo, ex-ministro, sempre se dispôs a colaborar com a justiça, não sendo nenhum criminoso nem de desviar dinheiro público para contas secretas, segundo ele mesmo afirma.
A senhora formula uma justificativa para a ação dantesca quando denuncia: “Não me cabe outra explicação que não o desvio de foco da opinião pública deste governo claramente envolvido em desvios, em ataques aos direitos conquistados pela população. Garantir o impeachment é tudo o que mais lhes interessa neste momento.”
Essa é a mesma avaliação do seu adversário senador Roberto Requião: “espetáculo para influenciar no impeachment” e “foram medidas policiais espalhafatosas”.
Ate mesmo o senador golpista, irônico, de direita e cínico em suas afirmações, líder do partido entreguista e neoliberal PSDB, Cássio Cunha Lima, disse sobre o lamentável episódio policialesco de faroeste:  “As investigações tem nosso apoio. Contudo, é preciso coibir e ficar atentos a abusos, porque um juiz de primeira instância não tem jurisdição para determinar buscas na casa de uma senadora. Pode até se admitir nas propriedades privadas, mas em uma residência oficial, em um apartamento funcional do Senado, só quem poderia autorizar é o Supremo Tribunal Federal”. Até demonstrando certa humanidade, coisa difícil de imaginar que um parlamentar de direita, frio e desrespeitoso em seus discursos em defesa do indefensável golpe contra a democracia, o senador de Pernambuco disse: “Por mais que o embate político seja duro, há uma família por trás. Não há motivo para tripudiar. Temos que ter responsabilidade. Não é algo para soltar fogos. Tem um limite no embate, de respeito às pessoas. Apesar de políticos, somos gente, tem que ter um mínimo de compreensão com a dor alheia”.
Portanto, as razões para tal barbaridade são claras: 1. Para desviar a atenção do interino Temer, cheio de golpistas como ele, investigados e esborrifados pela sangria da mal fadada e espetacular mediática operação, na verdade deveria se chamar câncer Lava Jato. Como diz Cássio Cunha Lima, um juiz de primeira instância, Sérgio Moro,  abusa de abusos de poder e invade sob terror policial outros poderes, ameaçando a democracia. Certamente essas foram lições que recebeu nos treinamentos do Departamento Político de Estado nos Estados Unidos. O como diz o jornalista Paulo Nogueira numa emocionante carta aberta a Sérgio Moro: “Um homem pode ser medido pelos admiradores que semeia. O senhor é hoje venerado pelo mesmo público que idolatra Bolsonaro: são pessoas essencialmente racistas, homóficas, raivosas, altamente conservadoras e brutalmente desinformadas.” (mais aqui). 2. O desvio do interino golpista tem que ser feito com espetáculo previamente comunicado à mídia associada e promotora do achincalhe à democracia. 3. A polícia federal, paga com o dinheiro público, age através de homens e mulheres sem rosto e sem nome, pessoas que se prestam a desservir o Brasil e o povo, para intimidar e para servir aos interesses de uma classe dominante impatriótica, entreguista e cruel.
Em todos esses espetáculos tristes o governo golpista, a policia em desvio de função e a mídia suja manipuladora não se importam em humilhar pessoas, incluindo crianças e adolescentes, podendo traumatizá-los para sempre, como é o caso de seus filhos, presentes na invasão espetaculosa feita a mando do juizinho de Curitiba.
Incrível o desvirtuamento humano e ético fascistoide dessas ações policialescas. Enquanto a psicologia, a psiquiatria, a medicina e a pedagogia se esmeram no respeito ao sigilo que protege as pessoas enquanto abordagens curativas se procedem, policiais, juízes e promotores sejam tão nababescamente despreparados e antiéticos. Não se importam em destruir imagens e de traumatizar as pessoas socialmente. São ações típicas do fascismo e do nazismo.
Solidarizo-me com a senhora, portanto, combativa e patriota senadora Gleisi Hoffman.
Gosto de assistir suas intervenções nas tribunas do Senado e na vergonhosa Comissão Especial do Impeachment. A senhora é aguerrida e séria na defesa de nosso povo, de nossa ameaçada democracia e do nosso País, invejado pelos corruptos tipo Temer, Eduardo Cunha e alvo de assaltos pelo imperialismo, este capaz de matar e de destruir no afã de roubar nossas riquezas.
Seu sofrimento parece ser prefiguração da afronta aos direitos sociais e à humilhação dos trabalhadores que o golpista pretende impor ao povo brasileiro. Tudo o que ele visa é destruir a CLT e as conquistas, invadindo com a fome e a miséria as famílias brasileiras, como a PF a mando do juizinho de primeira instância fez em sua residência.
O triste espetáculo dado em sua residência, sob o comando do ídolo dos analfabetos políticos, dos fascistas e treinado pelo imperialismo, usando uma polícia que deveria nos defender e a senhora também, me abalou por lembrar-me de situação análoga, praticada pelos mesmos a serviço da ditadura militar.
Quando eu pastoreava uma igreja de bairro em Santa Maria, RS, sempre na luta com nosso povo mais explorado, numa tarde, sem mandado judicial, de forma arbitrária e violenta, de pistolas e metralhadoras em punho, os brutamontes da PF entraram em minha casa, ameaçaram meus filhos, um com dois anos e a outra um bebezinho, reviraram guarda roupas,  jogaram fraldas ao chão, pisaram-nas, debocharam e levaram minha biblioteca, principalmente um livro de lombada vermelha,  que imaginaram ser o Livro Vermelho de Mao Tse Tung, na verdade se tratava do Senhor Embaixador de Érico Veríssimo, mantendo-me sob as miras de suas armas engatilhadas e carregadas.
Salvaguardadas as  diferenças, foi o que fizeram com a senhora e com a sua família. Por isso entendo o que a senhora e eles sofrem!
Solidarizo-me com a senhora, querida senadora Gleisi. Daqui da planície rezo pela senhora, por seus familiares e me animo ainda mais a lutar contra o golpe, que  já usa da pior fisionomia e ameaças das mais sanguinárias ditaduras que infestaram e aterrorizaram a América Latina.
  • Abraços críticos e fraternos na luta pela justiça e pela paz sociais.
  • Dom Orvandil, OSF: bispo cabano, farrapo e republicano, presidente da Ibrapaz, bispo da Diocese Brasil Central e professor universitário, trabalhando duro sem explorar ninguém.

  • https://leonardoboff.wordpress.com/

quinta-feira, 23 de junho de 2016



Leandro Karnal e Clovis Barros discutem a felicidade ou morte. 



ROBERTO REQUIÃO UM DOS MAIS COMBATENTES SENADORES DO BRASIL  DISCURSA  NA TRIBUNA E DEMONSTRA O QUANTO A FARSA DO COMBATE A CORRUPÇÃO SERVE COMO PANO DE FUNDO PARA DESMONTAR O DIREITO DOS TRABALHADORES, OS RECURSOS NACIONAIS E O ESTADO SOCIAL IMPLANTADO PELO PT NOS ÚLTIMOS 15 ANOS.


https://youtu.be/v-2J-ulRK1M

quarta-feira, 22 de junho de 2016

“Austeridade”: história de uma fraude teórica

130504-Fraude
Como dois economistas conservadores muito influentes omitiram dados e manipularam planilhas, para “demonstrar” que os Estados devem cortar gastos sociais
Por Alvaro Bianchi
Há anos não se via economistas heterodoxos rindo tão desbragadamente. O motivo é a descoberta de uma falha em uma planilha Excel. Tudo começou quando Thomas Herndon um estudante de pós graduação da University of Massachusetts-Amherst, resolveu apresentar um trabalho de final de semestre criticando o estudo de dois influentes economistas de Harvard, Carmen M. Reinhart and Kenneth S. Rogoff, publicado em 2010 na prestigiada e centenária The American Economic Review. A pesquisa de Reinhart e Rogoff estabelecia uma correlação negativa entre aumento do débito público e o crescimento econômico e conspirava contra o aumento dos investimentos estatais. O jovem Herndon, de 28 anos, não estava satisfeito com os resultados da pesquisa e resolveu trabalhar com os dados dos economistas de Harvard, replicando o estudo. Seus professores consideraram sua proposta típica da arrogância juvenil mas não apresentaram obstáculos, pensando que ao menos ele poderia treinar suas habilidades na tabulação e apresentação de dados econômicos.
Com a carta branca de seus mestres, Hendron arregaçou as mangas e começou o trabalho com os dados que os próprios Reinhart e Rogoff lhe forneceram. Não precisou de muito trabalho para detectar erros na planilha de cálculos. Seus olhos não acreditaram no que viram, chamou então sua companheira e lhe perguntou: “Eu estou vendo errado?”. “Acho que não, Thomas”, foi a resposta que ouviu. O estudante mostrou seus resultados para Robert Pollin, seu professor, o qual imaginou que, como costuma acontecer, o estudante estava errado: “Então exigimos mais dele, e exigimos mais e exigimos mais, e depois de cerca de um mês exigindo eu disse ‘Dane-se, ele está certo!’” (KRADY, 2013.)
A ofensiva ortodoxa
Reinhart e Rogoff são dois expoentes da linha dura ortodoxa, a primeira foi citada 16.647 em artigos acadêmicos desde 2008 e o segundo recebeu 22.910 citações no mesmo período. Ambos já foram assessores do Fundo Monetário Internacional e de organismos governamentais. São respeitados economistas, no topo da carreira, e encontram-se há anos em uma cruzada contra os altos índices de endividamento público nos Estados Unidos e na Europa.
O trabalho de Reinhart e Rogoff impressiona à primeira vista. Reunindo dados de 44 países referentes a um período de cerca de 200 anos a pesquisa incorporou mais de 3.700 observações anuais. Informações econômicas de países de diferentes regimes políticos, graus de desenvolvimento, participação no comércio internacional, instituições, taxas de câmbio e formação histórica foram colocadas lado a lado de modo a permitir um amplo estudo comparativo sobre as relações entre débito público, inflação e crescimento econômico.
Os estudos publicados por esses professores (2010a e 2010b) trabalharam com essa base de dados, tabulando informações sobre um número menor de países: 20 economias avançadas para o período de 1946-2009 e 20 economias emergentes para o período 1970-2009 (cf. 2010b). Os países foram, então, classificados, ano a ano, em uma das quatro categorias de endividamento público previamente estabelecidas por esses autores: menos de 30% do GNP, entre 30% e 60%, entre 60% e 90% e mais de 90%. Os principais resultados da pesquisa podem ser assim resumidos:
1) “enquanto o nexo entre crescimento e débito parece relativamente fraco em níveis ‘normais’ de débito, a mediana da taxa de crescimento para países com débito superior a 90% do PIB é 1% menor do que nos demais.” (2010, p. 573).
2) “a relação entre débito público e crescimento é claramente similar entre mercados emergentes e economias avançadas.” (Idem.)
3) “Não encontramos relação sistemática entre níveis elevados de débito e inflação para o grupo das economias avançadas (entretanto alguns países individuais são exceção, como os Estados Unidos). Em contraste, em mercados emergentes, níveis elevados de débito público coincidem com inflação eleveda.” (Idem.)
Deve-se destacar, entretanto, que Reinhart e Rogoff não se detiveram na análise da direção da relação entre débito e PIB, assumindo que o débito é a variável independente, ou seja, o PIB desaceleraria ou decresceria porque o débito aumenta e não o contrário. Desse modo, simplesmente ignoraram a possibilidade, nesse estudo, de que o débito aumentasse como consequência da desaceleração ou do crescimento negativo do GNP. Os dados nos quais essas conclusões se encontram baseadas podem ser vistos de modo esquemático nas Tabelas 1 e 2 (REINHART; ROGOFF, 2010b, p. 25):
Tabela 1 – Crescimento do PIB e nível de débito
(média da variação anual dos países selecionados)
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Tabela 2 – Inflação e nível de débito
(média da variação anual dos países selecionados)
130503-tabela2
Percebe-se que, de acordo com esses dados a relação entre dívida pública e crescimento econômico não se altera substancialmente nos países enquanto a primeira estiver entre 30% e 90% do PIB. Mas o crescimento econômico cai abruptamente, e nos países avançados se torna -0,1%, quando o deficit público ultrapassa o nível de 90% do GDP. As conclusões apresentadas pelos economistas de Harvard desaconselhariam fortemente o aumento do endividamento como parte de uma política de combate à crise. Assim que ultrapassasse a marca de 90% do GDP a dívida se tornaria uma barreira ao crescimento e não um estímulo.
Por essa razão, segundo Reinhart e Rogoff os governos teriam agido de um modo que impedira o combate eficaz a crise. O débito público cresceu significativamente desde 2007 na amostra dos países utilizadas na pesquisa. Cinco países que vivenciaram “crises financeiras sistêmicas” após 2007 – Finlândia, Irlanda, Espanha, Reino Unido e Estados Unidos — aumentaram entre 2007 e 2009 os níveis médios de endividamento em 75%, um índice que se aproxima assustadoramente daquele que teve lugar na crise do pós-guerra, quando o débito cresceu um total de 86% nos três anos subsequentes (ver REINHART; ROGOFF, 2009).
Ao contrário do recomendado pelo senso comum, a pesquisa de Reinhart e Rogoff aponta para a conclusão de que o estímulo ao investimento público e o consequente endividamento como parte de políticas anticíclicas conspirariam contra os propósitos desejados. O artigo dos professores de Harvard foi amplamente utilizados pelos defensores da austeridade econômica e seus argumentos influenciaram, nos Estados Unidos, o comitê eleitoral do republicano Mitt Romney nas últimas eleições presidenciais. O debate continuou depois do pleito. No início de 2013, o deputado republicano Paul Ryan, presidente do the House Budget Committee e candidato a vice-presidente dos Estados Unidos na última eleição, apoiou-se fortemente no estudo de Rogoff e Reinhart para advogar cortes nos investimentos sociais. Segundo o deputado:
“Mesmo que a dívida elevada não cause uma crise, a nação poderá atravessar um longo e penoso período de declínio econômico. Um estudo muito conhecido, concluído pelos economistas Ken Rogoff e Carmen Reinhart confirma esta conclusão do senso comum. O estudo encontrou evidências empíricas conclusivas de que a dívida bruta (ou seja, toda a dívida que o governo tem, inclusive a dívida em fundos de investimento do governo) superior a 90% da economia tem um efeito negativo significativo sobre o crescimento econômico. Esta é uma má notícia para os Estados Unidos, onde a dívida bruta superou 100% do PIB no ano passado. (…) Essencialmente, o estudo confirmou que as dívidas maciças, do tipo que nossa nação está no caminho de acumular, estão associadas com ‘estagflação’ – uma mistura tóxica de estagnação econômica e o aumento da inflação.” (RYAN, 2013, p. 78)
O artigo de Rogoff e Reinhart tornou-se, também, referência incontornável para os economistas do Fundo Monetário Internacional (p. ex. KUMAR; WOO, 2010) e da Comissão Econômica Europeia (p. ex. BAUM; CHECHERITA-WESTPHAL; ROTHER, 2012), os quais tem defendido firmemente o corte de investimentos sociais para conter a crise econômica. Enfim, tratava-se de mais um caso de sucesso acadêmico da ortodoxia econômica e seus autores colocavam-se na fila para um futuro Prêmio Nobel de Economia. Isso até Herndon começar sua pesquisa…
O contra-ataque heterodoxo
A primeira coisa que Herndon percebeu é que os dados não eram tão consistentes quanto os professores de Harvard faziam acreditar. Havia importantes lacunas nos dados de alguns países, o que comprometia alguns dos resultados obtidos. Os dados referentes aos Estados Unidos remontavam a 1946, mas para alguns países estavam disponíveis apenas a partir de 1957 e para a Itália somente depois de 1980. Havia, também, alguns saltos e inconsistências nos dados apresentados. Não havia dados da relação débito público/GNP para a França durante o período de 1973 a 1978. E alguns dados simplesmente não eram críveis, como o crescimento do GNP de Portugal entre 1999 e 2000 – assombrosos 25% (HERNDON; ASH; POLLIN, 2013, p. 5-6).
Apresar dos dados não serem plenamente confiáveis, Herndon aceitou-os como eram apresentados e não procurou corrigi-los. Mas os problemas continuavam. O jovem estudante também percebeu que alguns países simplesmente desapareciam das contas em alguns anos. Era o caso da Austrália (1946-1950), Nova Zelândia (1946-1949) e Canadá (1946-1950). A exclusão da Nova Zelândia afetava particularmente os resultados, uma vez que nesses anos ela combinou um deficit público superior a 90% com altas taxas de crescimento econômico, o que contrariava o argumento de Reinhart e Rogoff.
Hendron continuou, então, sua pesquisa, mas sua surpresa só se tornou maior. Ele descobriu que um erro primário de código na planilha utilizada pelos economistas simplesmente excluía os cinco primeiros países em ordem alfabética do cálculo. Ficaram assim de fora das contas Austrália, Áustria, Bélgica, Canada e Dinamarca. Essa exclusão fazia com que o GNP dos países com débito público superior a 90% fosse 0,3 pontos percentuais a mais do que nas contas deReinhart e Rogoff (idem, p. 7).
Por último, Hendron revelou um esdrúxulo procedimento metodológico que atribuía o mesmo peso nos cálculos de Reinhart e Rogoff a coisas muito diferentes. Em suas contas os economistas de Harvard tomavam o GNP de cada país-ano e o alocavam em uma das quatro categorias. A seguir tomavam todas as aparições de um país em uma categoria e faziam uma média aritmética simples do crescimento do GNP desse país nessa categoria. Assim, por exemplo, a Inglaterra aparecia 19 vezes na categoria de débito superior a 90%. Os autores, então tomaram os 19 valores do GNP, estabeleceram a média e obtiveram o resultado de 2,4%. O problema está em que o número de aparições de cada país em uma categoria variava muito. Os Estados Unidos apareciam somente quatro vezes na categoria de débito superior a 90% e nesses anos a média de crescimento foi -2,4%. Ou seja, o número de anos nos quais um país entrava em uma categoria não era um fator de ponderação.
O impressionante é que Reinhart e Rogoff não justificaram sua decisão de estabelecer a média por país e não por país-ano, como seria mais adequado. Mas as distorções provocadas por esse procedimento eram enormes. Por exemplo, a já citada Inglaterra teve, como visto dívidas grandes, superiores a 90% do GNP durante um longo período de tempo, mas conseguiu um crescimento médio de 2,4. A Grécia teve um elevado deficit, superior a 90%, durante o mesmo número de anos – 19 – e também obteve neles um crescimento médio positivo – 2,9%. Por outro lado, a Nova Zelândia teve em apenas um único ano um deficit superior a 90% e nele amargou uma queda de -7,6% do GNP. Como os anos não foram ponderados, nas contas de Reinhart e Rogoff um ano da Nova Zelândia teve um impacto maior nos resultados obtidos que a soma de 19 anos da Inglaterra com os 19 anos da Grécia!
Identificados os erros, Hendron pôde refazer os cálculos. Estabeleceu, primeiro uma metodologia que ponderasse o número de anos que cada país comparecia em uma dada categoria, corrigiu o erro de código da planilha e as exclusões de países e anos, bem como alguns erros de digitação de dados que conseguiu detectar. Em nenhum momento Hendron substituiu dados ou acrescentou outros que não estivessem previamente na base de dados de Reinhart e Rogoff. Tratou-se, assim, de uma replicação rigorosa da pesquisa corrigindo os sérios problemas metodológicos que ela apresentava. Os resultados obtidos podem ser apreciados na Tabela 3.
Tabela 3 – Crescimento do PIB e nível de débito (1946-2009)
(variação anual dos países selecionados)
130503-tabela3
Como visto, em vez de uma queda de -0,1% no GNP, os países com um endividamento superior a 90% do GNP tiveram um crescimento médio de 2,2%. Trata-se de um crescimento menor do que os países menos endividados, mas, ainda assim, uma elevação do produto. Os dados não poderiam, da forma apresentada por Herndon ser utilizados pelos defensores da austeridade econômica como até o momento foram aqueles expostos por Reinhart e Rogoff.
Quanta precarização?
Embora em 2012 os Estados Unidos tenham dado alguns sinais de recuperação econômica, a crise econômica está muito longe de ser superada. A resposta que tem sido dada combina aumento do deficit público, utilizado para salvar bancos e grande corporações, com cortes em investimentos sociais. O governo Barack Obama, o mesmo que destinou U$ 400 bilhões na operação de resgate do Fannie Mae e do Freddie Mac e destinou outros U$ 968 bilhões para salvar as grandes corproações por meio do American Recovery and Reinvestment Act of 2009, propôs cortes substanciais nos principais programas de assistência aos trabalhadores o Social Security e o Medicare.
A precarização do trabalho aumentou consideravelmente nos últimos anos, sem que as inciativas governamentais, voltadas a proteger as corporações em vez dos trabalhadores, tenham minimizado os efeitos perversos da crise sobre a vida dos mais pobres. Generalizaram-se os casos de lay-off, como na New York State Thruway Authority onde 234 trabalhadores perderam seus empregos em março. Em 2012, segundo o Bureau of Labour Satistics, houve 6.051 casos de layoffs que resultaram na separação de 1.152.258 pessoas de seus postos de trabalho, um número superior ao do ano anterior. Também se tornaram cada vez mais frequentes os casos dewage theft – o subpagamento ou não-pagamento de salários devido – principalmente no setor de restaurantes e na construção civil.
A pergunta que não quer calar é aquela feita por Dean Baker, do Center for Economic and Policy Reasearch: “Quanto desemprego foi causado pelo erro de aritmética de Reinhart e Rogoff?”
Alvaro Bianchi é cientista político e co-editor do Blog Convergência
Referências bibliográficas
BAUM, Anja, CHECHERITA-WESTPHAL, Cristina D.; ROTHER, Philipp. Debt and Growth: New Evidence for the Euro Area. ECB Working Paper, n. 1450, Jun. 28, 2012. Disponível em: http://ssrn.com/abstract=2094998
BAKER, Dean. How Much Unemployment Was Caused by Reinhart and Rogoff’s Arithmetic Mistake? Beat the Press, Apr. 16, 2013. Disponível em: http://www.cepr.net/index.php/blogs/beat-the-press/how-much-unemployment-was-caused-by-reinhart-and-rogoffs-arithmetic-mistake
HERNDON, Thomas; ASH, Michael; POLLIN, Robert Does High Public Debt Consistently Stie Economic Growth? A Critique of Reinhart and Rogoff. Working Paper Series/Political Economy Research Institute/University of Massachussets-Amherst, n. 322, Apr. 2013.
KRUDY, Edward. How a student took on eminent economists on debt issue — and won. Reuters, New York, Apr 18, 2013. Disponível em: http://in.reuters.com/article/2013/04/18/global-economy-debt-herndon-idINDEE93H01120130418
KUMAR, Manmohan; WOO, Jaejoon. Public Debt and Growth. IMF Working Papers, n. 10/174, p. 1-47, Jul. 2010. Available at SSRN: http://ssrn.com/abstract=1653188
REINHART, Carmen M.; ROGOFF, Kenneth S.. The Aftermath of Financial Crises. The American Economic Review, v. 99, n. 2, p. 466-472, May 2009.
REINHART, Carmen M.; ROGOFF, Kenneth S.. Growth in a Time of Debt. The American Economic Review , v. 100, n. 2, p. 573-578, May 2010a.
REINHART, Carmen M.; ROGOFF, Kenneth S.. Growth in a Time of Debt. Working Paper National Bureau of Economic Research, n. 15639, 2010b.
RYAN, Paul. (2013). The Path to Prosperity: A Blueprint for American Renewal. Fiscal Year 2013 Budget Resolution. Washington D.C. House Budget Committee: 2013.
Disponível em: http://outraspalavras.net/posts/austeridade-historia-de-uma-fraude-teorica/
CNMP manda procurador explicar por que negou à defesa de Lula acesso a autos
Quando membros do Ministério Público conduzem investigações por conta própria, têm o dever mínimo de explicar a advogados o motivo para negar acesso aos autos, como medida de transparência da instituição. Assim entendeu o Conselho Nacional do Ministério Público, nesta terça-feira (21/6), ao determinar que a Procuradoria da República no Distrito Federal justifique o motivo para rejeitar pedido apresentado pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Quem deve cumprir a decisão é o procurador da República que hoje for responsável por um procedimento de investigação criminal aberto contra Lula. Por unanimidade, o Plenário atendeu pedido apresentado pelos advogados Roberto Teixeira e Cristiano Zanin Martins. Eles afirmaram que costumavam consultar os autos regularmente, até o procurador Douglas Ivanowski Kirchner passar a atuar no caso.
Para os advogados, a negativa de Kirchner descumpriu a recente Lei 13.245/2016, que fixa expressamente o direito de acesso a todos os documentos de uma investigação, tanto em delegacias de polícia como em outras instituições.
O conselheiro Leonardo Carvalho, relator do caso, afirmou que nem sempre decisão contrária à defesa viola a lei, pois a própria norma abre exceção quando houver risco de comprometimento da eficiência, da eficácia ou da finalidade das diligências.
“Logo, o que se vê foi a ausência de justificação para o indeferimento do acesso conforme preconizado pelo STF [na Súmula Vinculante 14] e nos exatos termos da Lei 13.245/2016, que só permite a negativa do acesso quando houver risco de comprometimento da eficiência, da eficácia ou da finalidade das diligências. A despeito do membro ter apresentado nestes autos os motivos para indeferimento do acesso aos advogados, uma fundamentação mínima deveria ter sido explicitada”, afirmou.
A defesa reclamava ainda de que, embora tenha tido dificuldades na consulta aos documentos, cópias da mesma investigação vazaram à revista Época. Mesmo sem elementos para acusar o procurador de ter fornecido as informações à imprensa, Teixeira e Zanin consideraram que era responsabilidade dele impedir o repasse do material sigiloso.
O relator disse que não poderia responsabilizar Kirchner pelo vazamento, pois não há indícios relacionados ao procurador e ele mesmo pediu a instauração de investigação para tentar descobrir quem informou a revista. Carvalho concluiu também que “foge à competência do conselho, como órgão administrativo, determinar que se conceda o acesso aos autos”.
Clique aqui para ler o voto do relator.
Processo 1.00092/2016-93
http://www.conjur.com.br/2016-jun-21/cnmp-manda-procurador-explicar-negou-lula-acesso-autos

Os togados do STF nunca foram tão subservientes. Por Carlos Fernandes



Postado em 29 May 2016
Uma vergonha
Uma vergonha
Existe uma vasta literatura sobre a contribuição da Suprema Corte para o golpe de 64. Desde a condescendência do STF com a conspiração política que levou à ditadura militar até à sua postura, digamos, decorativa, sobre as atrocidades cometidas pelo regime.
Raros foram os ministros que não se acovardaram diante das imposições dos generais. O caso mais famoso refere-se ao ministro Adauto Lúcio Cardoso quando da aprovação, pelo plenário do Supremo, da chamada Lei da Mordaça.
O decreto-lei instituía a censura prévia dos originais de qualquer livro antes de sua publicação. Revoltado com a decisão da maioridade de seus pares, o ministro tirou a sua toga, jogou-a à mesa e disse que jamais voltaria a pisar naquela casa.
Simbolicamente, o ato de Adauto Cardoso queria dizer que era preferível estar nu a estar vestido com aquela toga, que a rigor, representava tão somente a subserviência de seus usuários aos golpistas da época.
No golpe em curso de 2016 o papel do STF é ainda mais ultrajante. Se em 1964 o general Castello Branco, para manter uma maioria no supremo com obediência canina, precisou aumentar de 11 para 16 o número de ministros, desta vez a corte não só apóia quanto, ela mesma, conspira.
A visita do ministro Gilmar Mendes na calada da noite ao líder golpista, Michel Temer, em pleno Palácio do Jaburu é a celebração do escárnio e a tradução mais verossímil do pacto golpista nas entranhas do poder judiciário.
Despido de qualquer pudor, Gilmar, e por consequência, todo o STF, já nem desfaçam a sua participação ignóbil no atentado contra aquilo que deveriam proteger às últimas consequências: a Constituição Federal.
Ao que parece, uma vez descobertos nas gravações de Machado – às quais o decano Celso de Melo não se mostrou tão corajoso para defender sua instituição quanto no caso em que Lula os chamou de acovardados – deixaram de lado qualquer decoro protocolar e se apresentam abertamente como vivandeiras do golpe.
Veio a público o que o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, foi tratar com Dilma na visita que fez à legítima presidente do Brasil: dinheiro. Segundo nota oficial, o encontro de Gilmar e Temer se deu para tratar do orçamento destinado às eleições municipais em outubro próximo. Dinheiro propriamente dito.
Ainda assim, em se tratando de Gilmar e Temer, numa reunião às escondidas, em dia e horário questionáveis, a desculpa é risível, mas seja qual tenha sido o real motivo do encontro furtivo, uma coisa é certa, não se tratou de democracia, legalidade, honra, respeito ou dignidade.
Definitivamente, os ministros do STF nunca desonraram tanto a toga que vestem. Diante dos absurdos que o Supremo Tribunal Federal vem cometendo reiteradamente, seria o caso de alguém se levantar, tirar sua toga, jogá-la à mesa e nunca mais voltar àquela casa. Mas isso é pra quem realmente defende a CF. Não é o caso dos atuais ministros.