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domingo, 28 de fevereiro de 2016



Lula's speech yesterday on the 36th birthday of the PT, is a demonstration that will not be easy to arrest him as either the neofascist task force of the car wash operation based on assumptions or conclusions in collusion with the PIG or Party Fascist Press!
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sábado, 27 de fevereiro de 2016

Arrogancia
Cena de "Salò, ou 120 dias de Sodoma", de Pier Paolo Pasolini
Cena de “Salò, ou 120 dias de Sodoma”, de Pier Paolo Pasolini
Expande-se, num mundo em crise, a ideia destrutiva de que poder e riqueza não têm limites; de que o outro pode ser convertido em objeto de prazer perverso. Há antídotos: a democracia e a compaixão
Por Eugène Enriquez | Tradução: Yolanda Vilela 
O sexto texto da série Ensaios sobre a Arrogância é de autoria de Eugène Enriquez, professor emérito de sociologia da Universidade Paris-Diderot. O texto parte da teoria da democracia para pensar o surgimento do campo da psicologia social como uma tentativa de resposta à arrogância. A crescente e atual expansão da arrogância interpela o ideal de igualdade da democracia. Se considerarmos que a democracia é por definição o regime no qual as diferenças convivem, que ela historicamente superou a hierarquia baseada no sangue, haveria lugar para a expressão da arrogância na democracia? “Exercício arbitrário de um poder sobre outrem”, visando a “despossuí-lo parcial ou completamente de sua característica de homem livre”, a expressão da arrogância tem por fonte principal uma assimetria baseada na associação entre a riqueza e o poder. Enriquez destaca ainda a atualidade de Sade (1740-1814)*, pois o homem, esse ser do excesso, que deseja a riqueza desmedida ou a paradoxal propriedade ilimitada, se encaixa no modelo de desejo onipotente e de volúpia contínua da “libertinagem”, que transforma os outros em simples instrumento para gozar um prazer perverso. (Myriam Bahia Lopes)

A Arrogância nos grupos

Parece-me importante precisar, antes de qualquer desenvolvimento, o sentido do termo arrogância. Este não deve ser confundido com palavras como orgulho, desdém, desprezo, sentimento de superioridade etc. Por uma razão essencial: é o único que qualifica a ascendência sobre o outro, o rapto de sua individualidade. Arrogância signifca exercer arbitrariamente um poder sobre outrem, despossui-lo parcial ou completamente de sua característica de homem livre.
Esse termo, que parecia reservado às sociedades altamente hierarquizadas, retorna atualmente de forma importante em nossas sociedades democráticas e nos interroga sobre o seu futuro.
A arrogância ligada às sociedades altamente hierarquizadas
O fato de nessas sociedades os homens poderem dar provas de arrogância em relação a outros parece ser algo natural. O estatuto que lhes confere o nascimento, a riqueza, o mérito reconhecido e o favor dos mais poderosos permite que eles tratem os outros com condescendência (desprezando-os e humilhando-os muitas vezes), pois estão seguros de suas posições, o que lhes dá precedência sobre os outros.
Nesse tipo de sociedade, as práticas mais violentas (que chegam à tortura e ao crime), evocadas nas obras de Sade (1740-1814), são comuns. As pessoas “importantes” podem, com efeito, se deixar levar impunemente por uma libertinagem que não tem nada de leve, visto que elas não estão no mesmo patamar que o mais comum dos mortais.
Encontraremos igualmente essa segurança tranquila nas sociedades em que as mulheres não têm direito algum, ou poucos direitos, nas quais elas correm o risco de serem violentadas ou em que temem ser mortas. Naturalmente, a arrogância que contém em seu cerne a possibilidade assassina não cede sempre a esse excesso. Nas comunidades camponesas, tão louvadas (frequentemente sem razão) por Tönnies (1855- 1936), existe uma hierarquia estrita das funções e, acima de todos, estão o senhor, o fidalgo provinciano e o padre, aos quais todos devem deferência, e eles fazem sentir a sua superioridade em todas as circunstâncias.
A arrogância vai se exprimir particularmente nas relações “face a face” ou nos pequenos grupos, onde é mais fácil manter tal postura, do que nas relações à distância. Nesses últimos anos, temos sido particularmente afetados pelo desdém, pela vontade de humilhação, mas é possível, longe das observações mordazes, manter um certo limite de “estima de si”. A distância tem um caráter protetor.
A arrogância, postura normalmente proscrita nas sociedades democráticas
Como a democracia é formalmente o reino da liberdade de cada um, ela não pode, em hipótese alguma (ao menos teoricamente), produzir arrogância, visto que ninguém pode abandonar a “propriedade de si” (R. Castels e Cl. Haroche).
Além do mais, cada pessoa que esteja vivendo “uma igualdade de condições” é igual a outra, ou seja, um semelhante, e não um superior ou um inferior. Sobre isso Tocqueville (1805-1859) escreveu:
[…] os gênios mais profundos e vastos de Roma e da Grécia nunca conseguiram chegar a essa ideia tão geral e ao mesmo tempo tão simples que é a similitude dos homens. Nos povos aristocráticos, cada casta tem suas opiniões, seus sentimentos, seus direitos, seus costumes, sua existência à parte… os semelhantes são vistos somente nos membros de cada casta… quando, ao contrário, as classes são mais ou menos iguais em um povo… cada um pode julgar, em um momento dado, as sensações de todos os outros; cada um dá uma olhada rápida sobre si mesmo; isso basta. Não há, portanto, miséria que não se conceba sem pena e cuja extensão não seja mostrada por um instinto secreto (TOCQUEVILLE, p. 171-174).
Assim, Tocqueville mostra que a compaixão se torna um elemento central das sociedades democráticas, pois ela está ligada à maneira segundo a qual cada um é afetado pelo que acontece com um outro pouco diferente de si mesmo.
Além disso, ele observou que os americanos não viviam somente como iguais, mas também como indivíduos que buscam a companhia de outrem, tanto nas relações bilaterais quanto nos grupos que eles forjavam em todas as circunstâncias, como se o fato de serem reconhecidos como “sujeitos” devesse levá-los, necessariamente, não a cultivar sua singularidade, mas, ao contrário, sua similitude, seu conformismo, criando comunidades onde cada um se sentisse confortável.
Como ele ressalta, a república não deve ter lutado, como na Europa, contra o princípio monárquico. O que explica a preeminência da sociedade civil sobre o Estado. Ora, para que haja sociedade civil é preciso que ela seja o produto “de crenças semelhantes e de ações comuns resultando da similitude dos sentimentos e da semelhança das opiniões”.
O contrário sobreveio na Europa. O que explica a tentativa revolucionária constante nos países europeus, que devem sempre se opor à tendência dos chefes a recriar Estados hierarquizados e promover arrogância, orgulho e humilhação. Certamente, o quadro desenhado por Tocqueville é um pouco idealizado. Contudo, em suas linhas gerais, ele continua sendo pertinente.
O que precede faz-nos compreender melhor as razões pelas quais a psicossociologia se desenvolveu inicialmente nos Estados Unidos.
A psicossociologia como construção do grupo em que cada sujeito é respeitado como igual a qualquer
outro
Trata-se aqui simplesmente de mostrar que o projeto da psicossociologia conforme ao ideal americano é amplamente difundido na Europa, em particular, e que ele visa estabelecer uma democracia real entre todos os indivíduos que participam de agrupamentos diversos.
Os americanos se deram conta de que havia desigualdades “sociais” e que estas podiam ocasionar formas de superioridade (de arrogância) inaceitáveis pela população. Um despotismo sutil pode se estabelecer a partir da produção e da posse das riquezas. Eles fizeram essa constatação ao mesmo tempo que os europeus. Mas, ao passo que estes deram um lugar essencial à transformação das estruturas sociais, os americanos voltaram- se para uma mudança das “subjetividades” e das “relações humanas”.
Como é impossivel transformar todo o mundo, os psicossociólogos fizeram, sob a impulsão de Kurt Lewin (1890-1947), o projeto de formar “agentes de mudança” que levariam outras pessoas a adotar atitudes mais compreensíveis em relação a seus colaboradores. A psicossociologia se estabelecia como um método e uma ética “de aprendizagem da democracia”.
A invenção e a difusão do “training group”, pelos alunos de Lewin, foram o elemento dinâmico dessa psicossociologia democrática que favorecia, nos indivíduos, um novo questionamento de suas “conservas culturais” (expressão de J. L. Moreno / 1889 -1974), uma exploração de seus sentimentos negativos e a passagem progressiva para sentimentos positivos entres os membros do grupo e a tomada de decisões coletivas pertinentes. Consequentemente, toda arrogância de uma ou várias pessoas devia ser (teoricamente) deinitivamente banida.
O movimento não diretivo de Carl Rogers (1902-1987) foi ainda mais longe. Ele privilegiou a expressão das emoções a fim de favorecer uma melhor “compreensão” entre os membros do grupo. Assim, estes serão levados a se libertar das atitudes “avaliativas”, consideradas como um bloqueio a uma verdadeira comunicação, e de comportamentos de desconfiança em relação a outrem, cuja diferença é sempre propensa a provocar angústia e medo. Eles poderão, consequentemente, escutar melhor uns aos outros, desenvolver sentimentos amistosos e facilitar a tomada de decisões coletivas pertinentes.
Atualmente, os psicossociólogos, sobretudo ingleses e franceses, são menos “ingênuos”. Eles se deram conta de que os sentimentos exprimidos não eram os únicos a irrigar os grupos e que era indispensável levar em conta interesses em jogo, que podem gerar confitos estruturais, e astúcias do inconsciente, que podem fazer prevalecer as pulsões destrutivas sobre a pulsão de vida.
Além disso, como os “institucionalistas” enfatizaram, é necessário preocupar-se com a maneira pela qual as instituições (nas quais os grupos agem) foram instauradas, se transformam ou perderam sentido [vider de l’in- térieur] (Nietzsche) e também com as normas que elas promulgaram.
O fato de se colocar pessoas em grupo não culmina obrigatoriamente numa melhor compreensão mútua nem no desaparecimento de manifestações de arrogância nem tampouco em decisões ideais.
O que nos dizem as sociedades « arcaicas »
Claude Lévi-Strauss (1908-2009), em seus estudos sobre as tribos indígenas do Brasil, comparou-as a “relógios”, ao contrário de nossas sociedades, que funcionariam como “máquinas a vapor”. Essas sociedades “selvagens” são, portanto, pouco instáveis, elas vivem mais sob o registro da reprodução (dos mitos e dos ritos, do modo de divisão do trabalho entre os sexos, da atribuição de status particulares, por exemplo: Xamã) do que sob o registro do movimento. Logo, elastêm poucas decisões a tomar. A maior parte do tempo elas contam com os costumes, com os gestos e com as palavras que tão bem escandiram a sua existência.
Quando, excepcionalmente, ela tem que tomar decisões, a comunidade dos homens se reúne e se põe a falar, a trocar palavras o tempo que for preciso para que se chegue a uma decisão coletiva ou, ao menos, a uma decisão aceitável pelo conjunto dos membros. Quando ela tiver conseguido criar um “estado de unanimidade” (Lévi-Strauss), ela poderá estudar lucidamente o problema que os reúne (por exemplo: mudança de território) trocando argumentos racionais. A decisão final será, então, aceita e colocada a trabalho pelo conjunto da comunidade.
P. Clastres (1934-1977) dará continuidade à obra de Lévi-Strauss. Ele mostrará em A sociedade contra o Estado, que as tribos brasileiras por ele estudadas não conhecem o Estado porque são visceralmentecontra todo poder transcendente separado. O chefe não comanda, ele tem apenas um “dever de palavra”. O que ele diz é perfeitamente conhecido de todos. Assim, quando fala, ele quase não é escutado. O discurso do chefe se resume a lembrar os mitos da tribo, a evocar seu nascimento, seus costumes e a dizer que os membros das tribos devem continuar a viver como os seus ancestrais. Ele [o chefe] não deve trazer nenhum elemento novo ao seu discurso. Ele não passa de um recitante da gesta de seu povo.
Em seu artigo “O infortúnio do guerreiro selvagem”, P. Clastres, que mostrara anteriormente o caráter agonístico das comunidades primitivas, se interroga sobre o grupo de “guerreiros” que possui, no interior da tribo, o estatuto mais elevado e que, no entanto, quase não é procurado.
A razão disso é simples: para que o guerreiro seja admirado, é necessário que ele realize feitos extraordinários sozinho. Ele deve ir de façanha em façanha, das mais fáceis (matar um inimigo e escalpá-lo) às mais temerárias (atacar sozinho uma tribo em seu território). Assim, tendo que se superar sempre, o guerreiro sabe que, um dia, contra inimigos reunidos, ele só poderá ser morto. Ser um guerreiro, diz Clastres, é ser um “ser-para-a-morte”. Ele poderá, talvez, dar provas de arrogância enquanto for aclamado. Mas, ele pagará um preço alto por isso. Compreende-se, então, por que o estatuto de guerreiro é poucoinvejável.
Assim, vemos que, nessas tribos, ninguém, nem chefe nem guerreiro, pode se instalar numa posição constante de superioridade ou manifestar arrogância (exceto excepcionalmente). Os membros da tribo são membros de um coletivo. Eles não devem se esquecer disso.
Para melhor compreender os casos em que a arrogância pode se manifestar é preciso explorar, inicialmente, as origens da arrogância.
As origens da arrogância
A) As origens psicológicas
  1. A mônada psíquica
infans (a criança antes da fala) pode ser caracterizado como um ser habitado por um “sentimento oceânico”, pois ele não distingue o dentro e o fora, o que, consequentemente, faz com que ele não conheça os limites de seu corpo, do qual, aliás, ele não tem consciência. Ele funciona como uma “mônada psíquica” (Castoriadis / 1922-1997) centrada em suas sensações de prazer, quando seus educadores se ocupam ativamente dele, colocando-o no centro do mundo, e em suas sensações de desprazer, de dor psíquica e física, quando se sente abandonado, jogado num universo hostil.
infans quer tudo imediatamente. Ele tenta viver a “onipotência” sobre um fundo real de total impotência, na medida em que a criança [petit d’homme] não tem a possibilidade de cuidar de si mesma. Quando ele começa, progressivamente, a estabelecer “relações objetais”, permitindo que a palavra de outrem o penetre, ele passa a compreender que não é o centro do mundo e que, para existir, precisa do outro, com o qual poderá se identificar, [outro] que tem seus proprios desejos e que pode reconhecê-lo ou negá-lo. Termina assim o sentimento de onipotência, ainda que isso leve tempo. Antes disso, a criança terá começado a forjar para si um “eu ideal”, resto da onipotência suposta que se atenuará ou se apagará durante a sua vida, mas que pode permanecer solidamente ancorada em alguns (como os “homens de poder”). Podemos até mesmo nos perguntar legitimamente se esse desejo de onipotência desaparece nos comuns mortais. Entretanto, na maioria dos casos, a passagem pelo “estádio do espelho” (Lacan / 1901-1981) irá favorecer, na criança, por antecipação, a percepção de seu corpo unificado, o reconhecimento do outro e pelo outro, e o estabelecimento de um narcisismo temperado, um “narcisismo de vida” (A. Green / 1927-2012) necessário para viver sem “Ego grandioso”, mas com estima de si.
Dessa forma, os homens que não renunciaram à fantasia e ao desejo de onipotência serão sempre levados a atitudes de arrogância em relação a outrem, em particular àqueles que em seus países são considerados “subalternos”.
  1. O homem, ser do excesso
Podemos ir mais longe ao consideramos as obras de Sade e Bataille (1897-1962). Sade proclama veementemente: os libertinos se conduzem como “Deuses”. Assim, eles são capazes de decretar suas próprias leis, que são leis apenas de seu desejo de onipotência e de volúpia contínua e que implicam a transformação dos outros em simples instrumentos de um gozo perverso.
Sade é um verdadeiro romancista kantiano. Ora, o objeto da razão é,para Kant (1724-1804), o único entendimento que rejeita todas as crenças e que é sistemático. O sistema deve ser mantido em harmonia com a natureza, da qual nos tornamos mestres somente ao obedecê-la. Seus princípios são esses da conservação de si. Para ser operante, o sistema deve permitir o cálculo, pois o cálculo é o elemento indispensável para a constituição de uma ciência. A razão emitirá apenas argumentos provados logicamente ou experimentalmente, jamais contaminados por sentimentos. A sequência dos princípios decorre logicamente daí. Se, [por um lado] podemos ver seres livres, [por outro] ninguém jamais viu seres iguais. Embora a razão seja o bem de todos, cada um a utiliza a seu modo.
Assim, os homens são desiguais por natureza e se nem sempre eles são capazes de se referir à razão e de dispensar  as paixões, é normal que os maisduros, aqueles que não são “perturbados pelas emoções e as paixões” governem, explorem e até matem aqueles que têm almas fracas.
Se forem livres, os homens podem querer aceder a uma liberdade total, não renunciar a nenhum de seus desejos e gozar constantemente por todos os meios. Eles são livres também para se vender a quem pagar mais e, desse modo, entrar no reino da “venalidade generalizada”.
Assim, sendo livres, todos os homens podem se elevar à altura dos libertinos e se permitir todos os excessos. Para Sade, ser republicano éestabelecer, é aprofundar as desigualdades entre os homens fortes, racionais e os homens fracos e sentimentais. É da natureza do homem tudo querer. O homem não é um ser submisso, o ser submisso não é um homem.
Não teríamos citado Sade se ele não tivesse sido um “profeta” dos tempos atuais, quando se desenvolve a arrogância mais pura dos homens mais ricos em relação aos mais pobres. Warren Buffet, terceira fortuna do mundo, diz: “Não há luta de classes, há uma guerra de classes. É a guerra dos ricos contra os pobres e os ricos estão vencendo”. Não se pode ser mais claro. Os “ricos” estarão (ou já estão) em condições de dominar, explorar, matar psiquicamente e às vezes fsicamente aqueles que são menos iguais a eles mesmos, a riqueza em nosso mundo vem substituir a “libertinagem” desmedida do mundo de Sade.
Embora fascinado por Sade, G. Bataille não pronuncia o mesmodiscurso. Certamente, ele também considera o homem um ser excessivo, mas, para ele, o excesso tem no horizonte a perda, o dispêndio, a ruina, a orgia, a falta. O homem é um ser que deve “soltar as amarras”, se “consumir” e viver “um erotismo que é a aprovação da vida até a morte”. Durante toda a sua vida, Bataille deu provas de uma lucidez e honestidade profundas. Ele quis ser tudo, mas no défcit, no inútil, no dispêndio. Na época da Acéphale (sociedade secreta), ele quase chegou a se sacrifcar fsicamente para selar o pacto comunitário. Ele nunca teve indulgência por aqueles que se acreditavam superiores. À razão ele opôs a paixão; à riqueza, o dom; ao poder, a perda, a insufciência. Como Sade, ele mostrou que o homem quer tudo, que ele é uma “mônada psíquica” obcecada pela onipotência; porém, ao contrário de Sade, [Bataille] mostrou que esta última só pode levar à catástrofe quando é posta em prática.
Em defnitivo, se o homem sonha ser Deus, ele deve se contentar em ser um homem “dentre os homens” (Sartre), vivendo em instituições duráveis fundadas, como ele, na aceitação da “autolimitação” e repudiando a arrogância, que não pode senão criar um mundo mortífero.
B) As origens sócio-históricas
  1. O dinheiro, a posse das riquezas
As sociedades democráticas viram o retorno da hierarquia. Sade já havia previsto que a tendência geral das sociedades era recriar hierarquias que repousam no poder do dinheiro e da produção industrial. Ele havia mostrado a homologia entre a produção de sentimentos e de prazer no século XVIII e a produção de instrumentos, de máquinas e de mercadorias. Os mestres estariam, portanto, aptos a colocar suas paixões ao serviço da produção industrial e da criação de riquezas.
No século XX, Claude Lévi-Strauss tenta dar uma forma invariante a essa intuição. Não pode, segundo ele, haver sociedades funcionando como “máquinas a vapor” sem que elas instaurem um ou mais “intervalos diferenciais”. O triunfo do capitalismo no século XIX ia dar razão a todos aqueles que viam que a base da hierarquia seria a possessão de riquezas. Para alguns, o dinheiro e os lazeres, para outros, o trabalho. Basta nos referirmos ao que escreviam Engels (1820-1895), Marx (1818-1883), Saint-Simon (1760-1825), etc., para compreender que o reino do dinheiro seria o mais terrível dos reinos. Depois do século XIX, as desigualdades entre classes, assim como as desigualdades entre nações só fizeram prosperar e a arrogância se legitimar. Pois, como considerar como semelhantes os pobres, os sem-domicílio, os miseráveis que vivem nas ruas ou os “assistidos”? Consequentemente, diminuíram-se as medidas de proteção social que permitiam que os “indivíduos por falta” nao fossem “desilhados” (R. Castel).
  1. A classe atribuída pela sociedade
Em certos casos, contudo, a riqueza nao basta. Ela poder ser combinada com uma classe oicial (ou implícita) para estar em condições de provocar submissão e deferência. Desse modo, as “grandes famílias” que, graças às heranças acumularam grandes fortunas, não são admiradas apenas por sua riqueza, mas pela duração dessa riqueza que lhes forneceu o equivalente em títulos de nobreza. Da mesma forma, pessoas de alto nível que perderam parte de sua fortuna conservam um lugar privilegiado na hierarquia social.
Pode-se constatar também que algumas pessoas provenientes de “meios simples ou médios” puderam, pelo mérito de uma carreira brilhante, chegar a ocupar funções que fazem esquecer suas origens modestas. Esse caso é mais raro e mais ambíguo (exemplo: o presidente Pompidou).
Acrescentemos que, algumas vezes, pessoas que tiveram uma vida marginal, habitualmente reprimidas, originárias da “ralé” [bas-fonds], emergem de repente e vêm tomar um lugar invejável na sociedade policiada. Marx percebeu muito bem que a alta sociedade nao passava do espelho “de antigos bandidos, traidores, mafiosos e uma apetência particular em relação a ela. Sendo assim, quando os indivíduos conseguem obter um certo nível na escala social, eles cedem frequentemente à tentação de olhar de cima e explorar seus antigos correligionários.
  1. A referência ao sexo
De modo geral, em todas as sociedades, os homens minoraram o papel das mulheres. As expressões arrogantes não faltam. Mas essa arrogância, atitude central, é pouca coisa quando comparada à posição verdadeiramente desvalorizada que é dada às mulheres em certos países.
Quando as mulheres são arrogantes em relação aos “inferiores”, homens, outras mulheres, é porque possuem riquezas, porque têm um nível elevado na sociedade ou porque sabem utilizar os recursos de seus charmes (que lhes ensinaram a cultivar) para manipular ou seduzir os outros.
  1. A dificuldade de pensar um mundo sem chefe, sem poder separado
Seremos breves quanto a essa dificuldade, pois ela foi frequentemente explorada com muita propriedade por analistas do poder. Quatro elementos entram aqui em jogo: (1) somente os atributos primitivos constituem comunidades, sociedades sem Estado. Todas as outras sociedades são sociedades de Estado, portanto, com poder separado. (2) O reforço de todos os Estados durante os séculos XX e XXI ocasionou uma grande quantidade de poderes e a construção de novas hierarquias. Pode-se verificar, assim, uma miríade de poderes que se sobrepõem e que por vezes se misturam. (3) A complexidade do desenvolvimento das grandes empresas favoreceu a criação de uma série de niveis na grande empresa (recentemente, a inflaçao burocrática diminuiu) que mesmo quando ela se inclina a tomar decisões coletivas, sua tendência é de endossar a responsabilidade de uma só pessoa. Os grandes, os médios e os pequenos chefes pululam e todos mostram ter ciúmes de suas parcelas de poder. (4) O fato de ter aparecido, no século XX, “grandes chefs” amados, exaltados e, em seguida, negados, rejeitados, acostumou-nos com um mundo de chefes, e não com um mundo que caminha para a autogestão.
A arrogância descerá na escala hierárquica. Pode-se constatar empiricamente que são os grandes chefes que tratam os outros (o nível diretamente subordinado) com comiseração (“meus homens”, “meus colaboradores”); da mesma forma, são os pequenos chefes que esmagam com seu desdém os poucos empregados que estão sob as suas ordens.
Assim, tanto as origens psicológicas como as origens sócio-históricas nos indicam que a arrogância pode se manifestar em todas as sociedades e em qualquer momento da história.
Os grupos arrogantes
Mas nem todos os grupos são arrogantes e nem todos os grupos são arrogantes em relação aos mesmos grupos. É preciso que examinemos as condições que favorecem a emergência da arrogância.
A) Os grupos que incitam a irrupção da arrogância em relação a outros grupos
O critério é simples: mais um grupo se fecha, e mais ele pensa ser dirigido por um homem (ou um grupo) encarnando a verdade, mais ele tende a recalcar as questões que o colocariam em perigo e mais ele terá tendência à arrogância.
Os grupos mais arrogantes se apoiam:
  1. Na religião
Os adeptos ortodoxos das religiões do livro (Judaísmo, Cristianismo, Islamismo) são particularmente arrogantes, visto que acreditam possuir todas as respostas para todas as questões, uma vez que elas estão inscritas nos livros sagrados ou são fornecidas pelos sábios que souberam comentar, interpretar e completar tais obras (rabinos célebres, concílios, eremitas). Quando as religiões “instaladas” parecem não mais responder validamente aos problemas atuais, as seitas com seus profetas e gurus farão o revezamento. Elas se mostrarão mais arrogantes do que as religiões codificadas, pois elas não comportam senão os eleitos que foram convertidos e que estão prontos a morrer por elas.
  1. Na ciência
A ciência em nosso mundo positivista é a referência absoluta. Os pesquisadores (os bons e os menos bons) são chamados a se pronunciar sobre os mais variados temas. Mesmo que eles desenvolvam teorias opostas, o grande público, incapaz de compreender os meandros da pesquisa cientifica, tem fé absoluta em seus dizeres. E apesar de todas as críticas atuais da ciência, o homem comum não está pronto a renunciar às suas ilusões.
  1. Na ideologia
A ideologia é preocupante somente quanto se apresenta como ciência ou como religião, quando lhes tomam emprestado a sua “verdade incontestável”. Se é normal que um ser humano tenha uma ideologia (uma maneira de pensar e de sentir), é igualmente normal que ele evolua, que se coloque em questão. É o que o ser arrogante não pode suportar, uma vez que ele estima ter sempre razão.
  1. Na competência
Embora vaga, a noção tem serventia diariamente. Assim, peritos serão ouvidos religiosamente. Ora, não é porque se é competente que não se pode dizer « asneiras » em seu campo de competência, ainda mais que esta é sempre questionada pela invenção de novas tecnologias e de novos métodos.
  1. Na encenação [mise en scène] nos grandes grupos
Nas manifestações, nas “grandes missas laicas”, o corpo de cada um desaparece na multidão, [que é] o único corpo aceitável. Dessa transformação, o chefe não é o único a tirar proveito ao seduzir a multidão. Os homens comuns [petits hommes], transfigurando-se de repente num grande corpo coletivo, estão certos de deter a verdade que se exprime em slogans. O grande grupo pode, então, dar provas de arrogância em relação a outros grupos que não souberam ouvir “a palavra da verdade”.
De toda forma, tanto nos grandes grupos como nos pequenos grupos certos de deter a verdade manifesta-se o espírito tribal, isto é, o conformismo mais absoluto. Ora, como diz Devereux (1908-1985), fiel a Freud (1856- 1939), que observara no nível das nações a existência de um “narcisismo das pequenas diferenças”: “Se não formos um habitante de Esparta ou de Atenas, um capitalista ou um proletário, estaremos muito perto de não sermos grandes coisas, e talvez de não sermos nada mesmo”.
Esses momentos de fusão, de “ilusão grupal” (D. Anzieu / 1923-1999) são, às vezes, somente momentâneos. Pode haver, nos grupos, uma tomada de consciência. Mas ela é sempre difícil, pois, como diz R. Kaës, os grupos evitam frequentemente os problemas inquietantes que poderiam ameaçar sua bela unidade instaurando um “pacto denegativo” que assim os protege de tomadas de consciência dolorosas.
Os grupos sobre os quais se exerce a arrogância
Grupos privilegiados suscitam a arrogância. Nós os mencionaremos brevemente.
    1. As mulheres
A arrogância de muitos homens em relação às mulheres pode ser sem limites. Como diz um provérbio árabe: “Bata em sua mulher todos os dias, se você não souber por que, ela sabe”. Observemos apenas que depois que as mulheres acederam à cena da grande e da pequena história, os atos agressivos em relação a elas se multiplicaram.
    1. Os povos ditos “inferiores”
Cf. Os textos de Yves Déloye e Stella Bresciani
    1. As outras nações
A globalização (fracassada) culmina num julgamento negativo generalizado entre as nações. Os grandes organismos internacionais e as grandes agências de avaliação de riscos não deixam de contribuir com essa difamação. O que explica as tentativas de fechamento em si mesmo ou de desprezo pelos outros.
4) As pessoas precarizadas ou de poucas posses e as pessoas em dificuldade
Cada vez mais, as pessoas em estado de precariedade ou ganhando pouco (a plebe), os desempregados, os que estão à procura de emprego suscitam irritação e os poderes públicos tendem a retirar delas as proteções sociais que lhes permitiam ter um papel de cidadãos.
Ao concluir, podemos fazer somente uma constatação. A arrogância não tende a desaparecer, ela tende, ao contrário, a se estender, pois entramos na era do triunfo da desconfiança e do salve-se quem puder. 0 egoísmo cresce, o pensamento está moribundo, a intolerância tende a se instalar. Como já disse o austríaco Karl Kraus (1834-1936), antes da Primeira Guerra Mundial: “Estaríamos assistindo aos últimos dias da humanidade”?

Nota
* Donatien Alphonse François de Sade, o Marquês de Sade (1740-1814)
Referências Bibliogrâicas
CLASTRES, P. A sociedade contra o estado [1974]. São Paulo: Cosac & Naify, 2012.
CLASTRES, P. O infortúnio do guerreiro selvagem [1980]. In:Arqueologia da violência. São Paulo: Cosac & Naify, 2004. TOCQUEVILLE, A. De la démocratie en Amérique, tome II. Paris:Éditions?/ année?, p. 171-174.
http://outraspalavras.net/destaques/arrogancia-desigualdade-e-excesso/

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016


ocidente está reduzido a canibalizar-se

por Paul Craig Roberts [*]
Rubens, 'Saturno devorando seu filho', 1636.Eu próprio, Michael Hudson, John Perkins e alguns outros, temos relatado os múltiplos saqueios de povos pelas instituições econômicas ocidentais, principalmente os grandes bancos de Nova Iorque com a ajuda do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Os países do terceiro mundo foram e são saqueados ao serem induzidos em certos planos de desenvolvimento. A governos crédulos e confiantes é-lhes dito que podem tornar os seus países ricos contraindo empréstimos externos para implementarem planos de desenvolvimento que as potências ocidentais apresentam e que teriam em resultado desse desenvolvimento económico suficientes receitas fiscais para pagamentos dos empréstimos externos.
Raramente, se alguma vez, isso acontece. O que acontece é que o país se torna endividado até ao limite, muito para além dos seus ganhos em moeda estrangeira. Quando o país é incapaz de satisfazer o serviço de dívida, os credores enviam o FMI ao governo endividado para dizer que o FMI poderá proteger o rating financeiro do governo emprestando-lhe dinheiro para pagar aos seus credores bancários. No entanto, as condições impostas são que o governo deverá tomar as necessárias medidas de austeridade a fim de poder pagar ao FMI.
Estas medidas consistem em restringir serviços públicos, o sector estatal, pensões de reforma e vender recursos nacionais aos estrangeiros. O dinheiro economizado pela redução de benefícios sociais e o obtido com a venda de ativos do país aos estrangeiros serve para pagar ao FMI.
Esta é a maneira pela qual historicamente o Ocidente tem saqueado países do terceiro mundo. Se o presidente de um país estiver relutante em entrar em tal negócio, ele simplesmente é subornado, como governos gregos foram, juntando-se ao saque do país que pretensamente representaria. Quando este método de saque se esgota, o Ocidente compra terras agrícolas forçando países do terceiro mundo a abandonarem uma política de auto-suficiência alimentar, produzindo uma ou duas culturas para exportação.
Esta política tornou populações do terceiro mundo dependentes das importações de alimentos do ocidente. Normalmente as receitas de exportação são captadas por governantes corruptos ou pelos compradores estrangeiros que pagam preços reduzidos pelas exportações enquanto os estrangeiros vendem alimentos demasiado caro. Desta forma, a auto-suficiência é transformada em endividamento.
Com o terceiro mundo explorado até aos limites possíveis, as potências ocidentais resolveram saquear os seus próprios países. A Irlanda tem sido saqueada, o saque da Grécia e de Portugal é tão severo que forçou um grande número de mulheres jovens à prostituição. Mas isso não incomoda a consciência ocidental.
Anteriormente, quando um país soberano se encontrava com endividamento superior ao que poderia suportar, os credores tinham que anular parte da dívida até um montante em que o país pudesse suportar. No século XXI, como relato no meu livro The Failure of Laissez Faire Capitalism, esta regra tradicional foi abandonada.
A nova regra é que a população de um país, até mesmo de países cujos dirigentes de topo aceitaram subornos para endividar o país a estrangeiros, deve ter as pensões de reforma, emprego e serviços sociais reduzido. Além disto, valiosos recursos nacionais como sistemas municipais de água, portos, lotaria nacional e espaços naturais protegidos, tais como as ilhas gregas protegidas, vendidas a estrangeiros, que ficam com a liberdade de aumentar os preços da água, negar ao governo grego as receitas da lotaria nacional e vender a imobiliárias o patrimônio nacional protegido da Grécia.
O que aconteceu à Grécia e a Portugal está em curso em Espanha e Itália. Os povos são impotentes, porque seus governos não os representam. E não se trata apenas de governantes que receberam subornos, os membros dos governos possuem a lavagem cerebral de que os seus países devem pertencer à União Europeia, caso contrário, serão ultrapassados pela história.
Os povos oprimidos e sofredores sofrem o mesmo tipo de lavagem cerebral. Por exemplo, na Grécia o governo eleito para evitar o saque da Grécia estava impotente porque a lavagem cerebral ao povo grego era para que custasse o que custasse deviam permanecer na UE. A junção de propaganda, poder financeiro, estupidez e subornos significa que não há esperança para os povos europeus.
O mesmo é verdade nos Estados Unidos, Canadá, Austrália e Reino Unido. Nos Estados Unidos dezenas de milhões de cidadãos dos EUA aceitaram tranquilamente a ausência de qualquer rendimento de juros sobre suas poupanças durante sete anos. Em vez de levantarem questões e protestarem, os americanos aceitaram sem pensar a propaganda de que a sua existência depende do êxito de um punhado de megabancos artificialmente criados, “grandes demais para falir”. Milhões de americanos estão convencidos de que é melhor para eles deixar degradar as suas economias do que um banco corrupto falir.
Para manter os povos ocidentais confusos sobre a real ameaça que enfrentam, é dito às pessoas que há terroristas atrás de cada árvore, de cada passaporte, ou mesmo sob cada cama, e que todos serão mortos a menos que o excessivo poder do governo seja inquestionável. Até agora isso tem funcionado perfeitamente, com falsas palavras de ordem, reforçando falsos ataques terroristas, que servem para evitar a tomada de consciência de que isto não passa de um embuste para acumular todos os rendimentos e riqueza em poucas mãos.
Não contente com sua supremacia sobre os “povos democráticos”, o “um por cento” dos mais ricos avançou com as parcerias Transatlântica (TTIP) e Transpacífica. Alegadamente, são “acordos de livre comércio” que beneficiarão a todos. Na verdade, são negociações cuidadosamente escondidas, secretas, que permitem o controlo de empresas privadas sobre as leis de governos soberanos.
Por exemplo, veio a público que no âmbito do TTIP o Serviço Nacional de Saúde no Reino Unido poderia ser regido por tribunais privados, instituídos no âmbito daquele tratado e, constituindo um obstáculo para seguros médicos privados, ser processado por danos a empresas privadas e até mesmo forçado à sua extinção.
O corrupto governo do Reino Unido sob o vassalo de Washington David Cameron bloqueou o acesso aos documentos legais que mostram o impacto da parceria transatlântica no Serviço Nacional de Saúde da Grã-Bretanha.
www.globalresearch.ca/…
Para qualquer cidadão de um país ocidental, que seja tão estúpido ou tenha o seu cérebro tão lavado para não ter percebido isso, a verdadeira intenção da política do “seu” governo é entregar todos os aspectos das suas vidas ao apoderamento de interesses privados.
No Reino Unido, o serviço postal foi vendido a um preço irrealista a interesses privados com ligações políticas. Nos EUA os republicanos e talvez os democratas, pretendem privatizar o Medicare e a Previdência Social, assim como privatizaram muitos aspectos das forças armadas e do sistema prisional. As funções do Estado tornaram-se alvos para o lucro privado.
Uma das razões para a escalada do custo do orçamento militar dos EUA é a sua privatização. A privatização do sistema prisional dos EUA resultou em que grande número de pessoas inocentes é enviada para a prisão e forçada a trabalhar para a Apple Computer, para empresas de vestuário que produzem para as forças armadas e para um grande número de outras empresas privadas. Os trabalhadores da prisão são pagos tão baixo quanto 69 centavos por hora, inferior ao salário chinês.
Isto é a América hoje. Policiais corruptos. Promotores de Justiça corruptos. Juízes corruptos. Mas máximo lucro para os capitalistas dos EUA a partir de trabalho nas prisões. Os economistas do livre mercado glorificaram prisões privadas, alegando que seriam mais eficientes. E na verdade são eficientes em fornecer os lucros do trabalho escravo para os capitalistas.
Mostramos uma reportagem sobre o primeiro-ministro Cameron negando informações sobre o efeito da parceria transatlântica TTIP no Serviço Nacional de Saúde britânico.
www.theguardian.com/…
O jornal britânico Guardian, que várias vezes teve de prostituir-se para manter um pouco de independência, descreve a raiva que sente o povo britânico pelo sigilo do governo sobre uma questão tão fundamental para o seu bem-estar. Contudo, continuam a votar em partidos políticos que têm traído o povo britânico.
Por toda a Europa, governos corruptos controlados por Washington têm distraído as pessoas sobre a forma como são vendidos pelos “seus” governos, concentrando a sua atenção nos imigrantes, cuja presença decorre de governos europeus representarem os interesses de Washington e não os interesses de seus próprios povos.
Algo terrível aconteceu à inteligência e a consciência dos povos ocidentais, que parecem já não ser capazes de compreender as maquinações dos “seus” governos.
Governo responsável nos países ocidentais é história. Apenas fracasso e o colapso aguarda a civilização ocidental.
[*] Foi secretário de Estado Adjunto do Tesouro para a política económica e editor associado do Wall Street Journal. Colunista na Business Week, Scripps Howard News Service e Creators Syndicate. Tem tido muitas intervenções em universidades. Os seus textos na internet são seguidos no mundo inteiro. Os livros mais recentes de Paul Craig Roberts são The Failure of Laissez Faire Capitalism and Economic Dissolution of the West ,   How America Was Lost   e   The Neoconservative Threat to World Order .
O original encontra-se em www.paulcraigroberts.org/ . Tradução de DVC.
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/
http://www.patrialatina.com.br/o-capitalismo-na-sua-fase-autofagica-o-ocidente-esta-reduzido-a-canibalizar-se/

Primeiro dever fundamental do Supremo Tribunal Federal é dizer não

A Constituição brasileira, assim como a de vários outros países, assegura uma enorme gama de direitos aos cidadãos. Temos constitucionalmente garantido o direito à vida, intimidade, legalidade, isonomia, saúde, educação, e por aí vai. Esse é um aspecto vastamente tratado pela doutrina. Assegurar direitos é algo sempre muito prazeroso — quem não quer ter direitos?
Por outro lado, as constituições também impõem deveres, dentre eles o de pagar tributos, sem os quais o Estado deixa de existir, e o governo não pode governar. Existem outros, tal como o de prestar serviço militar, o de trabalhar como mesário nas eleições, ou servir no tribunal do júri. Deveres individuais ou coletivos são menos estudados pela doutrina e até mesmo um pouco esquecidos pelas pessoas, que não são muito afeitas a serem obrigadas a fazer algo, ou a cumprir regras que lhes são impostas. As pessoas são movidas pelo princípio do prazer, por meio do qual tudo que lhes dá prazer e as afasta do desprazer é bem-vindo. Logo, direitos são bem-vindos; deveres, como regra, não são bem-vindos.
Dentre os diversos deveres impostos pela Constituição e demais normas jurídicas existem aqueles que se referem às pessoas em geral, e outros que são dirigidos a um ou mais grupos de indivíduos. Dessa forma, seguindo os exemplos acima referidos, o dever de pagar tributos atinge a todos os que habitam o país, mesmo aqueles que aqui estejam apenas como turistas, afinal, nenhum país do mundo devolve o imposto incidente sobre o cafezinho que se toma no aeroporto, mesmo que se esteja apenas em trânsito rumo a outros países. A prestação de serviço militar (que bem poderia ser melhor desenhada para abranger serviços ao país, e não apenas no âmbito militar) atinge apenas os homens, e não as mulheres. E por aí seguem os deveres.
Um grupo de pessoas que possuem deveres específicos são os servidores públicos, afinal, recebem do Estado para servir ao público, e não para se servir dele. Por isso mesmo que são denominados de servidores — aqueles que servem. E sua remuneração decorre dos tributos que todos pagamos — todos, sem exceção. Do drogadito que habita a cracolândia, no centro de São Paulo, aos ribeirinhos da Amazônia, todos pagamos tributos para manter a máquina estatal, na qual um dos itens mais caros é a remuneração dos servidores públicos, que – nunca é demais repetir — devem prestar serviços ao público.
Os servidores públicos possuem deveres para com o público, a depender do cargo que ocupam e da função que desempenham. Por exemplo, os membros das diversas polícias (federal, civil, militar etc.) servem para preservar a ordem pública e a incolumidade das pessoas e do patrimônio (artigo 144, CF). As Forças Armadas servem para a defesa da pátria, a garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem (artigo 142, CF). E, foco deste artigo, o Supremo Tribunal Federal, que é composto de 11 indivíduos denominados em razão do cargo como ministros, que serve prioritariamente para guardar a Constituição (artigos 101 e 102, CF). Os ministros do STF, portanto, têm por função, em razão do cargo, guardar a Constituição. É seu dever fazer isso, não um direito ou uma faculdade. A expressão correta e exata é esta: é seu dever, por força da Constituição, serem seus guardiões.
No início do século XX, dois juristas de enorme qualidade técnica travaram um debate sobre quem deveria desempenhar o papel de guardião da Constituição. Hans Kelsen defendia que o guardião dos compromissos assumidos pela sociedade na Constituição deveria ser um órgão composto de pessoas com conhecimento jurídico, pois a Carta é um documento jurídico com funções políticas. Carl Smith, em sentido oposto, defendia que a guarda dos compromissos constitucionais deveria ser atribuída a um órgão político, pois a Constituição é um documento político, com forma jurídica. As democracias ocidentais predominantemente adotam as posições de Kelsen, atribuindo o controle de constitucionalidade a um órgão jurídico específico, como no caso da maioria dos países europeus — Itália, Portugal e Espanha dentre eles —, ou atribuindo esse controle a todo o corpo de juízes que compõem o Poder Judiciário, como nos Estados Unidos ou no Brasil, onde há um órgão de cúpula, mas qualquer juiz pode apreciar questões relativas à constitucionalidade das leis. A posição teórica defendida por Smith, após um período de esplendor na ascensão e na manutenção do nazismo na Alemanha, tornou-se declinante.
O grande risco de qualquer desses sistemas ocorre quando o guardião muda de posição e se compreende como dono da Constituição. Aqui reside o perigo. Aos guardiões é incumbida uma função, qual seja, a de guardar algo em proveito de outrem. Isto é, o exercício de uma função. Os servidores públicos incumbidos de guardar a Constituição a devem guardar em proveito da sociedade que lhes atribuiu essa função pública, e não se tornardonos dela. Ninguém deu aos guardiões a propriedade da Constituição, apenas sua guarda.
Observe-se que essa guarda se desenvolve em pelo menos dois âmbitos: contra os demais poderes, pois as normas jurídicas por eles criadas podem estar em desacordo com a Constituição e devem ser anuladas; e contra aquelas condutas que atentarem contra a Constituição, quando então deverão ser fulminadas.
E aqui surge o primeiro dever fundamental dos guardiões da Constituição: dizer não. Dizer não ao presidente da República, aos deputados e senadores; dizer não aos ministros e autoridades em geral; dizer não às pessoas simples do povo e também aos endinheirados e detentores do poder; dizer não à pressão da mídia. Dizer não em todos os sentidos que divirjam daqueles estabelecidos pela Constituição. Afinal, são seus guardiões. Quando um órgão, alguém ou um grupo de pessoas fizer alguma coisa em desacordo com a Constituição, o primeiro dever fundamental dos seus guardiões é dizernão; dizer que isso não pode ser feito dessa forma, e então seja desfeito o ato ou anulada a norma. Eis o primeiro dever fundamental do Supremo Tribunal Federal, guardião de nossa Constituição: dizer não.
A situação se torna ainda mais complexa quando se verifica que o nosso guardião da Constituição, o Supremo Tribunal Federal, reúne mais poderes que qualquer outro no mundo. Nossa Constituição concede ao STF os mesmos poderes que a Constituição norte-americana atribui à Suprema Corte, por meio do controle difuso de constitucionalidade, bem como os poderes que o sistema europeu continental possui, com o controle concentrado. Ou seja, temos um sistema misto onde os ministros são vitalícios até os 75 anos e guardam a Constituição por meio dos sistemas difuso e concentrado. Poder maior não há.
Pois bem, tudo isso para dizer que, infelizmente, semana passada, o STFbaixou a guarda. Deixou de lado a função de guarda da Constituição e araptou. Entendeu-se como seu dono, subjugou-a e deu a seu texto uma interpretação frontalmente contrária ao que nele consta. Utilizou-se docontexto político em que vive o país e decidiu pelas consequências — da forma que os juristas chamam de consequencialismo jurídico. Não disse não.Dobrou-se às circunstâncias. Não cumpriu seu dever fundamental.
Basta ler. Foram dois os julgamentos. Em um deles, o STF validou o artigo 6º, da Lei Complementar 105, onde consta que: “As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente”.
Ocorre que a Constituição, em seu artigo 5º, inciso XII, diz que esse procedimento só pode ocorrer por meio de ordem judicial, isto é, existe umareserva de jurisdição. E isso só pode ocorrer com a finalidade de investigação criminal ou instrução processual penal. Basta ler a norma: “É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.
No outro julgamento, estava em debate o artigo 5º, LVII, onde consta que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, e o STF entendeu que não era preciso o trânsito em julgado para que uma pessoa fosse desde logo presa após o julgamento em segunda instância. Algo como um “adiantamento de pena”, uma espécie de “conta corrente prisional”.
Não quero discutir se as finalidades pretendidas são boas ou más, pois isso se refere a questões políticas, e nosso modelo de guardião é amparado em Kelsen: um órgão eminentemente jurídico, pois a Constituição é um documento jurídico com funções políticas. Lembremos que a posição de Smith, que compreendia a Constituição como um documento político apenas com formas jurídicas, descambou para o nazismo. É preciso ter cautela e retornar ao Direito.
Não se pode dizer qualquer coisa sobre qualquer coisa. Um cachorro jamais será um gato. Ou, em linguagem poética, basta lembrar a cena do balcão na peça Romeu e Julieta, de Shakespeare, quando a donzela diz ao seu amado, membro de família rival: “Que há em um nome? O que chamamos de rosa, com outro nome, exalaria o mesmo perfume tão agradável”. Ou ainda, observando as artes plásticas, olharmos a tela do surrealista René Magritte, denominada A traição das imagens, na qual se lê “isto não é um cachimbo”, pois é apenas a imagem de um cachimbo — mas não deixa de representá-lo, uma vez que seguramente não é a imagem de um pato.
Se as normas constitucionais não estão mais adequadas, vamos mudá-las. O Direito e a Constituição não são produtos hauridos do céu ou construídos por sábios trancados em torres empoeiradas. É algo vivo. Se é necessário mudar, mudemos — ouvindo o povo, no qual reside a soberania (artigo 1º, I, CF), e não por meio de uma interpretação constitucional composta de seis dentre 11 pessoas, cuja função é guardar a Constituição, e não alterá-la. Eles não nos representam para isso.
Alguém poderia fazer um paralelo com outro julgamento anterior, muito aplaudido pela sociedade, que ficou conhecido por casamento de pessoas do mesmo sexo. De fato, a Constituição estabelece no artigo 226, parágrafo 3º: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. Ora, se está escrito homem e mulher, teria o STF errado ao reconhecer como unidade familiar a união de pessoas do mesmo sexo? Não, segundo meu ponto de vista, pois nesse caso há uma ampliaçãodos direitos fundamentais. Nos dois julgamentos que ora estão sendo comentados, foi restringido o direito fundamental de liberdade, seja pela permissão de invasão da privacidade, seja pela restrição ao direito de ir e vir, por meio do encarceramento antecipado — expressamente vedados pela Constituição. No caso do casamento gay, os direitos fundamentais foram ampliados, tornando a convivência entre duas pessoas — não importa o sexo — mais humana e protegida pelo Direito.
Discutir procedimentos informais de modificação constitucional envolvendorestrição a direitos fundamentais é um erro. A leitura do texto constitucional não deve ser feita de maneira formalista, mas de maneira substancialista. Ampliar direitos fundamentais é permitido; restringi-los, jamais. Guimarães Rosa inicia seu livro Grande Sertão, Veredas afirmando que “viver é perigoso”. Restringir direitos fundamentais também é perigoso.
É comum se dizer que o STF tem a última palavra sobre o Direito e a Constituição. Não concordo. O STF tem a última palavra no processonos autos, mas não se pode estudar o Direito e a Constituição apenas pela jurisprudência. Fosse assim, deveriam ser rasgados todos os livros doutrinários e fechadas as faculdades de Direito; passaríamos todos a estudar nas escolas de magistratura.
Registro que faço a presente crítica também vinculado a um dever fundamental — não a uma faculdade ou a um direito. Em diferentes graus, conheço vários dos ministros do STF, pois advogo naquela corte e tenho atividades acadêmicas que envolvem alguns deles. Porém, a doutrina tem que apontar os acertos e erros das decisões ocorridas. Esse é o papel da doutrina, doutrinar. É o que estou fazendo. É nosso dever fundamental, nesse caso, apontar que o STF errou e que o caminho que está seguindo, ao sabor das conveniências políticas de plantão, é extremamente perigoso. Em nome de maior celeridade no aprisionamento de pessoas e de fiscalização tributária, o que pode até ser desejável, o STF está se tornando dono da Constituição. Por ora, foi apenas um rapto. Temos que resgatá-la.
Faço coro com o ministro Marco Aurélio, que foi vencido nas duas votações: aquelas não foram “tardes felizes”. É necessário estar atento e corrigir enquanto ainda há tempo. O primeiro dever fundamental do STF é dizer não.
 é advogado e sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Melo, Guimarães, Pinheiro & Scaff – Advogados; professor da USP e livre docente em Direito pela mesma universidade.
http://www.conjur.com.br/2016-fev-23/contas-vista-primeiro-dever-fundamental-supremo-dizer-nao?utm_source=dlvr.it&utm_medium=facebook

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

MPF reconhece incompetência de Moro na Operação Lava Jato

Quatro operações que formaram a Lava Jato não tinham liame concreto entre os fatos e os investigados que permitisse a reunião das investigações
por Bruno Milanez publicado 23/02/2016 10:37, última modificação 23/02/2016 11:04
AGÊNCIA BRASIL
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MPF reconheceu a incompetência de Sergio Moro, que ignorou a questão e segue à frente da operação
Canal Ciências Criminais – Há mais de dois anos, tudo o que se desenvolve no âmbito da 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba é noticiado como sendo decorrente da Operação Lava Jato.
Em realidade, no início dessa megaoperação, existiam quatro investigações paralelas – com nomes distintos -, cujo foco eram quatro supostos doleiros. Eram elas: Operação Bidione (investigado principal Alberto Youssef), Operação Dolce Vita (investigada principal Nelma Kodama), Operação Casablanca (investigado principal Raul Srour) e Operação Lava Jato (investigado principal Carlos Habib Chater).
Oportuno ressaltar que das supostas atividades delituosas desenvolvidas nestes quatro núcleos investigativos, apenas aquelas relativas à Alberto Youssef se passavam no Estado do Paraná. As demais atividades eram desenvolvidas em Brasília/DF e São Paulo/SP, sendo bastante duvidosa a existência de conexão ou continência entre elas, aptas a ensejar a reunião da investigação e do futuro e eventual processo parente um juízo único.
A propósito, tratando-se a conexão e a continência (arts. 76 e 77, do CPP) de causas de modificação de competência – e portanto, de exceção ao princípio do juiz natural -, suas regras devem ser interpretadas de forma restritiva.
Em outros termos, a conexão e continência devem estar demonstradas – e não apenas supostas – para que efetivamente se determine a formação do simultaneus processus. Caso contrário, havendo dúvida sobre a existência de causas conexas ou continentes, os casos penais devem ser investigados e processados separadamente, cada qual em seu juiz natural.
É por esta razão que o STJ somente reconhece a modificação de competência quando “evidenciada a conexão entre os crimes” (STJ – CC 114.841, Rel. Min. Gilson Dipp, DJe 17.8.2011). Ou seja, a conexão deve ser reconhecida quando for cristalina: “as provas encontram-se entrelaçadas e as infrações apresentam claro liame circunstancial, incidindo a regra inscrita no art. 76 do Código de Processo Penal.” – g.n. – (STJ – CC 125.503, Rel. Min. Alderita Ramos de Oliveira, DJe 30.8.2013)
Não é outra a solução adotada no direito comparado, que somente entende admissível o reconhecimento da conexão quando o vínculo seja cabalmente demonstrado e – mais – a reunião de processos/inquéritos seja necessária e não apenas possível:
“El nexo de unión: En todos estos casos aparece un material histórico que si bien no es simple, puede reducírselo procesalmente a una unidad, y aquí se descubre el objetivo de la competencia por conexión.
Pero planteados en esta forma los diversos casos, no se presenta con toda la precisión la conexidad; es necesario que efectivamente exista el vínculo de unión entre los diversos sujetos o hechos. Para descubrirlo debemos remontarnos a las causas generadoras de los hechos y averiguar si no obstante la diversidad de personas y de acciones con variaciones en el tiempo y en el espacio, hay algún lazo que los une entre sí en forma que no sea sólo posible sino también necesaria la unificación de procedimientos. De otra manera no tendría objeto el apartamiento de las reglas generales y se crearía un sistema ilógico, perturbador de le administración de justicia.” (OLMEDO, 1945, p. 133) – g.n. –
Tudo o que se afirma serve de pano de fundo para concluir que no início da investigação dos fatos decorrentes das quatro operações inicialmente mencionadas (Casablanca, Dolce Vita, Bidione e Lava Jato) não havia liame concreto entre os fatos e os investigados que permitisse a reunião das investigações.
A propósito, essa questão foi reconhecida expressamente pelo Ministério Público Federal, que antes mesmo de oferecer denúncia em relação aos investigados na Operação Casablanca, reconheceu expressamente a incompetência territorial do Juiz Sérgio Moro (confira o parecer aqui), que ignorou a questão a até hoje segue competente para este caso penal.
Vale transcrever alguns trechos do parecer do MPF:
“Chama a atenção o fato de que todas as medidas de busca e apreensão ocorrerão em endereços situados no estado de São Paulo. Isso não ocorre à toa. Da investigação se infere que, se há crimes sendo praticados pelas pessoas físicas acima arroladas, esses crimes se estão consumando no estado de São Paulo. Se há operação sem autorização de instituição financeira (art. 16, da Lei 7.492/86), evasão de divisas (art. 22 da Lei 7.492/86) e lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei 9.613/98), tudo isso vem ocorrendo no estado de São Paulo, por meio de pessoas físicas e jurídicas com domicílios no estado de São Paulo. Não há um só endereço situado na área de Seção Judiciária Federal do Paraná. Não há notícia de qualquer crime praticado pelo grupo criminoso no Paraná.
(…) No presente caso, em que se caminha para o fim da investigação, já se percebe que os crimes investigados nos autos (…) vêm sendo praticados no estado de São Paulo. Este é o momento, portanto, de se analisar mais detidamente se esse Juízo é ou não competente territorialmente para a possível ação penal.
(…) [o encontro fortuito de provas], contudo, não implica que a competência para o caso fortuitamente encontrado seja do Juízo que autorizou a interceptação telefônica que resultou no encontro fortuito (…).
(…) Os autos mostram que os crimes aqui investigados vêm sendo praticados todos no estado de São Paulo, então é na Seção Judiciária Federal de São Paulo que devem os crimes ser processados (…).
Não se verificar conexão ou continência necessária. Esse mesmo Juízo já reconheceu que as atividades do suposto grupo criminoso comandado por Raul Srour se desenvolvem de forma independente e não subordinada [autos 5047968-84.2013.404.7000, evento 3]. As atividades desse grupo podem ser provadas de maneira separada, sem que seja necessário recorrer às provas das atividades do grupo criminoso comandado por Nelma Kodama, tanto que foram instaurados autos apartados [autos 5049747-74.2013.404.7000] de interceptação telefônica e telemática específicos para as atividades do grupo criminoso comandado por Raul Srour. Também não há risco de decisões contraditórias, pois a prova da operação não autorizada de instituição financeira pelo grupo comandado por Raul Srour pode ser produzida e analisada de maneira autônoma, como tem ocorrido no final da investigação.
Ainda que houvesse conexão, este é o caso certo para a aplicação do art. 80 do CPP (…)
É interessante prever que, se todos as pessoas físicas e jurídicas investigadas têm domicílio no estado de São Paulo, e todas as provas nesse estado federado estão, então toda a instrução processual terá grande prejuízo, se realizada em Curitiba-PR (…). Não parece convir ao interesse público esse tipo de situação. (…).
(…) Observe-se que, se se considerar que há conexão pelo fato de na interceptação telefônica ou telemática um doleiro, atuante na cidade X, entrar em contato com outro doleiro, atuante na cidade Y, para efetuar alguma troca ou compensação de confiança no sistema dólar-cabo, então bastaria que o Juízo autorizador da interceptação deferisse prorrogações sucessivas da interceptação dos dois doleiros que por certo identificaria mais e mais doleiros e seria responsável, esse único Juízo, pelo processo e julgamento de todos os crimes de operação não autorizada da instituição financeira do Brasil envolvendo dólar-cabo, já que é próprio do sistema dólar-cabo o contato frequente entre doleiros (…) para trocas, compensações ou negócios informais. (…)
A circunstância de os fatos supostamente delituosos haverem sido descobertos no mesmo procedimento investigatório (interceptação telefônica e telemática, por exemplo) não implica conexão entre eles, nem unidade de processo e julgamento.”
Uma palavra final: na qualidade de defensor do acusado Raul Srour, espera-se sinceramente que o Tribunal Regional Federal, o Superior Tribunal de Justiça ou o Supremo Tribunal Federal cumpram a Constituição – notadamente no que se refere ao Juiz Natural – e reconheçam a incompetência territorial do juiz Sérgio Moro em relação a essa fatia da “Operação Lava Jato”. Afinal, não há, no Brasil – ainda que alguns queiram -, juiz com jurisdição universal.
*Bruno Milanez é Doutorando e Mestre em Direito Processual Penal, especialista em Direito Penal e Criminologia, advogado criminalista e professor de Direito Processual Penal.