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sábado, 29 de abril de 2017

Xadrez de como o MPF foi vítima da caça às bruxas da Lava Jato

Por Luis Nassif

Quinta-feira 27 de abril de 2017

Cría cuervos que te sacarán los ojos
O Ministério Público Federal sentiu na própria pele os resultados das libidinagens da Lava Jato com a mídia, a irresponsabilidade dos ataques generalizantes e dos assassinatos de reputação.
Esta semana a vítima foi o Ministério Público Federal; o algoz, o Procurador Geral da República.

Cena 1 – a defesa cega da Lava Jato

O Estadão foi definitivo: "Sabotagem contra a Lava Jato" (https://goo.gl/7LhRCO). E um subtítulo tão radical quanto uma sentença do Juiz Sérgio Moro: "Quem quiser identificar um foco de sabotagem contra a Lava Jato basta olhar para o Ministério Público Federal".
Confira o grau de convicção do Estadão, antes de contarmos a história completa."Numa proposta que não deixa margem a dúvidas quanto às verdadeiras intenções de sua autora, a subprocuradora-geral da República Raquel Elias Dodge apresentou ao Conselho Superior da instituição um projeto de resolução que obriga o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, a ter de mudar a equipe que o assessora no momento em que a Lava Jato se encontra numa de suas fases mais importantes".
Repare no "não deixa margem a dúvidas". Pode haver maior convicção?
A mesma certeza férrea foi estampada por Merval Pereira, no artigo "Janot aborta golpe contra a Lava Jato" (https://goo.gl/qNfT66).
A tal resolução, que, segundo Janot, prejudicaria a Lava Jato, na verdade permitiria aumentar o contingente de procuradores na operação em Brasília (portanto, sob o comando do PGR) dos atuais 7 para 120 – mais os 71 subprocuradores. De onde se tirou, então, essa versão esdrúxula?
O caso é simples de entender; a reação de Janot, mais complicada, e acessível só a quem se dispõe a desvendar os bastidores do MPF.
A subprocuradora Raquel Dodge entrou com uma representação junto ao Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), atendendo a uma demanda da Procuradoria da República do Distrito Federal (PRDF) e da Procuradoria Regional da República da 1ª. Região (PRR 1), visando conter em 10% do efetivo total de cada unidade o número de procuradores designados para outras funções, que não sua atribuição original.
A corporação conta com 1.200 procuradores. Logo, Janot poderia convocar até 120 procuradores para a Lava Jato, consoante com o esforço que está sendo feito pelo Supremo Tribunal Federal e Justiça em geral, de alocar mais juízes na operação. A única condição é que não fosse mais que 10% de cada atividade do MP. Simples assim.
Antes de avançar nos detalhes, um pequeno resumo sobre personagens e instituições envolvidas nesse episódio.
Cena 2 – os personagens da novela

Procuradora Raquel Dodge

Internamente, no MPF, Raquel Dodge nunca foi vista como adversária da Lava Jato. Tem uma biografia superior ao do PGR Janot, não apenas pelo conhecimento técnico, mas pelos desafios que enfrentou.
Enquanto a carreira de Janot foi inteiramente pavimentada na burocracia interna, Raquel era da linha de frente, participando de inúmeras questões históricas, de defesa dos direitos dos índios, da reforma agrária, e, especialmente, nas batalhas contra o crime e a corrupção.
Em 1999, no famoso caso Hildebrando Paschoal – o deputado que matava seus adversários com uma motosserra -, o Procurador Luiz Francisco foi ameaçado de morte. Procuradora regional na Primeira Instância, no Acre, Raquel foi designada para reforçar a força tarefa que garantiu a punição do deputado.
Mas tarde, já em Brasília, foi a autora da primeira ação que colocou na cadeia um governador do estado, o ex- governador do Distrito Federal José Roberto Arruda.

PGR Rodrigo Janot

Fez carreira na burocracia do MPF, como assessor do ex-PGR Cláudio Fontelles, depois como diretor da Escola Superior do MP e presidente da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República), clube associativo que tem como duas principais atividades definir o local do encontro anual de procuradores e organizar as eleições para a lista tríplice de candidatos à PGR.
Seu conhecimento sempre foi micro, da máquina administrativa do MPF, das demandas dos colegas. Não se conhece um caso relevante do qual tenha participado, nem de uma tese relevante que tenha defendido.
Os Conselhos do Ministério Público
De acordo com a Lei Complementar 7596, de 20 de maio de 1993 (https://goo.gl/4PnsZ), o Ministério Público Federal conta com três órgãos colegiados.
1. O Conselho de Procuradores.
Composto por todos os membros da corporação.Cabe a ele eleger a lista sêxtupla de candidatos a tribunais superiores, os subprocuradores e oito membros do Conselho Superior do Ministério Público.
2. O Conselho Superior do Ministério Público.
É  integrado pelo PGR e por seu vice, e por 8 subprocuradores escolhidos pelo Conselho de Procuradores. A cada dois anos, há a renovação de quatro deles.
Compete a ele o poder normativo, isto é definir os concursos, os critérios de promoção por merecimento, as formas de distribuir os procuradores pelos diferentes ofícios do MPF. Enfim, tudo o que interfira no funcionamento da corporação.
De acordo com a Lei Complementar 7596, compete a ele opinar sobre designações para atuar em outro ofício. Ou seja, um procurador trabalhando fora da sua atribuição original. E cabe ao mesmo Conselho autorizar afastamentos.
Posteriormente, em 2004 foi criado o Conselho Nacional do Ministério Público, para controlar e fiscalizar todos os órgãos integrantes do Ministério Público, incluindo o MP do Trabalho, Militar, do Distrito Federal e dos estados.

PR do Distrito Federal e PRR da 1ª Região

A PRDF reúne os procuradores que atuam na 1ª Instância no Distrito Federal. A segunda, os procuradores regionais, que atuam na 2ª instância.
Ambas têm sob sua responsabilidade operações de grande visibilidade, como a Zelotes e a Calicute, e uma série de operações menos visíveis, mas igualmente relevantes.
É, de longe, a regional do MPF mais ideológica e parcial. Na campanha do impeachment, vários de seus procuradores participaram ostensivamente de manifestações de rua e nas redes sociais.
Digo isso para realçar seu viés político e mostrar o ridículo de colocá-la como um dos agentes de boicote à Lava Jato.
Cena 3 – o roteiro da novela   
Desde 1999, uma das preocupações do Conselho Superior era com o afastamento de procuradores, para fazer cursos. A Resolução 50 daquele ano definia que os afastamentos não poderiam superar 5% da força de trabalho de cada setor. E os afastamentos deveriam passar pelo CSMP.
Janot foi o primeiro Procurador Geral da República a autorizar afastamentos sem controle algum do Conselho Superior.
Semanalmente, o Diário Oficial publica afastamentos de membros da equipe de Janot para viagens, preferencialmente pelo chamado Circuito Elizabeth Arden – Roma, Paris, Londres, Nova York. Não há nenhuma forma de controle nem de transparência. Nem de simples consulta ao Conselho Superior.
Além disso, Janot passou a se valer dos cargos de livre nomeação para montar sua base eleitoral, desviando cada vez mais procuradores de seus trabalhos finalísticos para funções burocráticas. Assim que entrou, designou procuradores para Secretário Executivo da Câmara – função que, antes, era de funcionários -, para Secretário Geral do CNMP e para uma inacreditável Secretaria Geral Adjunta do CNMP, em uma burocratização sem precedentes destinada a cooptar colegas para seu plano político.
Apenas a PGR tem 41 procuradores nomeados por Janot, do que se conhece publicamente, já que não há transparência sobre o total de nomeações.
Nenhuma das designações passou pelo CSMP.
Tempos atrás, o Conselheiro Carlos Eduardo Vasconcellos detectou no Diário Oficial uma série de viagens e designações que não haviam passado pelo Conselho. Instaurou um procedimento e Janot foi derrotado, com um voto duríssimo do relator.
Janot defendia a tese de que o PGR tinha plenos poderes para autorizar afastamentos, sem necessidade de consultar nenhum conselho. O Conselho Superior votou contra ele, dizendo que teria que avaliar os afastamentos. Daria voto de confiança aceitando os afastamentos anteriores. Mas ele se comprometeria, dali por diante, a submeter os próximos ao Conselho.
Cena 4 – a esperteza que enganou o Estadão
Distrito Federal sempre foi o local mais afetado pelo excesso de designações. Recentemente, o próprio CNMP fez uma correição na PRDF, constatando o excesso de procuradores afastados ou designados para outras funções, e recomendou que se procurasse resolver a questão.
Na sua primeira campanha eleitoral, Janot prometeu uma solução. Eleito, constituiu um Grupo de Trabalho que nada fez. A PRDF e a PRRF 1 acabaram procurando o Conselho Superior para resolver o problema. E o pleito foi patrocinado por Raquel Dodge.
Em 20 de outubro, atendendo a ofício do PRDF, subscrito por todos os procuradores, Raquel propôs a resolução. O único objetivo seria definir um limite de 10% para o número de designações em uma mesma unidade. O caso foi a julgamento em dezembro, relatado pelo subprocurador Carlos Frederico Santos.
A ordem da votação é, primeiro, o relator, depois o conselheiro mais moço até chegar ao mais antigo. Bonifácio de Andrade, homem de confiança de Janot, seria o penúltimo a votar, mas atropelou a ordem e pediu vista. E o caso ficou paralisado, enquanto Janot agia em outras frentes.
Sem que o Conselho soubesse, ele foi ao CNMP e pediu uma resolução sobre o mesmo assunto, garantindo ao PGR o poder absoluto de designar procuradores sem consultar o Conselho Superior.
E, aqui, um pequeno intervalo para explicar as formas de cooptação da qual se vale o PGR para se impor junto ao CNMP.
A cooptação do CNMP se dá através da designação para cargos. Janot patrocina a eleição de candidatos ao Conselho. Eleitos, eles assumem paralelamente o papel de coordenadores de Câmaras temáticas, cargo que confere poder e prestígio ao titular.
Com as concessões feitas a membros do CNMP, Janot assumiu uma posição confortável no órgão. E armou sua jogada para desmoralizar o Conselho Superior.
No dia 14 de fevereiro, o CNMP votou uma resolução de Janot conferindo poderes totais ao PGR, enquanto o projeto de Raquel, de 16 de outubro, ficava paralisado pelo próprio Janot. Não houve o menor pudor do CNMP em passar por cima da lei, mostrando a subversão ocorrida em todas as instâncias após a quebra da ordem constitucional no episódio do impeachment.
Cena 5 – a jogada que falhou
Na 2ª feira passada, Janot preparou sua grande jogada.
A reunião do CSMP foi marcada para as 9 horas. Atrasou até às 10 para permitir a chegada da imprensa e de várias redes de televisão. Havia alguns rituais que, no início, passaram despercebidos dos conselheiros, mas que, depois, fizeram sentido. A troco de quê estava reunida toda a imprensa de manhã para uma reunião do CSMP? Além disso, a assessoria de imprensa de Janot indicava para cada equipe de TV quem era Raquel Dodge, apontando para ela.
Na hora de definir a pauta, surpreendentemente Janot retirou outros casos complexos, manteve apenas aqueles de fácil deliberação e incluiu a representação de Raquel Dodge. Junto com ela, colocou em votação uma "questão prejudicial", com três camadas (chama-se de questão prejudicial aquela que, se aprovada, obriga ao arquivamento a representação a que se refere).
Os três argumentos invocados eram:
1.             O Conselho Superior estaria usurpando atribuições do CNMP, que já deliberara sobre o tema na resolução aprovada em 14 de fevereiro. Ninguém do Conselho Superior sabia dessa resolução. Janot mandou distribuir na hora para os conselheiros, sem informar se havia sido publicada ou não.
2.             O CNMP já dispôs sobre o assunto, alegava. Poderia ter disposto parcialmente. Mas dispôs integralmente. Então não sobrou espaço  para o Conselho Superior suplementar ou emendar alguma coisa. Se Conselho Superior aprovar a resolução de Raquel, criará um conflito de competência e o caso terá que ir à Justiça, comprometendo a imagem do MPF.
A argumentação foi demolida em pouco tempo.
A Procuradora Regional da 1ª Região, Raquel Branquinho – largamente conhecida por seu trabalho contra o crime organizado no Rio – falou por 15 minutos em defesa da resolução e contra a proposta de Bonifácio de Andrade, sobre as necessidades da sua área e do fato de que a resolução em nada afetaria os trabalhos da Lava Jato, pois permitiria aumentar de 7 para 120 procuradores alocados na operação.
Raquel Dodge explicou didaticamente a ausência de impactos sobre as Lava Jato. Nenhum conselheiro tinha a menor dúvida sobre isso.
A votação começou. Por 7 x 2, o CSP rejeitou integralmente a "questão prejudicial" de Bonifácio. E passou a votar a resolução de Raquel. Quando a votação estava em 7 x 1, Janot perdeu as estribeiras. Jogou para os jornalistas um discurso raivoso sobre os supostos prejuízos à Lava Jato, e pediu vista, repetindo a jogada de Bonifácio no julgamento do ano passado.
Entendendo que o fato Lava Jato seria utilizado contra o Conselho, e percebendo a jogada com a mídia, Raquel Dodge correu para explicar que o CSMP tinha iniciado os debates sobre o tema bem antes do CNMP, por isso não poderia ser acusado de atropelar. Explicou detidamente o mérito do caso em discussão.
Nada disso saiu nos jornais, devido ao fato de que, com os vazamentos de inquéritos sigilosos, os setoristas da Lava Jato terem praticamente de comer na mão de Janot.
A jogada de Janot era nítida para quem conhece os bastidores do MPF. Três dos 8 membros eleitos do CSMP são candidatos à lista tríplice: Raquel, Carlos Frederico Santos e Mário Bonsaglia. Com a ampliação da Lava Jato, em vez da figura individual do PGR, o protagonismo seria dividido com a própria instituição do MPF, através do seu Conselho Superior, da mesma maneira que no STF, com a Ministra Carmen Lúcia acertando a próxima etapa com seus conselhos.
Derrubando a resolução, Janot se firmaria como o único avalista da Lava Jato, além de prosseguir com seus poderes imperiais para decidir sobre afastamentos de procuradores, afetado pelo caso relatado pelo ex-conselheiro Carlos Eduardo Vasconcellos.
Além disso, se a resolução da CNMP prevalecesse, Raquel estaria sujeita a uma sanção disciplinar e Janot poderia inclusive representar criminalmente contra ela.
Apostou pesado no grau de desinformação da mídia. E levou, afetando gravemente a imagem do mais relevante órgão colegiado do MPF, o CSMP.
Cena 6 – os riscos da Lava Jato, sob Janot
Antes de encaminhar a representação, os autores trataram de conversar com membros da Lava Jato, para avaliar eventual impacto sobre a operação.
De um deles, Sérgio Bruno Cabral Fernandes, ouviram que não impactava em nada a operação.
Primeiro, porque dos 7 membros da Lava Jato, em Brasilia, 5 eram do MPF e 2 do MPFDF, portanto, muito abaixo do limite de 10% a ser fixado.
A versão de Janot - que a resolução impediria a contratação de especialistas por ele - não resistia a uma mera pesquisa sobre seus membros. Praticamente nenhum era especializado no tema.
O grupo foi constituído em cima de indicações dos próprios procuradores, usando critérios de amizade. Do grupo original, só restam Sérgio e Wilton Queiroz de Lima.  Um dos integrantes do grupo, aliás, é uma procuradora que foi remanejada para Brasília para acompanhar o marido, que havia sido transferido para lá. Outro procurador, Marcelo Paranho de Oliveira Miller, abandonou o caso dos caças da Gripen, largou o MPF e foi trabalhar com salário milionário no escritório de advocacia contratado justamente pelas empresas acusadas por ele.
A falta de familiaridade desse grupo com o processo penal  é tão grande que gerou críticas internas do Ministro Teori Zavascki, do STF,  e de Ministros do Superior Tribunal de Justiça. As peças são mal escritas, com erros de português e uma retórica acusatória incompatível com uma denúncia criminal.
No fundo, o que move Janot é o receio de que a ampliação da equipe dilua o controle absoluto que ele exerce, hoje, sobre os processos dos réus com prerrogativa de foro. Graças a esse controle absoluto, por exemplo, ele arquivou ação contra Henrique Alves, mesmo após o deputado ter perdido a prerrogativa de foro.
A maneira como generalizou as acusações contra os políticos, além disso, demonstra a nítida impressão de pretender congestionar a operação, para poder exercer seu poder discricionário.
A maior parte das denúncias de caixa 2 prescreverá.
Tecnicamente, o tipo penal do Caixa 2 é o da falsidade ideológica. Ou seja, omitir em documento público ou privado declaração que nele deveria constar, ou incluir uma declaração falsa
Pelo Código Eleitoral, não declarar dinheiro que recebeu, nem de quem, sujeita o réu a uma pena máxima de reclusão de 5 anos e pagamento de 5 a 15 dias multa - valor irrisório. Se considerar o Caixa 2 como crime particular - isto é, de pessoa física, como é o caso dos políticos - a pena de reclusão é de até 3 anos.
O prazo de prescrição dependerá da pena aplicada pelo juiz. Se o juiz aplicar a pena máxima de 5 anos - o que dificilmente ocorrerá - a prescrição será de 12 anos para crimes públicos ou de 8 anos para crimes privados.
2017 - 8 = 2009.
Nas denúncias, Janot incluiu fatos de 2004, 2006, 2010 e 2014. E até uma inacreditável denúncia contra Fernando Henrique Cardoso, prescrita por qualquer critério que se aplique.
Se o juiz não aplicar a pena máxima, o prazo de prescrição será menor ainda. Se for aplicada uma pena de um ano, prescreve em dois anos.

Cena 7 – a título de conclusão

Excesso de poder corrompe. O que se viu no episódio foi a corrupção da Procuradoria Geral da República. Não se imagine a corrupção apenas na sua forma pecuniária. O uso de expedientes ilícitos em jogadas de poder é uma manifestação de corrupção. E, na raiz desse jogo, está a maneira como  a mídia abriu mão de sua responsabilidade pública, de atuar de maneira isenta e com discernimento.
Os atos de Janot significaram uma generalização contra todos seus colegas, da mesma maneira que a generalização irresponsável cometida contra todos os políticos, a criminalização de todas as críticas, em um processo continuado de corrupção das leis e regulamentos.
Que se aprenda que, quando o jacobinismo aflora, os primeiros guilhotinados são os próprios jacobinos.

http://jornalggn.com.br/noticia/xadrez-de-como-o-mpf-foi-vitima-da-caca-as-bruxas-da-lava-jato

quarta-feira, 26 de abril de 2017

Revista científica americana, Foreign Affairs : Lula não está tendo julgamento justo e sim perseguição

Tradução do título: “Ele merece um julgamento justo, não perseguição”
Se alguém puder traduzir, publique nos comentários, por favor. Depois trazemos a tradução para o post. Não vale tradução automática, que mais confunde do que ajuda.

The Case for Lula
He Deserves a Fair Trial, Not Persecution
By Geoffrey Robertson
Luiz Inácio Lula da Silva, known simply as Lula, remains one of Brazil’s most popular politicians. An uneducated lathe operator turned union leader, Lula helped found Brazil’s Workers’ Party, in 1980, before winning the presidency in both 2002 and 2008 with large majorities. Under Lula’s governance, Brazil became a major power, was awarded the honor of hosting the 2016 Olympic Games, and lifted 40 million of its people out of poverty. The most recent opinion poll shows that he remains the favorite in the 2018 presidential race. Since 2016, however, he has been under investigation as part of the anticorruption campaign known as Operation Car Wash, and a conviction would disqualify him from running.
Lula has denied all the accusations against him. He believes that the investigation is politically motivated, and many of his compatriots agree: according to a poll conducted by Instituto Paraná Pesquisas, a market research firm, 42.7 percent of Brazilians agree that Lula is being persecuted by the media and the judiciary in an effort to remove him from the 2018 presidential race. So far, prosecutors have found no hard evidence linking him to the alleged crimes, yet they have used aggressive tactics, such as leaking recordings of wiretapped phone calls he made to his family, to publicly embarrass him. In this and other ways, Lula’s case has raised crucial questions about Brazil’s judicial system: specifically, whether it can give Lula a fair trial and protect the due process rights of those accused of corruption.

Brazil maintains an antiquated system for investigating and judging criminal offenses, which it inherited from Portugal in the early nineteenth century (but which Portugal itself has long since abandoned). This system offers no separation between the role of the investigating judge, who supervises and approves the work of the police and the prosecutors, and that of the trial judge, who should hear cases without bias or preconceptions. In Brazil, both of these roles are played by the same person, even when, as in Lula’s case, the investigation has included prejudicial findings against Lula by the judge.
In Lula’s case, that person is Sérgio Moro, a low-level federal judge from Curitiba. Moro is not only supervising the investigation, approving all the searches, seizures, and wiretaps, but also presiding over Lula’s multiple trials. This is despite the fact that earlier investigative decisions involved him speculating about Lula’s guilt. Moro even went as far as to attend the launch party for the Brazilian journalist Vladimir Netto’s book on Operation Car Wash, which depicts Lula in a negative light. At the event, Moro signed copies of the book and posed for photos. Such a scenario would be impossible in the Anglo-American trial system, which rigorously insulates trial judges from the investigative process. Even in Europe, where judges do play an investigative role, they may not try a person whom they have previously indicated may be guilty. And no judge in either Europe or the United States would think it proper to endorse the demonizing of a man on whom he or she is sitting in judgment.
Moro’s involvement in the case dates back to 2014, when officials discovered that an abandoned car wash in his jurisdiction was being used to launder money. The ensuing investigation, which Moro is leading, has grown to include 200 police and prosecutors. Those prosecutors claim that officials at Petrobras, the national oil and gas company, have long been colluding with a cartel of the country’s largest building contractors to enter into overpriced and fraudulent contracts. These Petrobras officials were allegedly rewarded with bribes and kickbacks and then funneled some of the money to a number of politicians, across the entire political spectrum, to use as campaign funds.

The investigation came to include Lula a year ago, after prosecutors claimed that since leaving the presidency, he had received gifts from one of the cartel companies implicated in Operation Car Wash. Since then, Moro has ordered Lula’s property seized, his bank accounts scrutinized, and his phone calls with his family and lawyers wiretapped. Yet investigators have discovered no hidden assets or overseas accounts. Since leaving office, Lula has lived in the same small, modestly furnished apartment outside São Paulo that he inhabited before becoming president. During his two terms in office, neither he nor his wife received any benefits other than his presidential salary and the gifts routinely bestowed on a head of state. There is no evidence that Lula took any actions while president that were motivated by the receipt or the promise of money or gifts.
Numerous scholars and other observers have criticized Moro’s intrusive tactics, arguing that in his zeal to incriminate Lula, he has overstepped the law. These critics point to the fact that last March, for example, Moro issued a bench warrant for Lula’s compulsory interrogation, a form of coercion that judges should use only if a suspect has refused to comply with a subpoena to testify. Lula had always cooperated in answering investigators’ questions, and when the police arrived at his house at six in the morning, Lula says he offered to answer their questions there—but the police refused and forced him, under pain of imprisonment, to accompany them to a police compound at an airport outside São Paulo, where he was held for questioning for four hours. News of his detention was leaked to the media and protesters opposed to Lula, who turned up in droves at the airport. Despite his good-faith efforts to comply with the authorities, the spectacle created the impression that Lula was not cooperating and that he had something to hide.
Roughly two weeks later, Moro handed the media close to 50 audio recordings of intercepted calls between Lula and his family, friends, and lawyers. Under Brazilian law, wiretapping calls is allowed only as a last resort—which was not the case here—and the recordings must be kept secret. Even more disturbing, the tapes included a conversation between Lula and then President Dilma Rousseff that had been recorded illegally. Moro had ordered a stop to the surveillance at 11:00 AM on March 16 of last year because the warrant had expired; furthermore, none of the calls intercepted by that point had provided any incriminating evidence. Yet the wiretapping continued illegally, capturing a conversation that day with Rousseff at 1:30 PM. (When it came to light, this conversation sparked a great deal of controversy, since it included a discussion of whether the president should appoint Lula as a minister, thereby granting him a degree of immunity.)
In April, Brazil’s Supreme Court condemned Moro for releasing the wiretapped phone conversations to the media in violation of the constitution. Moro responded by offering his “respectful apologies” for violating the rule that only the Supreme Court—and not a lower-court judge, such as him—can legally investigate a sitting president. Yet Moro received no further censure, despite the fact that in any other democracy, such tactics—whipping up public animosity against a suspect through illegal surveillance and the public release of the results of that surveillance—would inevitably get a judge removed from a case.
In July 2016, Lula filed a complaint before the UN Human Rights Committee—a case in which I am representing him—arguing that Moro had not only abused his power but also violated Lula’s civil and political rights. Lula’s first trial began in November 2016, and a decision on his guilt will probably be made in July 2017. Before the trial started, Lula repeatedly tried to have Moro removed, on the grounds that he was prejudiced, but these motions were denied—mostly by Moro himself. Over the past year, Lula has been featured several times on the cover of the right-wing magazine Veja in doctored photos that show him in prison clothes. These images have been reproduced en masse on balloons and dolls, which are then displayed at right-wing demonstrations. The authorities show no interest in stopping what has become a lucrative trade pushing the idea that Lula has already been found guilty.
None of this is meant to suggest that Lula is or should be above the law. He himself readily acknowledges this fact. But Lula’s treatment—his unnecessary detention, his trial by a judge who appears to be biased, the telephone wiretaps, the violation of his privacy through the release of the calls to the media—has curtailed the civil liberties that he, and every other Brazilian, is guaranteed by the country’s laws and constitution.
To prevent such abuses in the future, Brazil needs to adopt a new model for handling such cases. The best model is that pioneered in Hong Kong and also used in Australia, Singapore, and elsewhere. Such systems use an independent and well-resourced agency (called the Independent Commission Against Corruption, or ICAC, in Hong Kong) to investigate alleged wrongdoing by politicians, public servants, and state enterprises. Such agencies have full powers of surveillance, subpoena, and arrest and can hold public hearings. To ensure that their work remains nonpartisan, these bodies are overseen by a committee composed of distinguished individuals. When the ICAC or its like decides that criminal charges are merited, the allegations are then investigated by prosecutors, and any evidence they collect is tested at trial by impartial judges who have not been involved in the investigation. This system has enabled Hong Kong and the other jurisdictions that use it to hold public officials accountable without publicly demonizing and demeaning suspects in the process, or putting them on trial before a judge who has participated in the investigation.

Corruption—especially political corruption—must be prosecuted effectively. But unless it is prosecuted fairly, with due regard for suspects’ human rights, such efforts will prove counterproductive, resulting in miscarriages of justice and limiting suspects’ cooperation with the authorities.
If there is evidence that Lula has benefited from corruption, he must answer for it—but in fair proceedings before an impartial judge. Moro and the prejudice whipped up by the Brazilian media have made this impossible. The case should therefore be taken away from Moro and given to an impartial ICAC-style commission—not in order to protect corrupt politicians or thieving construction bosses but for the sake of the rule of law and human rights, and to prevent prosecutions from turning into persecutions.

https://falandoverdades.com.br/2017/04/26/revista-cientifica-americana-foreign-affairs-lula-nao-esta-tendo-julgamento-justo-e-sim-perseguicao/

domingo, 16 de abril de 2017

Moniz Bandeira: Moro é parte imprescindível da estratégia de Washington de acelerar desordem mundial no Brasil

moro-1Se a grande mídia está a favor, se ela está enchendo a bola de alguém, cuide-se, melhor ficar do outro lado.
A história de Sérgio Moro, mais que um Savonarola brasileiro, como destacou o escritor Rogério Cerqueira Leite, é, na verdade, repetição, como farsa, de Silvério dos Reis, traidor que entregou os inconfidentes em Minas Gerais, para o império português levar para a Europa a riqueza da época, o ouro.
Hoje, é o petróleo.
Silvério dos Reis notabilizou-se vida afora como personagem a ser estudado para que brasileiros e brasileiras vejam quem são os vendilhões da pátria.
A grande mídia, uma dessas vendilhãs, tem, hoje, o vendilhão Moro como ícone da sua estratégia: preparar o campo para a devastação imperialista avançar.
A jogada é toda armada em Washington, como disse o historiador e politólogo, Moniz Bandeira, autor do recente “A nova desordem mundial”, em entrevista a Leite Filho, do blog “Café na Política” e da TV Comunitária.
Tio Sam está perdendo o Oriente Médio.
Putin, lider nacionalista russo,  alinhou-se aos nacionalistas árabes e está botando Obama para correr da Síria.
O dólar está virando moeda podre, depois da grande crise de 2008-2009.
Não dá mais para repetir a jogada de Nixon, em 1971, quando desvinculou dólar do ouro e a moeda americana flutuou, desvalorizou-se, espalhando adoidado em empréstimos pelo mundo a juro baixo, para depois ser puxado , violentamente, em 1979, a fim de escravizar os devedores.
Superendividado, Tio Sam, hoje, está broxa; se puxar o juro, como fez, naquela ocasião, afunda-se; então, sua jogada, agora, é tomar ativo dos outros, derrubando governos nacionalistas, colocando os Temer no lugar, usando a TV Globo e afins, de modo a facilitar o assalto.
A PEC 241, essencial para destruir o mercado interno consumidor, é isso aí, desmontagem do Brasil, junto com destruição da Petrobrás; precisou de golpe para articular o grande movimento, sintonizado com Tio Sam, PSDB, STF, PMDB etc.
Como as expectativas do imperialismo, no Oriente Médio, estão em baixa, seus estrategista, diz Bandeira, voltaram-se para a América Latina, quintal americano, sob impacto de políticas nacionalistas.
Estavam em xeque as políticas do império, de exploração das riquezas regionais, sem dar nada em troca.
Lula, Dilma, Kirchner, Chavez, Correa, Moralez, Castro etc ergueram-se, nos últimos anos, barrreiras aos avanços dos interesses de Tio Sam.
Não foi possível a Washington caminhar com a Alca, transformando as indústrias regionais sulamericanas em meras maquiladoras, como aconteceu no México, que caiu na armadilha do livre comércio com Tio Sam.
O nacionalismo econômico, no Brasil, ancorou-se na Petrobras, nascida do pensamento nacionalista de Vargas.
A petroleira brasileira, sulamericana, estava avançando demais no continente.
As indústrias da região, não, apenas, do Brasil, caminhavam para se transformar em efetivas fornecedoras da estatal do petróleo.
Desenvolvimento capitalista orgânico.
Cadeia produtiva em expansão continental sinaliza potência econômica mundial, somando-se à PDVSA venezuelana.
A descoberta do pré sal representou uma bomba para o império americano.
Como conter o gigante?
Partiu-se para a destruição da empresa por dentro, comprando os homens.
A corrupção, algo natural do capitalismo, associada ao sistema político corrupto, comandado por grandes bancos e grandes empresas, nacionais e internacionais, financiadoras dos políticos, foi erguida como inimiga central a ser combatida.
Pintou o falso moralismo característico dos canalhas, para desviarem do assunto central para o lateral, de modo a acelerar a destruição petroleira.
Precisava, para o desempenho dessa tarefa, dos profissionais do Direito.
Napoleão já dizia que o Direito é a prostituta do poder.
Faz o que ele manda.
Washington chamou o Juiz Sérgio Moro, treinou-o, em suas agências de espionagem, para ser seu pé de cabra na empresa, a fim de destruí-la.
Teve que atuar nessa linha, porque, no plano da disputa capitalista, as petroleiras americanas e internacionais jamais impediriam a Petrobras de crescer.
Ficou mais difícil ainda depois da descoberta do pré sal, mediante tecnologia nacional.
É praxe Washington requisitar os Moros da vida; viram seus espiões que se transformam em instrumentos indispensáveis ao falso moralismo jurídico alardeado pelas tevês Globo etc.
A lógica diria que o necessário e urgente seria o poder nacional remover os corruptos e preservar as empresas.
Mas, para Washington, não; isso seria pouco. Monta-se a Operação Lavajato. Seria necessário mais do que isso. Sérgio Moro, treinado pelos agentes americanos, cuidou da Lavajato.
O STF entendeu essência da Lavajato e fez o jogo do império: calou-se diante dos absurdos jurídicos praticados pelo Savonarola.
Tentou-se tal jogada com o petrolão, para derrubar Lula.
Não deu certo.
O PSDB, braço de Washington, tremeu nas bases, quando o presidente operário disse que convocaria o povo para defendê-lo.
Com Dilma, em meio à crise econômica mundial, a estratégia deu certo, tendo o epicentro do golpe a petroleira estatal, o alvo a ser destruído.
Concluída a queda, desarticulada a base governista, com a traição do PMDB, maior beneficiário da corrupção dentro da empresa, enquanto aliado do PT, partiu-se para consolidar vendas de ativos da Petrobras e caçar petistas.
Moro, implacável, trabalha, juridicamente, para destruir as bases econômicas e financeiras da estatal, em seu amplo espectro de cadeia produtiva.
Afinal, ela puxa os investimentos, por meio das grandes empreiteiras nacionais, que, por sua vez, ramificam em miríade de pequenas e médias empresas.
Destruindo a Petrobras, destrói-se tudo; acelera-se, especialmente, privatização do pré sal, joia da coroa.
Moro é a aparência que pensa ser a essência.
Despacha providências aceleradas para concluir o trabalho de desmontagem da economia.
O objetivo é claro: impedir Brasil de ser grande concorrente internacional, a partir da América do Sul, tornando-se parceiro da Rússia, da China e da India, nos BRICs.
Washinton luta para impedir essa estratégia; fragilizaria, mais ainda, o dólar; criaria novo sistema monetário internacional; alteraria a correlação de forças; jogaria por terra a geopolítica de Tio Sam, montada a partir de 800 bases militares pelo mundo afora.
Hillary Clinton, se presidente dos EUA, entrará em cena, jogando pesado; vai querer bases de Tio Sam na América do Sul; dividir para reinar; eis o que justifica a ação do império na tarefa de cumprir o título do livro de Moniz Bandeira: “Nova desordem mundial”.
Moro, o Silvério dos Reis, é o personagem desse novo tempo, adequado aos interesses de Tio Sam.
https://luizmuller.com/2016/10/23/moniz-bandeira-moro-e-parte-imprescindivel-da-estrategia-de-washington-de-acelerar-desordem-mundial-no-brasil/



Paulo Moreira Leite

O efeito mais grave  e deprimente dos depoimentos e delações da Lista do Fachin é seu papel na restauração da velha ordem social brasileira, típica de uma sociedade desigual e hierarquizada, onde as classes sociais e seus representantes pouco a pouco retornam aos papéis tradicionais num universo de domínio e  submissão.

Num tempo em que a Lava Jato já havia se transformado em espetáculo fantasioso e juristas de bom calibre comparavam as longas prisões preventivas a uma tortura sem sangue, o professor da USP Renato Mello Jorge da Silveira, titular da cadeira de Direito Penal da USP, apontou para uma questão social nítida. Descreveu a delação premiada como  aquele mecanismo que mobiliza fortes e fracos, para reproduzir uma velha ordem que sempre beneficia os primeiros em benefício dos segundos. Disse o professor: "beneficia-se o criminoso de alta gama, aquele que teria mais informações. Pactua-se, portanto, com quem mais delinquiu. Pune-se, por outro lado, a menor criminalidade, ou outros, que simplesmente ficaram aquietados."

É isso aí: num país onde, entre 2002 e 2016, ocorreram mudanças que, com todos os seus limites e distorções, permitiram que um povo sempre dominado, caminhasse de cabeça erguida e com mais consciência do que nunca  sobre direitos e vontades, as delações premiadas funcionam -- sociologicamente -- como  um mecanismo de retorno a velha ordem.

É este o fio condutor do espetáculo, seu sentido histórico, que se projeta como ameaça sombria para muitos anos vindouros desde país tão belo, habitado por um povo tão maltratado mas altivo e corajoso. Nos dias de hoje, pós-lista do Fachin, vivemos o ponto decisivo de uma novela de classe, patrocinada pelo conjunto da velha classe dominante brasileira, com o auxílio sempre indispensável da Globo e seu império, exímio ilusionista de multidões.

O empreiteiro Emílio Odebrecht, no papel de "criminoso de alta gama", é chamado a colaborar na punição de Lula, aquele personagem que, na pior das hipóteses, poderia ser enquadrado na categoria "menor criminalidade", para que seja conduzido à prisão, onde pode fazer companhia a outros condenados, aqueles "outros, que ficaram aquietados."

Este é o horizonte do folhetim. O  capítulo decisivo será exibido em 3 de maio, quando Lula se apresenta perante Sérgio Moro, para responder por cinco inquéritos. Divulgada em ambiente de circo, a função dramática da lista de Fachin fica cada vez mais clara:  criar o clima de suspense, definindo uma espectatativa na qual, como acontece nas boas dramaturgias, o público já está convencido de tudo e já não se pergunta pelo que pode acontecer. Só quer saber como o vilão será apanhado.

Como explicou o professor Luiz Moreira, em entrevista ao 247: "a combinação entre a midiatização das acusações e a insistência com que elas são veiculadas na mídia geram uma espécie de cansaço que pode levar as pessoas a entenderem que realmente há algo reprovável juridicamente nas condutas de Lula. Repare que não se trata de comprovação jurídica de que Lula tenha cometido algum crime, mas a permanência das acusações gera esse sentimento de que ele é culpado."

A novela de classe ajuda a criar o cansaço, essa dificuldade de raciocinar e manter os sentidos em alerta. Só os muito iludidos com a Lava Jato em sua fase Lista do Fachin têm direito a se impressionar com a citação de velhos quadros da elite brasileira, como José Serra, Aécio Neves, Geraldo Alckmin e Fernando Henrique Cardoso, imaginando que a situação mudou. Estamos falando de personalidades úteis a seus patrocinadores, capazes mesmo de atos execráveis mas inteiramente descartáveis, substituíves como protagonistas que se revelam simples coadjuvantes , como já foram tantos nomes do passado -- Janio Quadros, Adhemar de Barros, Fernando Collor, o próprio José Sarney, Paulo Maluf  -- dispensados das funções quando sua presença tornou-se inconveniente, porque excessivamente desmoralizante.

Basta reparar que, embora nenhuma investigação esteja encerrada, já se vislumbram possíveis substitutos,  como o prefeito-ator, o apresentador-candidato, o economista-filósofo de programas-sexy e assim por diante. O lote de personalidades disponíveis para os serviços de quem sempre  mandou e sempre pagou bem é infinito, num país onde a origem das grandes fortunas se encontra na chibata e no pelourinho dos capitães do mato, modo de vida inaugurado logo após o Descobrimento, atualizado em sucessivas expedições coloniais recebidas pelo país até hoje, chegando, sem maiores disfarces e raros percalços, ao governo Michel Temer.

No Brasil entre 2002 e 2017, vivemos, apesar das aparências em contrário, no mundo como ele é: um lugar onde a  luta de classes existe e mobiliza patrão e empregado, burguês contra proletário, ricos contra pobres, império e colônia. Não existem personagens-deuses, nem lideranças de mármore, mas homens e mulheres de carne-e-osso, falíveis e também geniais, capazes de gestos mesquinhos e até vergonhosos em meio a atos de generosidade.

No país dos falsos homens-cordiais, do fascismo vendido como sabonete, da social-democracia dos banqueiros, chega-se à etapa mais dramática -- até aqui -- de  um conflito como nunca se tinha visto, uma luta histórica que sempre esteve disfarçada porque seu sabor estragava o apetite dos bons jantares, a superficialidade do jornalismo bem comportado. Este é o Brasil que aguarda pelo 3 de maio. E é nesta situação que Emílio Odebrecht assume, com risos no rosto e comentários bem humorados, possivelmente espontâneos, o esforço para destruir um cidadão que se revelou um inimigo de classe, um alvo a ser destruído.

Em várias ocasiões, o patriarca da ex-maior empresa produtiva brasileira, o que realmente manda -- e passou a mandar ainda mais depois que o celular do filho Marcelo tornou-se o mapa da mina do Ministério Público -- aceitou ser enquadrado pelo procurador Sérgio Bruno Fernandes, que o interrogava, com um desempenho que logo seria notado -- de forma elogiosa -- pelo Jornal Nacional.  
Mais de uma vez, Emílio Ocebrecht ouviu lições de moral e de política quando lembrou que estamos falando de um esquema que existe "há mais de 30 anos." Num esclarecimento típico de quem está muito à vontade nas funções, e até ultrapassa a fronteira de quem se limita a ouvir o que a testemunha tem a dizer, o procurador interrompeu delicamente o depoimento para  argumentar: "Sempre há um momento para começar a resolver. Estamos tentando mudar as coisas como vinham sendo feitas. Vamos ver se a gente consegue." 

Sempre na posição de menino -- em sua infância o termo era "moleque _- apanhado fazendo coisa errada, Emílio Odebrecht também foi advertido pelo procurador em outra ocasião. Este se mostrou incomodado por sua relutância em empregar termos do Código Penal -- como propina -- para se referir aos pagamentos a políticos. Usando uma situação hipotética, perguntou ao dono da ex-maior empresa produtiva brasileira como ele definiria o gesto de um cidadão que dá uma "ajuda" a um guarda que deveria ser multado por excesso de velocidade. Foi uma argumentação longa, excessivamente didática, que avermelhou a pele amorenada do empresário, tratado como aquele aluno humilhado perante toda classe -- no caso perante o país -- apontado como incapaz de entender uma questão simples e óbvia.

Tratando o interlocutor como um cidadão que desconhece questões básicas da vida em sociedade, o procurador lembrou que o pagamento seria criminoso mesmo que o policial tivesse usado o dinheiro para matar a fome do filho.  Emílio Odebrecht -- cujas opiniões Fernando Henrique Cardoso gostava tanto de ouvir que chegou a lhe convidar para fazer um projeto de reforma do capitalismo brasileiro -- ficou quieto mais uma vez. Empresário, não era de se imaginar que fosse aproveitar a deixa e debater crimes famélicos, num país que só muito recentemente -- e por causa de quem mesmo?  -- deixou o mapa da fome da ONU. Isso ajudaria a entender por que as vezes é difícil pensar a vida apenas pelo Código Penal, não é mesmo?

Perdeu a chance de explicar que o debate, ali, não envolvia exclusivamente o bom uso de um dicionário da língua portuguesa mas um percurso histórico, que gerou benefícios e prejuízos que dizem respeito a todos os presentes naquela audiência. Poderia ter lembrado -- a título de simples contribuição ao debate em curso diante de imagens que depois seriam vistas pelo país inteiro -- que mesmo envenado por propinas e outras práticas condenáveis, que hoje o país se dispõe a investigar e punir, o desenvolvimento brasileiro permitiu muitas coisas. Uma delas: ajudando a formar a oitava maior economia do mundo, com uma base material importante, capaz de alimentar uma superestrutura sofisticada, que dá lugar a atividades complexas e caras, entre elas um Ministério Público com formação acadêmica, ótimos  salários e boa remuneração funcional, cursos no exterior, verbas para viajar e autonomia constitucional. Essa é a irônica dialética da coisa, da Lava Jato e seu objeto.

Mas, na posição de "criminoso de alta gama", beneficiado pelo " aquele que mais delinquiu," para retomar as palavras sensatas, sociologicamente inatacáveis, como mostrou o professor Renato Mello Jorge da Silveira, Emílio Odebrecht assumiu o percurso previsto no roteiro da novela de classe.

Mais popular presidente da História republicana, ocupando -- até aqui -- a primeira posição entre candidatos em 2018, a posição de Lula aos olhos da maioria dos brasileiros demonstra que ele está protegido contra críticas políticas e ataques frontais. Não tem a biografia de um monge mas é um dos raríssimos homens públicos brasileiros cuja propria história fala a favor. Seus inimigos sabem que deve ser tocaiado pelas costas, em lances de bastidor, que tem a força da fofoca e fazer comentários de pé de ouvido perante as multidões, sem a chance de se defender.

O esforço de Odebrecht para destruir Lula como líder dos trabalhadores brasileiros -- indiscutivelmente o mais importante desde a implantação do trabalho assalariado no país -- baseia-se numa tentativa  de  reescrever, quatro décadas depois, a história das primeiras lutas sociais no final da ditadura militar. Lembrando uma atuação moderadora de Lula na década de 1970, durante uma greve do Polo Petroquímico de Camaçari, na Bahia, Odebrecht deixa no ar uma suspeita maliciosa contra uma liderança que acaba de emergir das greves do ABC. "Ele criou as condições para que eu pudesse ter uma relação diferenciada com os sindicatos," disse Emílio Odebrecht.

Proprietário de uma inegável capacidade de negociação -- e de uma permanente vontade política de conciliação -- Lula ajudou fez trajetória como um moderado assumido. Foi assim que ajudou a preparar  o ingresso dos trabalhadores na cena política com fisionomia própria, construindo um partido de classe, o PT, e uma central sindical independente, a CUT. Mesmo criticado por lideranças e organizações situadas a sua esquerda, que sempre reclamaram de sua moderação litar, chegando a ser afastado da presidência do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Mesmo assim, completou um percurso único. Num processo do qual era o lider indiscutível, vinte anos depois da queda da ditadura, ingressava no Planalto como primeiro presidente operário, num governo que se prolongaria pelos doze anos seguintes, sendo interrompido apenas através de um golpe de Estado. Um dos méritos de sua atuação como liderança sindical foi justamente assegurar uma "relação diferenciada com sindicatos" -- que permitiu a instalação de Comissões de Fábrica nas grandes empresas, assegurou melhorias salariais inegáveis e outros benefícios. Transportando esse mesmo espírito para o Planalto, assumiu propostas que permitiam ganhos tanto para as camadas de cima da pirâmide, mas, pela primeira vez, para as camadas debaixo.

Com o riso aberto de quem prepara uma gargalhada, Emílio Odebrecht ainda deu uma contribuição indispensável para se compreender o conteúdo da Lava Jato  como um processo essencialmente político, quando afirmou, em tom de revelação comprometedora:  " Lula nunca foi de esquerda. É um bon vivant."

Confirmando que a relevância de uma afirmação dessa natureza é própria de tribunais construídos por uma ditadura, mesmo em regimes stalinistas, a fonte de Emílio Odebrecht tem origem. Trata-se do general Golbery do Couto e Silva, criador do Serviço Nacional de Informações, a máquina de espionagem da ditadura de 64, que tentou cooptar Lula para seus quadros, num encontro fechado no bairro da Liberdade, sendo repelido de forma clara e direta. (Para não haver dúvida: quem relata o esforço para atrair Lula, e a recusa do líder metalúrgico, é o jornalista José Nêumane Pinto, insuspeito de qualquer simpatia pelo personagem).

Acusado de ter feito gestões para garantir financiamento do atual BNDES para a multinacional Dow Chemical, gigante mundial da industria química, Golbery encerrou a carreira política como malufista militante. Tinha  um emprego confortável numa diretoria do Banco Cidade, frequentemente envolvido  -- ora vejam! -- em denúncias de lavagem velha  financeira para políticos paulistas. (Por um período, Fernando Henrique Cardoso chegou a residir num apartamento que pertencera ao presidente da instituição). Até por ser um personagem que  não pode ser mecionado sem provocar mal-estar em todas as rodas, a referência a Golbery acabou suprimida em tele-jornais mais recentes da TV Globo. Num recurso de edição, ficou a frase, sem a referência ao general da ditadura. Foi um desserviço a verdade factual. Quem ouviu a nova versão, teve a impressão de que Emílio Odebrecht pensava aquilo que o general disse. Na verdade, foi o general -- morto em 1987 -- que falava por sua boca.

Disputando o papel de protagonista do esmagamento de Lula, Emílio Odebrecht apresentou-se como um dos autores da Carta ao Povo Brasileiro. Alvo de críticas severas de uma parcela importante do Partido dos Trabalhadores, na conjuntura da campanha de 2002 este documento serviu para esvaziar o ambiente de terror econômico que se procurava construir em torno de uma possível vitória de Lula, que incluia até um exótico "lulômetro" elaborado por um executivo do mercado financeiro, que pretendia associar o agravamento da crise às declarações do candidato favorito ao Planalto. Há 15 anos, o documento foi saudado, pelos adversários de hoje, como uma demonstração de "amadurecimento" do Partido dos Trabalhadores e de Lula. No inferno de 2017, afirmação de Emílio Odebrecht é serviu para questionar a sinceridade de Lula, no esforço para transformar a Lava Jato num juízo de caráter, mudança própria dos tribunais totalitários.

Ouvido pelo 247, um dos autores da Carta reagiu inconformado com a versão do empresário: "isso é engenharia de obra feita." No livro "Sobre Formigas e Cigarras", onde oferece o melhor relato interno sobre a Carta, Antônio Palocci revela que o principal interlocutor, entre empresários, na redação do documento, foi João Roberto Marinho, um dos donos da Globo, que ouviu e aprovou a versão final do documento.             

Mesmo quando ocorre num ambiente de salvação nacional, como se tenta criar em torno da Lava Jato -- uma investigação necessária que se transformou numa ameaça a democracia -- a delação de qualquer pessoa é malvista em toda parte. Como ensinou o filósofo Isaiah Berlim, os bons princípios éticos são aqueles que não atendem a nossos interesses. A delação, não custa lembrar, é uma demonstração de deslealdade, que não se apoia em nenhum compromisso ético -- pois todo delator atua, em primeiro lugar, para prejudicar alguém em nome do interesse próprio.

Nos primeiros meses de sua longa preventiva, o filho Marcelo Odebrecht usava o jargão "dedurar" e disse que havia ensinado as filhas que o ato de dedurar alguém por uma falta cometida cometida poderia ser até mais grave do que a própria falta. Valores, como se diz por aí.  

Deu para entender a novela de classe?

http://www.brasil247.com/pt/blog/paulomoreiraleite/290602/Novela-de-classe-de-Emilio-Obrechet-x-Lula.htm





segunda-feira, 10 de abril de 2017

Escroques e polícias vão decidir nosso destino?



Salvo por um site de extrema-direita, que parece ter linha direta com a sala de audiências onde Sérgio Moro faz seus interrogatórios, não se sabe o que está dizendo o sr. Marcelo Odebrecht.
Não se sabe, mas se imagina, porque a finalidade de sua delação é confirmar os fatos que já compunham as “convicções” da República de Curitiba sobre Lula e que – ao contrário de outras revelações surgidas ao longo deste processo, onde é o enriquecimento pessoal o objetivo dos pagamentos – só mostram o que todo mundo sabe mais ou menos desde a construção da Sé de Braga: que a política no Brasil funciona com financiamento empresarial.
O fato deprimente é que a vida brasileira, a democracia, as instituições e – afinal – a nossa capacidade de decidir o que é melhor e mais jutos para o Brasil esteja a depender de histórias convenientes de um cidadão que já demonstrou que seu império empresarial financiava  partidos e políticos de todos tipos e envergadura, em caixa 1, 2, 3, 4 e tanto para atividades políticas.
Tudo isso é tão absurdo que já se percebe um enfado da população com um processo sem fim, que excita apenas jornais e blogs, porque a sabedoria popular já percebeu que todo este processo só a empobreceu, desempregou e paralisou as obras que faziam no país.
Tudo o que se vê é morbidez encarceradora e uso político dos processos de “investigação” que, na essência, dependem apenas dos que dizem os empresários, “amaciados” por meses de cadeia e encantados com a possibilidade de continuarem ricos, poderosos e fruindo de tudo isso ao cumprirem a condição de sua anistia mal disfarçada: delatar tal e qual se deseja que delatem.
O Brasil está destroçado e não tem como se recuperar nesta aventura policial-judicial em que está metido. Da Polícia Federal aos ministros do Supremo o poder está entregue a castas cuja natureza autoritária e prepotente não combinam com a democracia.
Talvez ele negue hoje, convertido que está ao “lavajatismo”, mas me recordo muito bem de uma frase do deputado Miro Teixeira, outrora um parlamentar importante: “quem é louco de deixar a polícia governar o Brasil?”
Acrescente-se uma toga aos coletes e você verá que andamos assim.
E andamos para trás.
http://www.tijolaco.com.br/blog/escroques-e-policias-vao-decidir-nosso-destino/

sábado, 8 de abril de 2017

República de Curitiba é uma fraude’, diz integrante da Lava Jato

O procurador da República Diogo Castor de Mattos, membro da força-tarefa Lava Jato, em artigo publicado neste sábado (8), desmistifica o slogan “República de Curitiba: aqui a lei se cumpre”. Ele afirma que “enquanto para alguns a Lava Jato curitibana promoveu uma faxina no país, a cidade continuou com seu quintal imundo, pois os casos de corrupção local sempre acabaram em pizza”.
Paraná, paraíso da impunidade
Diogo Castor de Mattos, originalmente publicado no blog Gazeta do Povo
O slogan “República de Curitiba: aqui a lei se cumpre” vem sendo usado pelos curitibanos como uma manifestação de orgulho pelo pertencimento a uma suposta ilha de seriedade num país tomado pela impunidade. Paradoxalmente, enquanto para alguns a Lava Jato curitibana promoveu uma faxina no país, a cidade continuou com seu quintal imundo, pois os casos de corrupção local sempre acabaram em pizza.
Dias atrás, o secretário de Estado Ezequias Moreira foi condenado pelo TJPR a pena de seis anos e oito meses de prisão por desvio de dinheiro público no escândalo da “sogra fantasma”. Ezequias confessou ter colocado a sogra na folha de pagamento do órgão legislativo por 11 anos, desviando meio milhão de reais. Quando o processo estava pronto para ser sentenciado, em junho de 2013, Moreira foi nomeado secretário de Estado (em uma secretaria criada só pra ele) pelo atual governador, ganhando foro privilegiado. Após dezenas de manobras processuais, o caso prescreveu, enquanto o acusado continua a gozar do status de secretário, como se nada tivesse acontecido.
O esquema “Gafanhoto”, que usou a mesma estratégia de funcionários fantasmas para desviar dinheiro da Assembleia entre 2001 e 2004, ficou com a investigação parada por dois anos por decisão do STF e atualmente se arrasta rumo ao cancelamento sem nenhuma condenação efetiva. Como não foram incomodados, os gafanhotos cresceram e se sofisticaram. Em 2010 veio o escândalo dos Diários Secretos da Assembleia, em que as mesmas assombrações desviaram mais de R$ 200 milhões em favor de políticos regionais. Passados sete anos, nenhum cacique foi definitivamente punido.
Apontado pelas investigações como chefe do esquema, o ex-diretor Abib Miguel, o “Bibinho”, chegou a ser preso e condenado a 39 anos de prisão na primeira instância. Contudo, em 2015 o TJPR anulou as duas condenações em virtude de o juiz não ter adequado a data de oitivas de testemunha à disponibilidade de agenda do advogado de defesa. Na sequência, o STJ mandou soltá-lo por entender que os recursos estavam demorando. Já o deputado estadual Nelson Justus, considerado pelo MPPR como outro articulador dos desvios, somente teve a denúncia recebida em dezembro de 2016, sendo que após completar 70 anos, no fim de junho de 2017, ganhará de presente a redução pela metade do prazo prescricional dos crimes da acusação, que certamente será cancelada pela demora.
O caso Copel Olvepar também segue sem solução. O governo Jaime Lerner, no ano de 2002, validou créditos de ICMS podres da quase falida Olvepar no valor de R$ 67 milhões, que foram posteriormente adquiridos pela Copel. O doleiro Alberto Youssef confessou que operacionalizou o pagamento de R$ 19 milhões para agentes públicos paranaenses aceitarem a negociata. Passados 15 anos e depois de a delação de Youssef sumir do cartório, o caso ainda aguarda sentença da Justiça.
Nessa folia, não podemos esquecer das investigações do MPPR sobre o ex-presidente da Câmara dos Vereadores João Derosso, que levantaram provas de gastos de R$ 30 milhões de dinheiro público, entre 2006 e 2011, em serviços de publicidade com duas empresas, sendo uma da própria esposa. Passados seis anos, pouca coisa aconteceu. Recentemente, a Justiça decretou indisponibilidade de R$ 17 milhões do ex-vereador, esperando que um milagre ocorra para encontrar um centavo na conta do político depois de tanto tempo.
Outras investigações recentes, embora promissoras, não conseguiram romper a barreira da impunidade. Em 2014, um ex-coordenador do Tribunal de Contas foi preso em flagrante recebendo R$ 200 mil do dono de uma empreiteira local. Ficou preso por poucos dias. Depois, o TJPR anulou as provas da interceptação telefônica. Já as operações Voldemort, Quadro Negro e Publicano, apesar de desvendarem fatos gravíssimos, não conseguiram avançar no controle político dos esquemas criminosos, pois todos os personagens centrais foram soltos por decisões de tribunais.
Todos esses fatos demonstram que a Lava Jato revelou apenas um gigantesco tumor que está sendo extirpado. Contudo, enquanto não tratarmos o sistema cancerígeno, outros tumores maiores e mais resistentes surgirão e continuarão a estrangular os caminhos do dinheiro público.
Diogo Castor de Mattos, procurador da República, é integrante da força-tarefa da Operação Lava Jato no Ministério Público Federal no Paraná.
http://www.esmaelmorais.com.br/2017/04/republica-de-curitiba-e-uma-fraude-diz-integrante-da-lava-jato/

quinta-feira, 6 de abril de 2017

MORO, EICHMAN E A BANALIDADE DO MAL



Por Roberto Ponciano, colaborador do Cafezinho

O mais assustador no que está acontecendo no Brasil não é uma questão apenas política, e ver que em poucos meses, uma democracia que demorou 20 anos para ser reconstruída pode se esfumar. Alain Badiou deixou claro em sua obra, que a negligência, a omissão de quem tem o dever de atuar, dos intelectuais e militantes políticos diante de um Evento é imperdoável. Não é simples omissão, é cumplicidade, é criminoso.
O assustador desta história é que o juiz Sérgio Moro não é um grande ator político, ao fim e ao cabo Moro é um Zé Ninguém (na acepção inclusive reicheana da miséria psíquica), um juiz de visão política turva, nenhuma envergadura intelectual, com inteligência limitada e visão zero de sociedade.
Um mero Eichman, executor das ordens superiores.
No momento não sabemos claramente de quem, mas efetivamente desconfiamos da cumplicidade. De certo, do próprio Janot, o Procurador Geral da República, que deveria ser o defensor da lei, mas tendo conhecimento dos pérfidos grampos de Moro, se não os autorizou, ratificou sua “legalidade”.
O aspecto tragicômico deste enredo é que nem um dos dois, nem Moro, nem Janot, tem qualquer dúvida que estão perpetrando uma ilegalidade. Os grampos nos telefones de Lula, Dilma, Jacques Wagner, Rui Falcão não tem nada que ver com a Lava Jato. Fariam corar de vergonha ou inveja os tribunais de exceção nazistas e o senador Joseph McCarthy. Ambos sabem que as escutas são ilegais e imorais e claramente persecutórias de um partido.
Hannah Arendt, ao acompanhar o julgamento de Eichman, cunhou a famosa frase, que resume toda uma teoria: “o mal é estrutural”.
O mal se torna banal quando um simples burocrata medíocre como Eichman é capaz de, sem sentir culpa ou remorso, fazer parte da engrenagem do mal.
Moro é Eichman, um burocrata medíocre, de passado obscuro e de futuro tenebroso. Não entra na história como herói, mas pela porta dos fundos, como um obscuro juiz camisa negra, cujo único objetivo é despachar os vagões cheios de prisioneiros vermelhos. Para que o mal seja banalizado, como nos ensinou Levinas, é fundamental que o inimigo seja desumanizado.
Em todos os julgamentos de tribunal de exceção, antes de tudo é necessário retirar a humanidade do outro. E para que não tenham dúvida, não estou falando só dos tribunais nazistas e fascistas. O mesmo simulacro de tribunal foi usado nos julgamentos de Moscou e em outros tribunais “revolucionários”, que não julgaram os indivíduos e seus crimes, mas suas ideias.
Moro não está investigando nenhum crime. Seus atos deixaram de ter qualquer resquício de legalidade há muito tempo, e ele não se importa em autorizar gravações ignóbeis e as ceder (sabe-se lá em que condições) à maior rede de conspiração do Brasil (a TV Goebbels), que precisa repetir uma mentira mil vezes para que ela se transforme em verdade.
Assim, assassinam-se as garantias legais. Nenhum de nós é santo, se grampeassem meu telefone, não sei se iria primeiro para a cadeia ou primeiro para o inferno. Numa sociedade falsamente pudica (uma das características principais do fascismo), até os palavrões ditos em confidência são liberados para um “objetivo maior”.
Desumanizar o adversário, para que o terror fascista prevaleça. É necessário que o adversário seja um cão, uma besta leprosa indesejável, que deve ser chutada e cuspida na rua.
Vermelhos, socialistas, comunistas!
Mas não precisa ser socialista ou comunista. Na sanha fascista do mal, quem estiver contra o fascismo já ganha sua adesão incondicional às ideias deste inimigo imaginário.
E tenho bastante moral para gritar contra isto. Quando se começou o linchamento moral de FHC, pelo suposto filho “ilegítimo”, escrevi pequenos textos dizendo que assim nos igualávamos às idiotices do “sítio do Lula”. Como democrata, como socialista, não me interessam as aventuras amorosas de FHC e o que aconteceu com a vida dele. Nem mesmo se ele tem um apartamento em Paris.
Isso é cretinismo. Não se constrói um debate democrático e ideais firmes para um embate político sério assim. Posso sim falar de FHC que ele agora é cúmplice do golpe, quando tinha o dever de denunciá-lo, vítima de 1964 que foi. Com seu aval, o PSDB, partido fundado por ele, embarca na aventura de um golpe de Estado.
No meio desta tragédia, há os “inocentes”. Membros da classe média que se pretendem imparciais, mas que com sua imparcialidade, fazem coro às indecentes violações dos direitos humanos, da privacidade, do vale-tudo. Que correm para futricar as conversas privadas dos PeTistas (estas bestas-feras inimigas da humanidade), fingindo não ver que estas gravações, e seu vazamento, são criminosas. Tudo tirado do seu contexto e repetido ad nauseam para causar o efeito que está causando.
Uma parte da classe média pede “justiça’ a quem rasgou seu papel de defender a justiça, e outra adere à barbárie fascista, agredindo pessoas que julgam adversárias na rua. O povo do “vai para Cuba”. São duas faces da mesma moeda. Assim como a classe média alemã que foi cúmplice e beneficiária do nazismo e só abandonou o sonho do “Reich de mil anos” quando os aliados começaram a bombardear as cidades alemãs.
Não há perdão para esta cumplicidade e covardia.
Há também cumplicidade e covardia de parcela de “esquerdistas”, que num momento de transe histórico e de risco de regressão, sonham que estão às portas de uma Revolução e que Brasília é o Palácio de Inverno. Quixotescos traidores da democracia, que serão os primeiros a serem vitimados.
Vivemos um momento de terror e transe, os próximos dias serão de confrontação de dois campos em disputa pelo futuro do país. Um dos campos tem o juiz medíocre Moro, o conspirador geral da República, Rodrigo Janot, Bolsonaro, Malafaia, Feliciano. A junção do que há de mais perverso é uma ameaça de morte à inteligência.
Num momento tão grave, a maior oferta de cursos universitários não gerou uma juventude com ideias mais avançadas, capaz de defender a democracia e a liberdade.
No local em que eu trabalho, vejo servidores concursados usando trágicas camisas pretas entoarem gritos de guerra pró-Moro, acompanhados de juízes que só pensam no próprio umbigo. Os três estagiários jovens do local em que eu trabalho admiram Bolsonaro e duas disseram que preferem votar em Bolsonaro a votar em Lula.
A mentira dita mil vezes cria um Zeitgest de espírito do tempo às avessas.
Jovens de classe média ou baixa, que passam a acreditar no fascismo como redentor do nada, como redentor do caos que ele mesmo – o fascismo – cria.
Um reles funcionário de quinta categoria, nosso Eichman dos tempos hodiernos, Sérgio Moro, é capaz de liberar os trens para os campos de concentração e tornar uma nação inteira refém dele.
Quando um juiz de uma vara de primeira instância consegue poderes absolutos através da cumplicidade da PGR e da chantagem ilimitada, e se coloca acima da Presidente eleita legitimamente, não é só o governo que se ameaça.
A possibilidade de uma ditadura tecnocrata de burocratas torpes, míopes e obtusos, sem pauta social, sem projeto e no meio do caos de um país dividido, é uma ameaça a todos os democratas.
Devemos defender a democracia pela qual nossos pais sofreram prisão, exílio, tortura e morte, e derrotar o fascismo.
Não consigo me imaginar viver num país onde qualquer Eichman de Curitiba possa golpear uma nação inteira!
Só há um remédio. Temos que ir às ruas e vigiar.
Os fascistas não passarão!


Roberto Ponciano é Mestre em Filosofia/Ética, em Letras Neolatinas e Especialista em Economia do Trabalho

http://www.ocafezinho.com/2016/03/21/moro-eichman-e-a-banalidade-do-mal/