A defesa de Marcelo Odebrecht representa o juiz da operação Lava-Jato no CNJ.
EXMA. SRA. DRA. CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA.
MARCELO BAHIA ODEBRECHT, brasileiro, casado, engenheiro, RG nº 2598834/SSP/BA, CPF/MF nº 487.956.235-15, e ISABELA CRISTINA ALVAREZ ODEBRECHT, brasileira, casada, RG nº 04991806-07/SSP/BA, CPF/MF nº 431.216.915-20, ambos residentes na Rua Joaquim Cândido de Azevedo Marques nº 750, casa 319, Morumbi em São Paulo/SP, CEP 05688-020 estando o primeiro atualmente recolhido no Complexo Médico Penal em Pinhais/PR, vêm, por seus procuradores signatários (Documento 01), com fundamento no artigo 5º, XXXIV, ‘a’, da Constituição Federal e art. 2º e 3º, VI, do Regulamento Geral da Corregedoria Nacional de Justiça, apresentar PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS em razão dos gravíssimos fatos a seguir expostos:
01. Os requerentes são casados e o primeiro é investigado nos autos de Inquérito Policial nº 5071379-25.2014.404.7000 da 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba/PR.
02. Nos referidos autos eletrônicos (e-proc), às 18h03min40seg do dia 05/11/2015, o escrivão de polícia federal Guilherme Augusto de Oliveira Montenegro (login EPF18362) juntou “diligência policial” (Evento 179) contendo laudo de extração de mídia referente ao item 01 – item de arrecadação nº 01, contido na mídia anexa ao laudo 1386/2015, que consiste em arquivo .pdf com a exportação de todos os dados (mídias e texto) do aparelho de telefone celular do primeiro requerente (Documento 02).
03. Conforme se verifica da própria certidão lavrada pelo escrivão de Polícia Federal, a juntada se deu por determinação do Delegado de Polícia Federal Eduardo Mauat da Silva em despacho proferido às fls. 1.417 (Evento 148) do referido Inquérito Policial (Documento 03).
04. Ocorre que, o laudo em questão contém diversos dados referentes à intimidade e à vida privada do primeiro requerente e de seus familiares, invioláveis nos termos do artigo 5º, X1 e XII2, da CF, tais como imagens da intimidade da segunda requerente, das filhas de ambos os requerentes, inclusive duas delas menores de 18 anos, que nada têm a ver com a cognominada Operação “Lava Jato”, assim como senhas de contas bancárias, de cartões de crédito e até mesmo do sistema de segurança da sua residência, no endereço mencionado no preâmbulo acima, além da agenda do primeiro requerente com nome completo, telefone e endereço, de terceiras pessoas que também nada têm a ver com a “Lava Jato”. Portanto, são informações que não guardam nenhuma relação com os fatos que são objeto de apuração na referida investigação e nas ações penais a ela vinculadas (Documento 04), não podendo por isso mesmo, sob pena de cometimento de infração penal, figurar em processo nem ser objeto de publicidade, como se colhe dos preceitos constitucionais acima dos citados em conjugação, entre outros, com o disposto nos arts. 8º, 9º e 10 da Lei nº 9.296/96.
05. Referidos documentos foram juntados no sistema e-proc sob sigilo de nível 1, os quais se tem conhecimento estão acessíveis a órgãos de imprensa, ainda que em desacordo com o grau de sigilo estabelecido, mediante consulta pública com chave do processo.
06. Isso porque, se sabe que a Justiça Federal de Curitiba/PR, ou a própria secretaria da 13ª Vara Federal, disponibilizou aos jornalistas em geral a relação de todas as chaves dos processos e procedimentos relacionados à “ Operação Lava Jato” por e-mail, inclusive com orientações para acesso ao conteúdo dos autos (Documento 05).
07. Diante disso, no dia 05/11/2015, às 19h, em contato telefônico dos advogados dos requerentes com a secretaria da 13ª Vara Federal de Curitiba/PR, atendimento realizado por servidor de nome Elias, solicitou-se fosse alterado, cautelarmente, até protocolo de petição, o grau de sigilo dos documentos em questão, razão por que o referido sigilo foi provisoriamente elevado para o nível 2.
08. Entretanto, poucos minutos após, por volta das 19h50min, constatou-se que o grau de sigilo havia sido novamente reduzido para o nível 1. Assim, em novo contato com a 1 Art. 5º, X: “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” 2 Art. 5º, XII: “É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”
3 Quanto aos níveis de sigilo do sistema e-proc, a resolução nº 17, de 26 de março de 2010 dispões que: “Art. 20 Os processos do e-Proc terão os seguintes níveis de sigilo, que poderão ser atribuídos pelo juízo processante ao processo, documento ou evento: a) Nível 0 (zero): Autos Públicos - visualização por todos os usuários internos, partes do processo e por terceiros, sendo que estes devem estar munidos da chave do processo; b) Nível 1 (um): Segredo de Justiça - visualização somente pelos usuários internos e partes do processo.”. Entretanto, simples consulta com as chaves de processo fornecidas pela Justiça Federal aos órgãos de imprensa é suficiente para constatar que essa forma de acesso também permite a visualização e download de documentos com sigilo nível 1, sendo recorrente a divulgação de informações sigilosas em blogs, jornais de grande circulação e telejornais.
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Assim, em novo contato com a secretaria da 13ª Vara Federal de Curitiba/PR, realizado por volta das 20h10min, agora com a Diretora Sra. Flavia Cecilia Maceno Blanco, foi novamente solicitada a elevação do grau de sigilo, ainda que cautelarmente, até decisão do Juiz Federal vinculado à “Operação Lava Jato”, tendo sido esclarecido naquela oportunidade que o nível de sigilo 1 atribuído aos documentos não obstava o acesso de terceiros, que estão indevidamente munidos da chave do processo. Da solicitação de elevação provisória até decisão do magistrado foi a Secretaria notificada outras duas vezes em e-mails enviados por advogados do primeiro peticionário em 05/11/2015, às 20h44min. e 06/11/2015, às 12h05min. (Documento 06), motivo pelo qual não é possível se alegar desconhecimento dos graves decorrentes da exposição ilícita dos requerentes e de sua família, inclusive de menores e de terceiros que nada têm a ver com a operação “Lava Jato”.
09. Somente às 12h07min19seg do dia 06/11/2015, após despacho do Juiz Federal no Evento 186 (Documento 07), o grau de sigilo foi efetivamente aumentado para o nível 2, o que demonstra o reconhecimento pelo juízo da burla existente ao grau de sigilo1. Sendo assim, todos esses dados ficaram expostos e suscetíveis a exposição e vazamento por mais de 18 horas, desde a sua juntada aos autos às 18h03min40seg do dia 05/11/2015.
10. Na medida em que tais documentos, a par de revelarem elementos sigilosos da intimidade e da vida privada dos requerentes completamente alheios às investigações, também contêm dados de crianças e de adolescentes (pois além das filhas adolescentes, contêm imagens de crianças), constituía dever prioritário incontornável das autoridades públicas envolvidas, conforme o artigo 227 da Constituição Federal, assegurar cautelarmente, sem necessidade de requisição por parte dos procuradores das partes, o sigilo necessário à preservação de suas imagens e identidades, na forma dos artigos 17 e 18 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990):
Artigo 227 da CF: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.
Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.
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11. Ressalte-se que o artigo 143 do Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que “é vedada a divulgação de atos judiciais, policiais e administrativos que digam respeito a crianças e adolescentes a que se atribua autoria de ato infracional” (caput), bem como que “qualquer notícia a respeito do fato não poderá identificar a criança ou adolescente, vedando-se fotografia, referência a nome, apelido, filiação, parentesco, residência e, inclusive, iniciais do nome e sobrenome” (parágrafo único), o que se deve aplicar com muito mais razão quando se trata de imagens de crianças que não praticaram qualquer ato infracional e não possuem nenhuma relação com os fatos sob apuração. Justamente por isso, nos autos de processos civis e de família, envolvendo criança e adolescente, os arquivos que possam expor de qualquer modo ou meio, a imagem, identidade, apelido, filiação, parentesco, ou qualquer outro dado que possa causar exposição indevida, não são anexados em autos eletrônicos, mas sim disponibilizados em mídia digital (HD, Pendrive, CD, etc) que fica acautelada e disponível apenas às partes em cartório.
12. No caso concreto, as autoridades públicas envolvidas no disclosure, que detinham as informações em sua posse, obtidas por meios processuais invasivos e que tinham o dever de preservá-las, não podem alegar desconhecimento da quebra de seu incontornável dever legal. Por isso mesmo, revela-se inescusável, concessa venia, a conduta consubstanciada na juntada dos arquivos aos autos nas circunstâncias denunciadas nesta representação, pois o dever de cautela, intrinsecamente vinculado ao dever de preservação do sigilo, se impunha até porque, a par de não ser razoável imaginar que não soubessem o que estavam fazendo, referidas autoridades foram formalmente alertadas pelos advogados do conteúdo de tais documentos e da sua respectiva proteção legal (cf. itens 7 e 8, supra).
13. Além disso, não se pode olvidar que também o Código de Processo Penal determina no artigo 20 que “a autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade”. – g.n.
14. Ressalta-se, por último, que não foi a primeira vez que tais fatos ocorreram nos autos ligados a referida Operação “Lava Jato”, pois essa situação aconteceu também no Evento 95, ANEXO 7(Documento 08 - AUTO DE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA Nº 393/2015), ensejando ampla exploração midiática caracterizadora de verdadeira publicidade opressiva conforme as notícias que seguem anexo4. Esse fato, aliás, foi denunciado pelo primeiro requerente em seu interrogatório perante o MM. Juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba/PR
4 Veja-se como exemplo as notícias referidas nos seguintes links: http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/wp-content/uploads/sites/41/2015/08/relatoriointerceptacoesodebrecht.pdf -
http://epoca.globo.com/tempo/expresso/noticia/2015/07/familia-de-marcelo-odebrecht-criou-grupo-os-trapos-em-aplicativo.html
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(Documento 09 - Evento 1018, VIDEO 7, da Ação Penal nº 5036528-23.2015.4.04.7000), bem como foi objeto de pedido de providência conforme petição anexa no Evento 1045 daqueles mesmos autos (Documento 10).
15. Ante o exposto, considerando o grave quadro acima delineado, revelador da ilegal, inconstitucional e abusiva quebra do dever de guarda e de preservação de dados sigilosos sobre a intimidade e a vida privada dos requerentes, completamente alheios às investigações criminais, e considerando ainda que esse lamentável quadro também atinge de forma lancinante, além da segunda requerente que não é investigada na operação “Lava Jato”, as filhas menores do casal e terceiros também não relacionados às investigações, requerem a adoção de medidas de fiscalização por parte deste órgão na atuação dos Tribunais Regionais Federais com o intuito de evitar que situações semelhantes a essa voltem a acontecer, conforme determina o art. 3º, VI, do Regulamento Geral da Corregedoria Nacional de Justiça, bem como, adoção de medidas urgentes para impedir a repetição de novas violações aos direitos e às garantias dos requerentes e de sua família, com a consequente instauração do competente procedimento para apurar as devidas responsabilidades disciplinares e criminais decorrentes dos gravíssimos fatos aqui noticiados, sem prejuízo, obviamente, das medidas judiciais a serem oportunamente adotadas pelos requerentes contra os responsáveis.
Pedem deferimento.
De Curitiba/PR para Brasília/DF, em 13 de novembro de 2015.
A. Nabor A. Bulhões José Carlos Porciúncula
OAB/DF 1.465-A OAB/DF 28.971
Antônio Vieira Lourival Vieira
OAB/BA 17.449 OAB/BA 18.399
Eduardo Sanz Luiz Henrique Merlin
OAB/PR 38.716 OAB/PR 44.141
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